Aquele
otimismo constante de Nuno não era compatível com os polícias que ela conhecia dos livros, e questionou-se se ele seria assim tão bom profissional. Afinal, um
homem que convivia diariamente com a pior das facetas do ser humano, e esmiuçava
crimes com poças de sangue, deveria estar já abalado o suficiente para se render
ao alcoolismo. Mas Nuno era jovial e irradiava um entusiasmo que ela não
compreendia. A sua análise "esotérica" estava a ser testada ao
máximo, e aceitou a cerveja fora de horas somente por questões científicas, ou
assim queria convencer-se.
O
bar era escuro, fazendo lembrar os Pubs ingleses que ela adorava, e sentiu-se
instantaneamente confortável, retirando o casaco. Nuno sentou-se educadamente à
sua frente, mantendo a distância física própria de quem estava ali a trabalho e
não em diversão. Muito bem, pensou ela.
Os
olhos ardiam-lhe das lentes de contacto que já usara horas demais, e pediu
licença para se retirar à casa de banho, levando a sua carteira com o kit salva
olhos. Retirou as lentes, que guardou cuidadosamente na caixinha, e colocou os
óculos, transformando a "cabra excêntrica" numa intelectual
simplesmente mal vestida. Bocejou longamente e percebeu que precisava de
dormir, teria de despachar o brinde para recuperar da última noite de insónias.
Nuno
aproveitou para telefonar à sobrinha que tinha deixado em casa sozinha, para a
tranquilizar por ainda não ter regressado. Iria demorar-se um pouco… se tudo
corresse bem!
Quando
Margarida regressou à pequena mesa no fundo do bar, já estavam dois baldes de
cerveja, e um gigante animado à sua espera. Tentou não sorrir, mas a cena era
demasiado cómica para aguentar, e ao se instalar no canto fofo, não pôde deixar
de perguntar,
-
Estás à espera que consiga beber isto tudo?
-
Não me digas que nunca bebeste um litro de cerveja!? - disse, divertido
com a situação - Não te preocupes, o que não conseguires terminar, eu arrumo.
- Posso tentar, mas estou bastante cansada e com sono, e duvido que consiga
manter-me consciente com esta quantidade de álcool, para além de que irei
passar a noite na casa de banho... - e aquela última informação era absolutamente
escusada, pensou ela envergonhada. Ninguém tinha de saber que as bebidas
alcoólicas a transformavam numa incontinente, muito menos o gozão sentado à sua
frente.
-
Ficas bem de óculos! - confessou ele descontraidamente - e fingindo não notar o embaraço momentâneo de Margarida, iniciou uma conversa informal sobre
música, carros, comida... querendo saber um pouco demais da conta. Margarida
surpreendeu-se a si própria quando deu por si a dada altura a rir
descontroladamente com as cenas cómicas em que Nuno se envolvia no seu trabalho
emocionante de prender mauzões. Aquilo só poderia ser consequência do meio
litro de cerveja que ela já conseguira ingerir...
Era
tarde, e os dois deram por encerrada a segunda reunião de trabalho, combinando
que no dia seguinte de manhã Nuno levaria todo o material de que dispunha para o
escritório dela.
Margarida
entrou no seu carro sem dar hipóteses para despedidas calorosas, sorriu e
acenou “adeus” ao novo colega, apressando-se para chegar a casa e dormir.
Chegou
ao seu apartamento às quatro da manhã e não teve tempo sequer de pensar em ladrões, caindo
redonda na cama, exausta.
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(imagem, internet)
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