(Esta história surgiu-me em 2012, depois de ler sobre a Lenda da Princesa Peralta da Lousã. Uma versão minha dos factos, com muita magia à mistura. Esta história aqui apresentada é o original da história que deu origem a uma versão adaptada e mais resumida e que foi utilizada num bailado.)
No alto de uma torre escondida,
no sopé de uma Serra cheia de grandiosos castanheiros, vivia Peralta, a mais
misteriosa e bela Princesa alguma vez conhecida. Seu pai, o Emir Arunce,
valente e destemido, receava apenas uma coisa na vida, perder a sua pequena
jóia árabe, tantas vezes ameaçada nos sucessivos combates em que este poderoso
homem lutava. Desde bebé que a pequena Peralta acompanhava seu pai nas
conquistas e aventuras, ao colo de aias dedicadas, que por debaixo de véus e
colares, escondiam as suas verdadeiras identidades. O Rei Emir, obrigado a
fugir do seu reino quente e dourado, foi encaminhado por estas fantásticas
ajudantes para um pequeno Castelo escondido num recanto encantado de uma Serra
Beirã, de uma beleza simples, mas profunda, o local perfeito para uma menina
tão preciosa crescer em segurança.
Os inimigos do Emir eram vários e
terríveis, gentes de outras terras, mágicos invejosos, reis e cavaleiros, mas
as principais ameaças vinham de uma família de dez irmãs, muito feias e desajeitadas,
que cobiçavam o Palácio Real e que, aliadas ao génio Cáifas, tinham expulso a
família Arunce do seu Reino, era ainda Peralta um bebé. Ao Rei, não tinha
restado outra hipótese senão pegar na sua pequena jóia secreta e fugir para um
local seguro, tão seguro, que todos na terra dourada se esqueceram de que um
dia tinha existido um Rei valente e bom e a sua pequena filha.
Passados 16 anos, na Serra da
Lousã, a vida corria leve e harmoniosa para a comitiva que acompanhara o Rei na
sua fuga a Caífas. A Princesa era bela, gentil e doce, como seu pai. Passava os
dias a caminhar pelos trilhos da floresta, convivendo com animais curiosos e
deliciando seu pai com castanhas doces e framboesas selvagens que colhia
durante os passeios. Sentia no entanto vontade de conhecer outros locais,
parecia-lhe que o verde da paisagem lhe era estranho e pouco natural. Nos seus
sonhos, corria por uma imensidão de quentes dunas, de areia fina e delicada.
Um dia, contou os seus sonhos às
confidentes Aias, e estas, assustadas pelas visões tão reais da sua terra
natal, correram a avisar o Rei: Peralta era um ser do deserto, sonhava com as
suas paisagens. O Emir, destroçado pela hipótese de ver Peralta morrer às mãos
de Cáifas e das irmãs feiosas, decidiu casar a filha, trazendo um Príncipe de
terras vizinhas, na esperança de ocupar a mente da bela árabe sonhadora.
Caifás, o génio do mal, que
ocupara o poder desde a fuga do Emir Arunce, ao saber que Peralta começara a
descobrir a verdade e seu pai a tentava distrair com um casamento, decidiu
enviar para a terra verde um jovem tão belo, quanto terrível, disfarçado de
Príncipe. O seu plano era enganar o Emir e fazer com que Peralta fosse raptada
e trazida pelo jovem, para o deserto, onde a esperaria o seu trágico fim, a
morte.
Peralta revoltou-se contra as
intenções de seu pai. Não queria saber de casamento, o seu sonho era partir à
aventura, ver novos locais e encontrar uma terra dourada e quente. Estava
decidida, fingiria que concordava com as intenções do pai, e no dia antes do
casamento, fugiria pelos trilhos que tão bem conhecia, iria viver o seu sonho
dourado.
Ao chegar a véspera do casamento,
o belo jovem enviado por Caifás chegou ao Castelo, rodeado de presentes e
empregados, numa comitiva impressionante de cores e magia hipnotizante. A
Princesa temeu por momentos que o seu coração vacilasse perante aquele Príncipe
tão belo. Ele era na realidade um feitiço, uma visão enganadora, feita para
conquistar tudo e todos…
Nessa noite, perturbada e
confusa, Peralta saiu do Castelo, levando apenas um manto e uma espada, alguma
coisa forte a fazia fugir dali, e ela queria saber o quê! Correu durante horas,
na escuridão, ajudada pelos animais e pelo seu coração, que sempre a levara
para caminhos estranhos, mas acertados. Já tinha caminhado vários quilómetros
quando de repente, ouviu um barulho que se tornava cada vez mais forte e
familiar. As Aias surgiram no escuro da noite, vindas de lado nenhum, fazendo a
Princesa estremecer de excitação, pois estava agora desfeita a suspeita que
sempre lhe tinha assombrado os pensamentos: vivia rodeada de fadas
verdadeiras!! Mas no meio de toda aquela alegria momentânea, adivinhavam-se
acontecimentos trágicos, os semblantes das suas confidentes eram pesados e não
conseguiam esconder o medo. Peralta ficou a saber de toda a história secreta
que envolvia a sua infância, do local dourado e quente de onde tinha vindo, das
viagens perigosas que seu pai tinha ingressado para a proteger de um velho
inimigo, Caifás. Ouviu tudo em silêncio, pensativa, com aquela expressão tão
própria de quem sabe já o que deve ser feito, e acabado o discurso das Aias
pegou na espada e percebeu porque a tinha trazido: estava chegada a hora de
acabar com sombras antigas e libertar a sua família das perseguições que a
atormentavam.
De regresso ao Castelo da Lousã,
Peralta correu como se asas tivesse, o fogo da coragem que sentia era bem
conhecido das Aias, pois tinha herdado de seu pai, o Rei Arunce, e nada a iria
parar, não fosse uma sensação de estranheza e surpresa ao ver um castanheiro
carregado de castanhas, e logo naquela altura do ano, em que aquela espécie ficava
totalmente despida de folhagem e de frutos…. Parou de repente, deu várias
voltas ao fenómeno e quando se aproximava da árvore para a observar melhor,
ouviu claramente a voz de alguém a pedir socorro, como se por detrás do rijo
tronco se encontrasse um prisioneiro. Como poderia ser? Estaria louca? Não
tinha ainda dormido nada nessa noite, mas estava convicta de que não era um
sonho, beliscou-se várias vezes, esfregou os olhos e aproximou-se uma vez mais,
agora com o coração a bater bem forte de emoção! A voz era nítida, alguém sabia
que ela ali estava e pedia-lhe ajuda. Sem saber o que fazer, Peralta pensava em
voz alta, tentava comunicar com a voz, obter respostas, mas não conseguia
descobrir uma forma de ajudar quem quer que fosse que ali estava. Sentou-se aos
pés da árvore, desanimada com o seu fracasso, já cansada, pois era já quase de
dia, ouviam-se os primeiros pássaros e sons da manhã…. Os raios de sol
começavam agora a invadir as clareiras da floresta, quando de repente, uma luz
incidiu na espada brilhante, ofuscando o olhar da Princesa, que percebeu nesse
instante que a Espada que trazia com ela poderia ser a solução para salvar o
prisioneiro. Com toda a força que tinha, começou a desferir golpes no tronco, e
a cada tentativa, a voz ficava mais nítida e clara, era o som de um homem.
Quase exausta, depois de algum tempo a tentar partir o tronco, finalmente se
começavam a ver as vestes da pessoa encarcerada, que pareciam tão bonitas como
as dela, de tecidos ricos e cores reais. De dentro do tronco saíram braços,
pés, pernas, e todo o resto de madeira foi caindo aos poucos de cima de um
jovem sorridente e belo! Ainda bastante abalada com aquele salvamento
fantástico, a Princesa não tinha reacção para fazer perguntas, ficara a olhar,
sem emitir qualquer som, para o “renascido” rapaz. Ele, porém, tinha muito para
contar, procurava o Castelo da Lousã há várias semanas, perdera-se na floresta
e estava desesperado pois vinha para conhecer a Princesa Peralta com quem se
iria casar. Esta ficou em choque, sem revelar a sua identidade, ainda confusa
com tudo aquilo, sem saber se aquele homem era ou não de confiança ou algum
inimigo prestes a acabar com a sua vida. O Princípe do Norte, era assim que se
apresentara, contou ainda que no meio da sua jornada, fora atacado por um ser
estranho, de vestes estrangeiras, um homem meio Humano, meio génio, que o
prendeu naquele castanheiro, de onde receou nunca mais sair vivo… Cheio de
raiva pelo fracasso da sua missão em busca da Princesa e do Castelo, mas
bastante agradecido à estranha que o salvara, o Príncipe perguntou a Peralta se
podia ajudá-la em alguma coisa, como recompensa pela sua coragem e determinação
em tirá-lo da árvore. Peralta sorriu, cheia de esperança e disse que sim,
precisava que ele a acompanhasse ao Castelo, onde se encontravam o Rei Arunce,
seu pai e uma comitiva de inimigos que tinham vindo no seu alcance, para a
matar.
O Príncipe aceitou, confuso,
chamou o seu cavalo fiel com um assobio e montaram os dois, atravessando a
floresta que acordava naquela manhã de Verão. A meio do caminho, o cavalo parou
bruscamente, o jovem voltou-se para Peralta, com um ar incrédulo de quem tinha
finalmente percebido o que acontecera… Era ela, a rapariga que o salvara era a
Princesa Peralta, filha do Rei Arunce, que vivia no Castelo da Serra da Lousã,
destino que o esperava há algum tempo. Olharam-se durante algum tempo,
admirando a força do destino que os juntara, e sentindo um Amor
crescer dentro dos seus corações. Estavam agora certos de que juntos, unidos
naquela força maior, conseguiriam salvar o Rei e vencer o inimigo Caifás e as
suas ajudantes maléficas.
Ao avistar o Castelo, o Príncipe
ficou maravilhado com aquela paisagem verde e mágica onde Peralta vivera durante
dezasseis anos… um local digno da sua beleza exótica e real.
Entraram em silêncio nas muralhas
de xisto, receosos do que iriam encontrar lá dentro. Sabiam que aquele génio
era muito poderoso, mas não havia outra hipótese, tinham de o enfrentar! Ao
entrar no Salão Nobre, de mãos dadas, o Rei almoçava com a comitiva estrangeira
de perigosos traidores disfarçados de aliados do Norte. A Princesa contou ao
pai quem vinha com ela, o que tinha visto na floresta, quem eram os convidados
inesperados e declarou guerra aos visitantes surpreendidos. Caídas as máscaras,
já não havia necessidade de continuar a fingir, soltaram-se uivos e sons
macabros, imagens medonhas surgiram nos corpos anteriormente presentes. O Rei
Arunce reconhecia-os a todos, pegou na sua espada e convocou as forças do Bem,
chamando as fadas para a batalha. Estava na hora de terminar com décadas de
medos e fugas, a luta inevitável tinha começado e só a vitória poderia ser o
desfecho! Surpreendentemente, Peralta desferiu o golpe mortal a Caifás, no momento
em que este se preparava para acabar com a vida do Rei Arunce. O génio gritou
de dor e todos cessaram de lutar, ficando espantados a admirar o brilho que a
espada da princesa emitia, como que uma força mágica a penetrar o peito do
carrasco. As dez irmãs que vinham em auxílio de Caifás, ficaram cegas com a luz
forte que a arma emitia, ficando desorientadas e deixando-se prender, enquanto
gritavam de dor ao sentir os olhos queimar. Estava terminada a batalha. O Bem
vencera o Mal, acabava de eliminar a maldição de um Reino dourado nas mãos de
uma improvável heroína, Peralta, a doce jovem herdeira desse trono.
Passados alguns dias, o Castelo
da Lousã era enfeitado de flores e bandeirinhas coloridas, ouvia-se música e
risos, e uma grande festa era preparada dentro das suas muralhas. O Casamento
real de Peralta e o Príncipe do Norte tinha início nessa manhã, num dia de
muito sol e calor, bem ao gosto da princesa. Foi uma festa lindíssima, com
muita alegria e quando já todos os convidados tinham regressado às suas casas,
o Rei Arunce decidiu revelar o seu Presente de Casamento: iria oferecer a
Peralta o trono da terra dourada. Lá, iria viver com o Príncipe no local dos
seus sonhos, reinar com justiça, bondade e coragem, tal como seu pai um dia
tinha feito. Partiram no dia seguinte, com toda a comitiva real, deixando para
trás um pedaço dos seus corações num Castelo pequenino, situado num local
mágico, de uma beleza pura e simples, para sempre relembrado como o Castelo do
Rei Arunce e de sua filha Peralta!
(direitos reservados afsr)