sexta-feira, 31 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 9 (1ª parte)



A bala entrou e saiu pelo antebraço de Álvaro, que não esperava um desfecho tão decepcionante naquela noite. Tinha planeado tudo de forma tão perfeita, a sorte parecia sorrir-lhe quando viu Isabel vinda das compras e a precisar de um vizinho que a ajudasse. O seu charme funcionara às mil maravilhas, a mãe de Margarida era um alvo demasiado fácil. Doce, crente e agradecida, ofereceu-lhe um chá e salvou a sua vida com aquele gesto cristão. Teria sido difícil para Álvaro arrancar-lhe o telemóvel à força. Para além do facto de ser mãe da intrometida, Isabel não tinha necessidade de sair magoada, recordava ele.
De pé em frente ao espelho do quarto de banho do pequeno apartamento que alugara semanas antes, tratava das feridas que começavam a sarar com facilidade. Era ainda um homem robusto, mesmo para a sua idade, e as horríveis cicatrizes da explosão da casa dos seus pais, contrastavam com a sua figura surpreendentemente atraente. Já se tinham passado vinte e cinco anos, mas nunca esqueceria o momento em que Deus o abandonara, permitindo que a única família que tinha explodisse ironicamente à sua frente. Dedicava os seus dias a salvar pessoas, a tornar o pequeno mundo à sua volta num local melhor, e era assim que era recompensado, rosnava ele.
            Manuela tinha sido a pequena esperança que por algum tempo lhe devolvera alguma paz, deitado imóvel numa cama de hospital, cheio de dores, o seu consolo era saber que ela cuidava dele.
Amara-a desde o primeiro momento em que a vira entrar no escritório de Afonso, sorridente e bela. Álvaro tinha sido transferido para Coimbra dias antes e nunca mais foi o mesmo, depois de Manuela. A amizade por Afonso fora, durante alguns anos, o único impedimento na sua consciência reta para demonstrar o que sentia por ela. Mas o amigo não comungava dos mesmos valores que ele, e no dia em que encontrou Manuela desfeita com mais uma das traições do marido, Álvaro seduziu-a, permitindo-se um pecado mortal, do qual nunca iria recuperar totalmente.
Naquela noite de sofrimento em que Álvaro pensou que chegara o seu fim, Manuela contara-lhe o segredo que a atormentava, devolvendo-lhe a força anímica suficiente para lutar pela vida, salvando-o.
Depois disso, Álvaro morreu, e um outro homem ressuscitou. Esse, queria o que era seu por direito.

Vestiu-se e sentou-se em frente ao PC, Deus ainda lhe devia uma, e dessa, não abriria mão.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

quinta-feira, 30 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 8 (4ª parte)



- Bem, meninos, vamos lá deixar a doentinha descansar, por hoje já chega de visitas e eu sou bastante ciumento. – Nuno conseguia sempre desanuviar um ambiente, com o seu espírito alegre e positivo. - A enfermeira chefe esteve lá fora a dizer-nos que tens alta daqui a dois dias, só por precaução, está tudo bem contigo. – e sentou-se novamente no seu local de vigia, dando a entender que não ia sair da beira da sua cama de hospital.
Sofia ficou amuada por ter de ir dormir para casa dos tios, mas Ana rejubilou com o regresso da sobrinha, mesmo que só por uns dias. Sofia vivia com o tio apenas há cinco anos. Nuno tinha feito questão de a trazer de casa da Ana e do Jorge, onde fora acolhida em bebé quando os pais morreram, mas a criança era muito agarrada a ele e parecia só estar relaxada quando este estava por perto. Ana ficara abalada com a saída dela de sua casa, mas compreendeu que talvez fosse bom para os dois ficarem juntos, afinal tinham muito em comum.
A comitiva familiar despediu-se dos dois, e Isabel descansou a filha garantindo que já tinha trocado a fechadura de casa e que não iria ser descuidada, mantendo-se alerta para alguma visita inesperada. Desta vez não abriria as portas de sua casa a ninguém e Jorge já tinha organizado uma vigilância permanente à sua rua até tudo aquilo acalmar. Margarida percebeu que Álvaro tinha escapado, mas fingiu não ter entendido.
Nuno acompanhou todos à porta do quarto e teve de empurrar os gémeos à força para que estes seguissem os pais, o entusiasmo dos adolescentes com os acontecimentos macabros era despropositado para o inspetor.
- Estes vão seguir as pisadas da família, só gostam de sangue… - gracejou Nuno, voltando para junto de Margarida. O gigante parecia mais velho, abatido, e Margarida, que já tinha preparado um rol de perguntas para lhe fazer assim que ficassem sozinhos, retraiu-se, com medo de o amargurar mais. Não conseguia imaginar o que aquele homem tinha passado, o desespero de não saber se a ia encontrar, viva ou morta. Já tinha perdido tanta gente, ficara órfão aos cinco anos, sem uma irmã e um cunhado aos vinte e um… era demasiada morte e tristeza para uma pessoa tão nova. – constatava Margarida nos seus pensamentos.
- Não tens de ficar aqui comigo de noite, Nuno. Vais dormir todo torto. – disse ela genuinamente preocupada com o facto de ele parecer não ter dormido na noite anterior.
- A Menina acha que a vou deixar sozinha? E se precisar de ir à casa de banho ou que lhe ajeitem a almofada? – gracejou ele.
Margarida retesou-se novamente com aquela expressão, que lhe provocou calafrios.
- O que se passa? Tens dores? – questionou preocupado.
Havia algo de muito errado na forma como ele e o homem que a atacara falavam… as lágrimas invadiram-lhe as palavras, não conseguia verbalizar. Margarida tinha uma suspeita angustiante na cabeça, que não lhe saía do pensamento desde que o ouvira falar a primeira vez, ao acordar no hospital.
- Não penses mais nele, por favor. Esse assunto vai ser arrumado, mais cedo ou mais tarde. Eu prometo-te. – Nuno beijou-a com delicadeza, tentando não acertar nas zonas magoadas da cara dela. Olhou angustiado as marcas das agressões que Álvaro tinha deixado na mulher que amava e profetizou,
- Ele vai pagar por tudo isto, por cada centímetro do teu rosto. – Margarida não tinha noção do estado em que estava, nem do seu aspeto, e temia olhar o espelho. Sabia que tinha levado pontos e sentia hematomas, mas o importante era estar viva, e principalmente, tê-lo ali.
- Não quero que faças nada precipitado, por favor. – pediu Margarida. – Precisamos de investigar um pouco mais, antes de tomares uma atitude. Garante-me que não vais atrás dele. - suplicou.
- Não te quero mais envolvida nesta história, já chega de brincares aos polícias. Só Deus sabe o que me culpo quando te vejo aqui neste estado, no que podia ter acontecido… - Nuno revolvia-se com remorsos – Esse gajo agora é problema meu. – concluiu.
Margarida não podia revelar o que suspeitava, era terrível demais. Sossegou Nuno e guardou para si mesma os pensamentos que a invadiam.
- Então e agora? Se ficar feia e deformada, ainda me vais querer? – brincou ela, mudando de assunto.
- Sempre fico com o teu rabo delicioso para apalpar! – Nuno sentou-se na cama, recostou-se colocando uma almofada na cabeça, esticou as pernas ao lado das dela, e Margarida encostou-se no seu tronco, como dormira na segunda noite em que o conhecera.
            - Vais ficar? – perguntou ela, sentindo-se a ceder ao sono.
            - Sim, não te preocupes. – garantiu ele, beijando-lhe a cabeça.

            - Ainda bem. – Abraçou o seu gigante, e adormeceu.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

quarta-feira, 29 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 8 (3ª parte)



As vozes de Isabel e de Nuno ficavam cada vez mais próximas, conseguia distinguir os lamentos da mãe e sentia uma mão na sua. Estava deitada, não tinha dores, bastante mais confortável do que momentos antes, ou horas, não sabia bem quanto tempo se tinha passado desde que estivera sentada para morrer, na sala dos azulejos. Um alívio percorreu-lhe a espinha, estava viva, e a mãe também.
Abriu os olhos, reconhecendo um quarto de hospital e viu-os sobressaltarem-se de alegria, sufocando-a com beijos e abraços.
- Então a Menina queria matar-nos de susto, hein? – Nuno gracejou aliviado por vê-la a recuperar do choque, estivera quase 12 horas sem acordar, e Margarida estremeceu com aquela expressão, arregalando os olhos instintivamente, mas disfarçando logo de seguida. Não queria pensar nisso agora.
- Querida, tive tanto medo de te perder… - choramingou Isabel, limpando as lágrimas num lenço que Nuno lhe estendeu carinhosamente.
- Está tudo bem, - tranquilizou-a Margarida – já passou. – e olhou para Nuno interrogando-o silenciosamente, ansiosa por saber o que tinha acontecido a Álvaro. Nuno manteve-se calado, desconfortável, e desconversou.
- Sim, agora está tudo bem, mas tens de descansar. – deixando-a sem resposta e mudando de assunto deliberadamente.
Margarida percebeu que teria de esperar para ter respostas, e ele beijou-a suavemente nas mãos, num gesto que mais parecia uma súplica de perdão.
- Podemos? – uma cabeça espreitou na porta, e sem esperar pela resposta, uma família inteira entrou no quarto de hospital. Jorge, Ana, os gémeos de catorze anos e Sofia, que trazia flores, meio indecisa se sorria, ao ver o tio debruçado na cama de uma mulher.
- Margarida, íamos todos morrendo de susto ontem, querida! – a voz de falsete de Ana estava carregada de genuína preocupação, e Margarida sentiu-se feliz com aquela plateia carinhosa que a admirava. Sempre desejara uma família grande, e parecia que Deus lhe pedia desculpa pelos momentos angustiantes e dolorosos do dia anterior, presenteando-a com sete visitas calorosas.
- Não era preciso virem até aqui, eu estou bem. – disse Margarida encavacada com aquelas demonstrações de amizade – E tenho que vos pedir desculpa – dirigiu-se aos gémeos – por vos ter estragado o jantar de aniversário. Prometo que vos compenso!
- Não faz mal, - disse Miguel, um adolescente de olhar meigo – até foi fixe, a minha mãe esqueceu-se do bolo no forno com aquela confusão toda, ia pegando fogo à cozinha e tivemos de ir jantar fora depois do pai chegar. – confessou inocentemente.
- O bolo era o meu preferido – lamentou-se Francisco sem remorsos – mas para castigo o pai teve de nos comprar um jogo para a PS! – e Ana deu-lhe um cascudo para o silenciar.
- Desculpa Margarida, estes miúdos são todos uns parvos hoje em dia!
- Eiii!!! – entoaram os gémeos em uníssono em desagrado pela ofensa.
- Nuno, precisava de falar contigo lá fora, pode ser? – Jorge sorriu para Margarida, pedindo-lhe licença para que Nuno a deixasse por alguns minutos.
- Sim, vamos. – Nuno sorria pouco convencido, tentando não transparecer a preocupação, bastante ansioso com o que Jorge teria para lhe dizer.
Margarida ficou alerta com a conversa dos dois inspetores, mas era requisitada pela plateia mais jovem que tentava saber pormenores do que se tinha passado. Ana e Isabel conversavam sobre filhos e preocupações maternais e Margarida descontraiu naquele ambiente estranhamente festivo e familiar.

Passados alguns minutos, Jorge e Nuno entraram, sem denunciar o teor da conversa, e comportando-se como se nada se tivesse passado, eram mestres em camuflagem de emoções, pensava Margarida.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

terça-feira, 28 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 8 (2ª parte)



Margarida não sentia nada para além do alívio de que a mãe estava viva, poderia morrer, sem medo. Respirou longamente e deu-lhe a ordem,
- Pode matar-me….
- Corajosa a Menina, hein? – Álvaro preparou a arma para o tiro e sorriu.

            «-Pode matar-me» - Margarida deu a ordem e Nuno acordou do transe, atirando em Álvaro, que se desequilibrou com o tiro que lhe acertou em cheio no braço que empunhava a arma. Álvaro olhou descontrolado para Nuno e correu em direção a outra porta, fugindo desarmado. Nuno lançou-se em perseguição do chefe baleado, mas a imagem de Margarida ensanguentada fê-lo estacar. Álvaro não iria longe, pensou.

O som da explosão da arma ensurdeceu-a por segundos, e Margarida esperava de olhos fechados a dor de morrer. Pensou que afinal não tinha sido assim tão difícil, estava aliviada. Ainda raciocinava, constatou com surpresa, e sentia o cheiro do seu sangue…

            Correu para Margarida, que parecia morta, soltou-a e sentou-se no chão com ela ao colo, tentando perceber o que Álvaro lhe tinha feito.

- Margarida, desculpa... – ouviu Nuno gemer aos seus ouvidos. Não estava morta? – perguntou-se, ficando novamente tudo escuro.

            A adrenalina do momento começou a extinguir-se, Nuno sentia dores fortes em todo o corpo, os olhos picavam-lhe, e pela primeira vez em muitos anos, precisou de chorar. Jorge apareceu na sala desvairado, em pânico com a ideia de que um deles tivesse sido atingido pelo tiro que ouvira vindo dali. Nuno indicou-lhe em silêncio o caminho que Álvaro tinha tomado, e o irmão obedeceu, correndo ainda mais enlouquecido depois de ver o sofrimento de Nuno com Margarida no colo, que parecia morta e percebendo que o chefe estava envolvido naquele ataque.


            Um carro chiou descontrolado, e o silêncio inundou a antiga fábrica, que retomou a sua paz fantasmagórica, enquanto Nuno recuperava as forças, reorganizando as ideias. Levou Margarida para o jipe, desmaiada e conduziu “no cinzento” até às urgências do hospital, sem distinguir o caminho que fazia. Ela precisava de cuidados médicos e essa era a sua missão, nada mais.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

segunda-feira, 27 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 8 (1ª parte)




Nuno reconheceu imediatamente o carro de Álvaro. A noite escurecia o ambiente, e decidiu não denunciar a sua chegada deixando o jipe parado do lado de fora do muro que envolvia a antiga fábrica de cerveja. Saltou a vedação evitando o portão de entrada, e dirigiu-se cautelosamente ao edifício em ruínas, em busca de um sinal que denunciasse a presença de Margarida. Normalmente iria com os sentidos em alerta para perseguir o criminoso, hoje o importante era encontrá-la, e viva.

Jorge e Jaime chegaram ao local quase em simultâneo e trocaram algumas orientações rápidas antes de entrarem na fábrica. O jipe de Nuno já lá estava, e Álvaro, pelos vistos também tinha vindo ajudar. Estranharam a presença do chefe por ali, talvez Nuno lhe tivesse pedido ajuda, raciocinaram os dois. O silêncio da noite que descia iria ser precioso na busca dentro do edifício abandonado. Dividiram-se e cada um avançou por dois pontos diferentes, de forma a alargar as hipóteses de encontrar Margarida, ou talvez só o seu iphone, lamentavam os inspetores, que já tinham visto de tudo na sua experiência profissional.
           
            Nuno não raciocinava como Jorge e Jaime, a sua dependência emocional por Margarida atrapalhava-lhe a lucidez, e o ódio que crescia por Álvaro era aumentado pela desilusão de aquele homem o estar a magoar tanto. Tinha perdido os pais em criança e agora o seu grande amigo morria também repentinamente, tentando arrastar Margarida com ele. A sua confusão mental começava a trair-lhe os sentidos, nunca se sentira tão perdido como naqueles corredores destruídos…

Álvaro fitou Margarida enraivecido ao voltar à sala azul, ouvira barulho no exterior do prédio e precisava resolver rapidamente aquele problema. Esperava que não fosse ele, não estava nos seus planos matá-lo. Sacou da arma e encostou-a a Margarida que, vendo o seu final aproximar-se, “ressuscitou” do choque da última agressão,
- Antes de me matar diga-me, por favor, a minha mãe está viva? – disse, ganhando coragem. Não podia morrer sem saber o que o doido lhe tinha feito. As suas certezas sobre a vida pós morte eram nenhumas, não tinha gasto muito tempo a pensar sobre isso, só sabia que não podia morrer sem aquela resposta.
- Ela está viva, uma simpatia, deixe que lhe diga, bebemos um chá e conversámos muito tempo sobre si, a sua família e… até foi ela que me deu a ideia de a trazer para aqui! Pelos vistos gostava bastante deste local, não é verdade? – o gigante brincava agora com o medo de Margarida e a revelação do que lhe inspirara o local onde iria cometer o crime deixou-a angustiada.

            Ouviu vozes. Ainda estava viva, pensou com o coração a sair-lhe da garganta, e avançou em silêncio em direção ao som.

            Margarida estava sentada, de cabeça caída, numa atitude de resignação, e Álvaro de pé encostava uma arma à sua testa. Nuno paralisou em choque, perturbado com aquela visão, sem reagir, recordando todos os mortos que o assombravam desde criança. Queria matar Álvaro, mas a mão não colaborava, ficando petrificada.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

sexta-feira, 24 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 7 (3ª parte)


Estava a ser arrastada pelos braços em direção ao desconhecido, continuava tudo escuro. Margarida tropeçava nos próprios pés, o homem caminhava quase a passo de corrida e não lhe dava tempo para ela o acompanhar.
Repentinamente foi sacudida para baixo e sentiu uma cadeira. Todo o seu corpo tremia violentamente, naquela expectativa aterrorizante do que se seguiria. O homem arrancou o pano da sua cabeça, devolvendo-lhe a visão. A noite ameaçava aparecer, Margarida não sabia quanto tempo se tinha passado. Teria Nuno percebido que ela tinha desaparecido? Esforçava-se por respirar ritmadamente, obrigando o corpo a aceitar o oxigénio, poderia até morrer ali, mas não sufocada. Suplicava a Deus que não a deixasse naquela hora. Olhava aterrorizada à sua volta, e reconheceu imediatamente aquele lugar… Mas porque estava ela naquele sítio?
Ouviu passos atrás dela, e os tremores do seu corpo recomeçaram mais violentos.
- Com que então, a Menina descobriu que eu fui paciente da Puta egoísta, hein? - ela susteve a respiração involuntariamente, as lágrimas correram novamente e chegaram ao pescoço. Porque seria que aquele homem falava da mesma forma que Nuno? - Davas uma polícia e tanto - escarneceu calmamente o raptor.
Colocou-se diante dela de pé, o seu tamanho era impressionante visto da sua perspectiva. Mais um gigante, pensou em pânico. Olhavam-se nos olhos e algo de familiar a Margarida surgia naquela cara de louco que estava visivelmente alterado, parecia possuído.
Arrancou da boca de Margarida o pano que a silenciava.
- Que mais é que tu já percebeste? Responde cabra! - gritou-lhe, fazendo-a estremecer com violência.
A garganta de Margarida colava cada vez mais com o pânico e ela não conseguia falar, exasperando o polícia.
- És das que gostam de dificultar as coisas... estou a ver. - deu um estalo fortíssimo nela, e foi como se uma tábua lhe tivesse acertado em cheio na cara - Antigamente tínhamos uns métodos eficazes para vacas mentirosas como tu! Mas bater em mulheres é feio, dizem agora os modernos... - olhou-a com nojo e deu-lhe um soco no estômago que a fez vomitar instantaneamente. Margarida tossia sangue e contorcia-se de dor, ficando com a visão enevoada por algum tempo. Morreria facilmente, se aquele gigante lhe batesse mais, pensou ela aterrorizada.
- Eu avisei-a de que não me podia tratar como esterco, eu tinha direitos! - gritou ele sem nexo. - Mas NÃO... fui enganado, brincaram comigo enquanto puderam... - o homem caminhava frenético, como se procurasse alguma coisa naquela sala meio destruída. - Aquela Puta egoísta obrigou-me a vê-lo durante anos! – confessou ele com raiva e começou a rir descontrolado, erguendo uma garrafa e bebendo uma grande quantidade do que parecia ser vodka.
Margarida não compreendia nada do que ouvia, apenas rezava interiormente chorando em silêncio. As dores no abdómen eram cada vez mais fortes e temeu estar a morrer.
- Agora querem lixar-me novamente! - ficou sério e dirigiu-se a Margarida que fechou os olhos e contraiu todos os músculos do corpo à espera de uma próxima pancada. A sua cara foi atingida por um murro que lhe abriu o sobrolho e fez correr um rio de sangue.
- Não o posso matar, não consigo... - lamentou ele no seu discurso desvairado - mas tu vais calar a matraca e parar de lhe pôr ideias na cabeça. É por isso que vais morrer.

 Ele afastou-se e saiu por momentos do espaço fantasmagórico deixando-a sozinha, algo o levara a fazer uma pausa naquele momento de terror.

Noutros tempos Margarida tinha vivido momentos felizes naquele local. «Ouro sobre azul», dizia-lhe Dinis, passeando de mão dada com ela naquela sala gigante forrada a azulejos de cor azul real que protegiam uma cuba enorme de cobre amarelado e brilhante. O Engenheiro adorava passear com a filha curiosa pela fábrica, explicando-lhe a magia que acontecia lá dentro na transformação de cereais em garrafas com bebida. Para uma criança era um mistério como o ser humano inventara tudo aquilo, e o pai um druida poderoso.

O antigo cheiro da maturação da cerveja era substituído agora pelo acre do seu sangue e odores fortes a abandono e degradação característicos de locais fantasma. Margarida tentou reter a imagem da sua infância na mente, agarrando-se a ela como a uma bóia de salvação. Dinis acenava-lhe, sorridente, e ela olhava-o a trabalhar, feliz.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

quinta-feira, 23 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 7 (2ª parte)



Nuno estacionou o jipe e decidiu ligar pela quinta vez a Margarida. Ela não atendia e ele desistiu de tentar denunciar a sua chegada, dirigindo-se a casa de Isabel.
A entrada do prédio estava escancarada, deviam andar a carregar coisas, matutou ele e entrou, deixando a porta naquela posição. Subiu ao primeiro andar e assim que viu o número 3, soou o alerta em todas as células do seu corpo. Lançou-se a correr desvairado para dentro do apartamento que estava aberto. A mala de Margarida estava caída na entrada, pegou nela e percorreu todas as divisões da casa, possuído por uma mistura de terror e raiva que espatifavam tudo por onde o gigante passava. Aquilo não podia estar a acontecer. A visão de Margarida a ser raptada, ou pior, morta, invadia-lhe a mente, levando-o à loucura.
Encontrou uma mulher deitada na cama e foi percorrido por um arrepio de medo ao vê-la tão quieta, aproximou-se e certificou-se de que estava viva. Deveria ser Isabel, raciocinava dificilmente Nuno. Ela dormia profundamente. Tinha sido drogada... Reagiu por instinto e chamou uma ambulância. Saiu enlouquecido do apartamento, sem saber o que fazer. Olhava para todo o lado, em busca de uma pista, um sinal, alguma testemunha do que se tinha passado, alguém que a tivesse visto.
Sentou-se nos calcanhares, com a cabeça entre as mãos, tentando recuperar alguma clareza de espírito. Se não fosse Ela, Margarida, a vítima, o que faria? Obrigava-se a pensar como polícia, mas a dor da impotência e o medo de a perder não deixavam a mente responder.
Entrou no carro, olhou a rua deserta e ligou o motor do jipe, e agora? O telefone tocou e os níveis de ansiedade aumentaram. Seria Ela?.... Era o irmão. Recusou a chamada e nesse instante teve uma ideia. Tinha de resultar! O filho da puta não a ia matar, prometeu a si mesmo.
Retribuiu a chamada a Jorge, que atendeu prontamente,
-Então pá?! Já te esqueceste outra vez do jantar? Estamos todos aqui à espera! – disse, animado com a ideia de conhecer a namorada do irmão.
- Jorge, preciso que autorizes a localização do telemóvel da Margarida! AGORA! Liga para o Jaime e dá-lhe o número dela, vou enviar-to por mensagem. Mas Já! – e desligou o telefonema enviando os dados por sms, ligando de volta para o escritório de Jaime, o colega das telecomunicações, que se demorou a atender, talvez já estivesse a caminho de casa… Depois de duas tentativas, ele atendeu.
- Jaime, sou eu, Nuno. Houve um rapto e possivelmente a vítima tem consigo um iphone. O Jorge vai enviar-te agora o número e preciso imediatamente da localização do aparelho, não desligues a chamada e vê no teu telemóvel se já recebeste. – naqueles momentos do tudo ou nada as conversas entre os inspetores eram reduzidas a factos e Nuno sabia dar ordens.
- Sim Nuno, já chegou. Tem calma pá, já estou à procura no sistema, mas sabes quem é que raptou a tua namorada? – Jorge já abrira a bocarra, pensou Nuno. Teria de se justificar mais tarde aos seus superiores por estar a passar por cima de procedimentos obrigatórios que deveriam dar início a uma investigação.
- Suspeito, só isso. – respirava com dificuldade e conduzia freneticamente mantendo-se em alerta para a qualquer momento se dirigir às coordenadas que Jaime lhe indicasse.
- Espera… esteve em movimento até há minutos. Agora parou por um bocado. Dirigiu-se a… Central de Cervejas? Mas aquilo está tudo abandonado… – Jaime teve um mau presságio, aquelas antigas fábricas abandonadas eram recorrentemente o palco de pequenos crimes que envolviam droga. Porque alguém levaria para ali a namorada de um PJ era mais estranho.
- Queres reforços? O Jorge quer saber para onde vais ser direcionado, e eu ia sair agora. Também posso lá ir dar uns socos? – tentou desanuviar Jaime.
- Não, este é só para mim. – e desligou o telefone.

Jaime não obedeceu, ligou a Jorge dando-lhe a direção e saiu a correr deixando os colegas de orelhas no ar com o cheiro de adrenalina explícito de que havia problemas.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

quarta-feira, 22 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 7 (1ª parte)



Não havia maneira de Nuno conseguir calar a sobrinha, que descrevia pormenorizadamente uma afronta pública que uma "Maria Qualquer" lhe tinha feito no intervalo da tarde. Perguntava-se como teria sido Margarida aos quinze anos. Duvidava que andasse envolvida em peixeiradas adolescentes, mas, se a provocassem, certamente que não iria para casa com desaforos.
Sofia batia as portas de casa desesperada por não encontrar «aquela blusa»! Sim, tinha toneladas de roupa, mas naquela noite só a blusa dos folhinhos é que lhe servia... Nuno girava de volta dela, tentando ajudar, mas só conseguia atrapalhar.
Finalmente conseguiu arrancar a sobrinha de casa e deixou-a no prédio de Ana, suspirando de alívio. Pegou no telefone, mas antes de fazer a chamada para Margarida, abriu o sms com a morada da sogrinha. Quem te viu e quem te vê, Nuno Santos, pensou ele contente com a sua nova condição de "enamorado".
Poisou o telefone e carregou no acelerador, tinha bastante curiosidade em conhecer Isabel.


Margarida recuperou os sentidos, continuava tudo escuro. Teria sido aquilo um sonho? Tentou recordar-se de tudo o que tinha acontecido. Lembrava-se de deixar Nuno à porta do liceu, ir a casa da mãe, de chamar por ela e o escuro... Entrou em parafuso com a ideia do que se teria passado com Isabel. Teria sido atacada também? A mãe era ainda mais frágil que ela, uma pessoa pacífica e doce. Deus não podia permitir que lhe fizessem mal… Tinha uma dor muito forte na nuca....
Ao aperceber-se de que tinha um pano em volta da cabeça e os membros superiores presos, o pânico voltou a apoderar-se da sua garganta, e as lágrimas caíram-lhe silenciosas pela face. Sentia-se balouçar de um lado para o outro, ia deitada, possivelmente num banco de um carro, mas para onde a levavam? O que tinha feito ela para que a tratassem daquela forma? - Os seus maiores pesadelos estavam a ser materializados, era perseguida por um estranho alto que a espiara e tentara entrar em sua casa na noite anterior, tinha sido raptada, encapuçada, amordaçada e estava de mãos atadas.
Ouvia um rádio a tocar baixinho e tentou não emitir qualquer som nem fazer nenhum movimento que denunciasse estar acordada. - O seu maior receio naquele momento era a dor física, estava em alerta total com medo de ser agredida, e pior de tudo, morrer com dor. - A garganta ameaçava um bloqueio iminente, mas esforçou-se por se manter calma. Nos livros, era assim que as vítimas se conseguiam manter vivas... pelo menos durante algumas horas. Sentiu o telefone no bolso de trás das calças e antes que este tocasse, como tinha as mãos atadas nas costas, procurou a patilha de silêncio do iphone e colocou-o mudo. Lembrou-se de que a tecnologia permitia localizar telefones modernos e isso foi o suficiente para a garganta relaxar uns centímetros, talvez ainda houvesse esperança…
O veículo parou de repente e depois de uns segundos, que lhe pareceram eternos, foi arrancada do carro com violência. Ela emitiu um som de súplica e ele cumprimentou-a.

- Ora viva! - seria aquela uma expressão de polícias? Nuno também se dirigia a ela da mesma forma… - Vamos lá então resolver isto, estou farto desta merda! - a voz estava carregada de ódio, Margarida sentiu-se a querer desmaiar. Só a ideia de Nuno a encontrar com vida a trouxera de volta à realidade. Tinha de aguentar. - Ajuda-me por favor...

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

terça-feira, 21 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 6 (5ª parte)


Nuno parou o jipe em frente ao liceu de Sofia, que ficava mesmo ao lado da casa dos dois, ainda faltavam alguns minutos para o toque de saída.
Margarida não estava nada confortável com a ideia de se impor a Sofia daquela forma. Tentou colocar-se no papel da miúda e decidiu que não lhe iria roubar a atenção do tio assim de repente, poderia ser um choque para ela ver outra mulher no jipe, sentada no seu lugar dianteiro.
- Tenho de ir levantar dinheiro ao multibanco e fazer uns pagamentos, podes apanhar-me daqui a meia hora em casa da minha mãe? É aqui perto, lembras-te?
- Não queria que fosses sozinha, a Sofia está quase a sair da escola. - disse ele desconfortável com a ideia de a deixar só. – Espera só mais um pouco.
- Não é preciso levares-me, é mesmo aqui em baixo. – argumentou - Para além de que a Sofia pode não ficar muito satisfeita de me ver aqui sem ser avisada. Prefiro assim. - e escreveu a morada da mãe no seu telemóvel e enviou-lha por sms. Beijou-o e despediu-se, saindo do jipe.
- Até já… - Nuno ficou angustiado, mas tinha de lhe dar razão, Sofia iria fazer uma cena de ciúmes e estragar o resto da noite com os seus amuos. Só mesmo outra mulher para prever as maluqueiras delas, constatou.
Ficou a vê-la afastar-se do jipe pelo espelho retrovisor, enquanto ela se encaminhava para o prédio onde havia o multibanco mais próximo, e tentou descontrair ligando o rádio. O tempo passava devagar e num impulso adolescente pegou no telefone e premiu a tecla "Margarida <3". Deu três toques e começava a ficar ansioso com a demora dela em atender quando Sofia entrou no jipe de rompante fechando a porta com demasiada força. Agradeceu nunca ter comprado nenhum carro frágil, certamente já teria ficado destruído com os acessos de fúria feminina da sobrinha.
Margarida dir-lhe-ia naquele momento para ele desligar a chamada e concentrar-se na miúda perturbada, ele obedeceu. Mesmo em pensamento aquela mulher era perspicaz!

Margarida pegou no telefone e adivinhou que ele teria desistido da chamada por causa da sobrinha e guardou o aparelho no bolso de trás das calças, atrapalhada com os milhentos papéis de multibanco que tentava guardar na carteira atafulhada de comprovativos de pagamentos bastante antigos. Tinha mesmo de fazer uma limpeza à mala, pensou.
Dirigiu-se para casa da mãe em passo apressado, com um nervoso miudinho de quem anda fugido à polícia e tentou não dar demasiada corda às suas paranóias. Se se deixasse enervar teria de parar pelo caminho para encontrar a bomba de asma na mala e tinha pouco tempo para estar com a mãe.

Tocou à campainha do prédio que foi prontamente aberta e subiu as escadas para o primeiro andar. A porta estava entreaberta e estranhou aquela atitude descuidada da mãe. Ela estava bem estranha, o que se teria passado? Entrou em casa um pouco receosa, quando foi invadida por um pânico que lhe gelou as veias.
- Mãe? - perguntou com a voz sumida.

Não viu mais nada, ficou tudo escuro e sentiu uma pancada forte na cabeça. Ia morrer - foi o seu último pensamento.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

segunda-feira, 20 de março de 2017

"Margarida, o Bom o e Mau Gigante" - Cap 6 (4ª parte)



Ficaram horas dentro do quarto impessoal da casa de férias, que ficou parcialmente irreconhecível.
Margarida estava deitada na cama de barriga para baixo, feliz. Nuno olhava-a deitado a seu lado, de cabeça apoiada numa das mãos. Com a outra percorria as costas dela, pensativo.
- Estás a pensar nos teus pais? - perguntou Margarida, receosa.
- Não - confessou ele - estava a pensar que tens uma pele demasiado macia - e levando a mão a uma nádega de Margarida, continuou a confissão - e que podia ficar horas a apalpar-te. É maravilhoso! - disse sorrindo divertido.
- Sinceramente! - exclamou ela fingindo desagrado, e lançando-se novamente nos braços dele. Aquele homem permitia-lhe ser ela própria, sem máscaras, e tinha uma sabedoria qualquer inexplicável de a fazer sentir-se bem. Comportava-se como se a conhecesse desde sempre, trazendo-lhe uma maravilhosa sensação de pertença que nunca pensou ser possível viver. Pela primeira vez na vida ela queria ser de alguém. Nuno tinha-a ganhado.

Estava na hora de voltar, Margarida precisava de resolver umas questões fisiológicas e tomar banho. Não sabia bem como se comportar, estava toda nua... Mas também, que mais havia para ver? Já tinha revelado tudo, em diferentes posições e perspetivas. O mistério da nudez da donzela já não existia. Ganhou coragem, levantou-se, procurou as suas roupas pelo quarto e dirigiu-se ao quarto de banho.
Nuno apreciava a cena de braços cruzados atrás da cabeça, esticado na cama, sorrindo orgulhoso, ela não sabia bem do quê…
- Dá-me 15 minutos de avanço e podes vir tu tomar banho, ok? - havia coisas que mesmo com ele não iria partilhar no terceiro dia, e talvez nunca na vida, não sabia bem.

Quando regressou ao quarto, já recomposta e a cheirar a "Abanderado", um gel de banho espanhol que era vendido em embalagens gigantes, ele estava ao telefone com Sofia.
- Sim, ok, tinha-me esquecido disso… Mas vamos claro, eu vou-te buscar à escola daqui a pouco. Deixo-te em casa da tia e depois vou lá ter, pode ser? Ah, vou levar companhia. - confessou ele à sobrinha. - Sim, é essa. Adeus! - e forçou a despedida para evitar ser bombardeado com mil perguntas sobre a nova namorada. As mulheres eram terrivelmente curiosas, constatou.
- Então, vais-me levar onde? Posso saber? Acho que andas a ficar muito mandão. - começou a arrumar a confusão do quarto como uma boa convidada.
- Os meus sobrinhos gémeos fazem hoje 14 anos, os filhos da Ana. Tinha-me esquecido completamente da festa de hoje à noite e a Sofia fica muito ofendida com as minhas falhas de calendário. Vamos lá jantar hoje e quero que vás comigo. - aquilo era uma estranha forma de convidar alguém para uma festa. Ela não tinha nada para fazer, nem combinações, mas podia ao menos ser questionada sobre as suas vontades... resolveu espernear um pouco para apimentar o momento, e dar-lhe uma lição educativa de como se tratava uma senhora.
- Não sei se tenho nada combinado, posso ligar-te mais logo a confirmar? - lançou ela em desafio.
- A menina esqueceu-se de que não torna a ficar sozinha em casa? - Dinis outra vez a acenar-lhe e a aparecer na sua mente. - Há um inspetor chefe da PJ a persegui-la e antes de eu o confrontar pessoalmente e lhe dar dois murros esclarecedores, não volta ao seu apartamento sem mim. - e deu-lhe um beijo na testa saindo do quarto em direção ao quarto de banho.
Margarida aceitou aqueles argumentos, minimamente válidos, e terminou a arrumação do espaço, pegando em seguida no telemóvel para ver se tinha alguma chamada perdida. Estranhou ver um sms da mãe, não era costume dela escrever em máquinas. Estaria ela finalmente a perceber o funcionamento da tecnologia? Sorriu e abriu a mensagem:

"Olá querida?
Quando voltas cá a casa?
Aparece hoje, fiz o teu bolo preferido!
Beijos
Mãe"

Ficou com remorsos ao ler a mensagem, esquecia-se frequentemente de que a mãe vivia demasiado só. Tinha de a ir ver antes do jantar, nem que fosse para lhe dar apenas um beijo.
Respondeu-lhe prontamente,

"Olá mãe,
vou aí antes de jantar! :)
Adoro-te!
Bjs
M"

- Ok, eu vou contigo conhecer a famelga toda, mas antes tenho de passar em casa da minha mãe. - gritou ela em direção ao quarto de banho.

- Que bom, queria mesmo conhecê-la! - gracejou Nuno respondendo de volta.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

sexta-feira, 17 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 6 (3ª parte)




O prédio era mesmo de frente para a praia e Margarida sentia borboletas na barriga ao subir as escadas de mão dada com aquele gigante que a encaminhava para a casa de férias. A certeza de saber o motivo porque iam para ali deixava-a nervosa e receosa de que não estivesse devidamente preparada para aquilo... Tentou relembrar-se rapidamente daqueles pormenores femininos tão importantes no momento em que as pessoas arrancam as roupas e estava quase certa de ter tudo em ordem.
Ele não abrandava minimamente o passo, o que previa algo de muito intenso. Margarida rezou para estar à altura daquele gigante, não literalmente, continuava ela nos seus devaneios, mas na competência. Já não se encontrava naquela situação há bastante tempo e receava estar esquecida. O facto de estar perdidamente apaixonada por ele não ajudava em nada na sua ansiedade. Apaixonada? - perguntou ela a si própria - Ah, ok, era bastante mais simples assim, ir fazer amor - ironizou, sentindo a barriga dar um nó. Quis fugir dali, mas Nuno tinha bastante força e estava determinado. Não havia saída, pensou, e não se perdoaria se desperdiçasse aquela oportunidade de felicidade carnal.
Entraram e ele fechou a porta, encostando-a logo à parede. Nem tinha tido tempo de respirar, bolas, que aquilo ia ser rápido demais, lamentou ela consigo própria.
- A porta está bem fechada? - questionou Margarida numa tentativa de ganhar tempo para pensar onde enfiar as mãos que atabalhoadamente se tornaram num estorvo no meio daquela ação toda. Também lhe fazia espécie imaginar que algum familiar pudesse entrar a qualquer momento pela casa a dentro. Não percebia como os homens podiam ficar tão embrenhados em algo, esquecendo-se de pormenores tão importantes, como trancar uma porta, fechar uma janela que dava para prédios vizinhos, etc.
- Hum? - Nuno não entendeu bem a pergunta.
- Podes trancar a porta? - disse ela envergonhada.
Ele recuperou a consciência por segundos, dirigiu-se à porta, rodou a chave e colocou o ferrolho.
- Assim está bem? - perguntou-lhe sorrindo, e rezando para que ela não tivesse mudado de ideias naquele momento.

Ela prendeu os braços em torno do pescoço dele sorrindo e ficou como um pêndulo enquanto ele a beijava novamente e caminhava em direção ao quarto, tateando as paredes para não esmurrar contra nenhum objeto do corredor. Aquela cena fê-la recordar Dinis, em quem se pendurava também na infância. Que hora tão errada para o pai lhe aparecer nos seus pensamentos. Maldito complexo de Édipo! Pediu licença e afastou-o da mente, aquele momento era do Nuno.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

quinta-feira, 16 de março de 2017

"Margarida, O Bom e o Mau Gigante" - Cap 6 (2ª parte)



Ficaram assim em silêncio durante algum tempo, admirando o mar que estava particularmente calmo naquele dia. Nuno poisou as mãos nos pés dela e exclamou chocado:
- Irra! Estás morta ou quê? Vamos embora. Tens de escaldar esses pés senão apanhas uma gripe! - e levantou-se puxando-a com força demais, desequilibrando-a. Amparou-a e abraçou-a de frente para si, trancando-lhe os braços que estavam escondidos debaixo do casaco gigante que lhe dava até aos joelhos.
Beijou-a com suavidade, sem pressas, para perceber se era aquilo que ela queria. Não tinha havido entre os dois um esclarecimento do que começavam a sentir, gostavam apenas de estar juntos, e iam-se permitindo explorar a intimidade de uma forma natural, uma forma de amar que Nuno nunca tinha vivido e que surgira sem que ele percebesse bem como.
Ela lutou para desembaraçar os braços, deixando o casaco cair na areia.
Beijaram-se com mais intensidade, com uma paixão inesperada, e deixaram-se levar, confirmando um ao outro o que sentiam secretamente desde o primeiro encontro.
Foram obrigados a parar por ali, era de dia e havia mais gente na praia. 
- Anda, vamos a minha casa. - informou ele peremptoriamente.
- Mas vamos voltar já para Coimbra? - Margarida estava curiosamente a gostar da praia da Figueira...
- Não. Não sabes que toda a gente chique de Coimbra tem casa na Figueira? - gozou ele.
- Ah, ok, afinal isto tudo foi um plano para me usares... - disse ela divertida.

- Não tinhas nada que me falar no topless! - apanhou o casaco do chão, embrulhou-a nele e pegou-lhe facilmente como se Margarida fosse um saco de babatas.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

quarta-feira, 15 de março de 2017

"Margarida,o Bom e o Mau Gigante" - Cap 6 (1ª parte)



- Vamos à praia? - perguntou Margarida desanimada ao perceber que o condutor se encaminhava para a Figueira da Foz.
- Sim, porquê? Não trouxeste o biquíni? - brincou Nuno.
- Nem no verão me apanhas despida na Figueira! Aquilo é um frio de rachar! - comentou ela, lamentando não ter pegado no casaco antes de sair do escritório, detestava sentir-se gelada.
- Não te preocupes, hoje não vamos nadar. Apetece-me sentar na areia e ver os barcos a passar. - disse sorrindo na sua direção.
- Aviso-te já que não faço topless, se era nisso que estavas a pensar. – ameaçou brincando.
Nuno adorava aquele sentido de humor e deixou-se ficar em silêncio durante o resto da viagem com a imagem dela em topless na cabeça.
Margarida notou que ele sorria e suspeitava os motivos da alegria, afinal, os homens reagiam sempre de forma igual à palavra topless. Estupidamente contente com aquela ideia, relaxou, baixando um pouco o banco do jipe e descontraiu as pernas colocando-as esticadas no tablier.
Dormitou um pouco até sentir o motor desligar e retomando os sentidos, olhou em volta admirando o local.
- Ora Viva! Isso é que é dormir! Podias ter-me avisado que ressonavas, apanhei um susto a pensar que o carro estava com algum problema no escape! - disse ele com gozo.
- Engraçadinho... - ela achava-lhe bastante graça, para ser sincera, mas não podia confessar. Nunca admitiria a ninguém metade das graçolas que já ouvira naqueles três dias em que Nuno aparecera na sua vida. Mas ele não era Alguém, constatou admirada consigo mesma.
Saiu do jipe, seguindo Nuno que se descalçava no passeio para se embrenhar na areia fria daquela praia maldita. Relutantemente imitou-o e mandou os sapatos para dentro do veículo, pouco convencida de que queria congelar os pés.
           Caminharam no areal que parecia não ter fim, abraçados daquela forma apertada que lhe mantinha minimamente a temperatura natural do corpo. Só os loucos é que pagavam para passar férias num local assim, pensava Margarida distraída. Nuno tirou o casaco e colocou-o nas costas dela receando que a frágil rapariga adoecesse. Sentaram-se virados para o mar, com Nuno por trás dela a fazer de para-vento, abraçando-a na totalidade, numa atitude protetora que ela agradeceu, inclinando a cabeça e dando-lhe um beijo na cara. Não lhe apetecia conversar. Aquele momento de intimidade em que pareciam uma concha fechada era demasiado perfeito para ser corrompido com frivolidades, pensou ela.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)


terça-feira, 14 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 5 (7ª parte)



Nuno demorou-se a recuperar do choque e mantinha-se sentado na cadeira de Margarida a girar maquinalmente de um lado para o outro, numa atitude autista, completamente perdido nos seus pensamentos. Ela não podia deixar de se sentir culpada pela preocupação que o seu gigante carregava nos ombros, e decidiu que já tinham estado tempo suficiente naquela câmara de horrores.
- Vamos comer qualquer coisa, ou dar uma volta, apetecia-me andar de carro e esquecer um pouco isto tudo, pode ser? - e esticou a mão ao seu parceiro angustiado, que precisava bem mais que ela de sair dali.
Nuno estendeu a sua mão e deixou-se levantar, obedecendo agradecido.
- Posso escolher eu o destino? - questionou ele ligeiramente mais animado.
- Claro, tudo o que quiseres. - e Nuno sorriu saindo atrás dela. Assim que Margarida trancou a porta e prendeu uma vez mais os problemas naquela jaula hermética, ele olhou-a e disse em tom provocador.
- Tudo? - e piscou-lhe o olho colocando o braço em volta dos seus ombros.
- Mas não abuses!

Saíram abraçados do prédio, e Margarida reparou que os dois encaixavam corretamente quando estavam naquela posição, o ombro dela era como uma peça de puzzle que cabia exatamente naquele espaço por baixo do braço forte do gigante. Encostou a cabeça nele e aquele gesto carinhoso apagou quase na totalidade a tristeza do coração de Nuno. Teria de agradecer à cunhada um dia mais tarde, encontrara a peça que faltava na sua vida.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

segunda-feira, 13 de março de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 5 (6ª parte)


Ganhou coragem e questionou-o.
- Os teus pais eram felizes? - olhou-o carinhosamente.
- Ham? - foi arrancado do seu transe e demorou a responder - Sim, acho que sim. Eu não tenho muitas recordações dos meus pais como casal, era muito pequeno, mas a memória visual que tenho das fotos da época mostram cumplicidade. Estão quase sempre sorridentes, com filhos, deviam ser felizes, não? - Nuno pegou no telefone e ligou para Jorge, o irmão mais velho que, dos três, era quem partilhara mais tempo com a mãe e o pai. Nuno ressentia-se desse privilégio concedido a Jorge e durante vários anos invejara-o secretamente por isso.
Jorge atendeu energicamente, andava preocupado com o irmão mais novo desde que este se retirara do serviço por tempo indeterminado. Na PJ todos sabiam que andava novamente obcecado com as mortes da família e há três dias que não atendia o telefone a ninguém para além de Sofia. Ana tranquilizara-o de que Nuno estava bem e tinha uma excitação estranha na voz quando mencionava que o cunhado andava ocupado com outros afazeres. Por mais que Jorge a pressionasse, a mulher não se abalava com as suas técnicas policiais de intimidação e mandava-o à fava deixando-o na ignorância. Era mais fácil arrancar um crime de um suspeito que fazê-la contar segredos.
- Nuno! Então pá, o que é que andas a fazer? - rugiu Jorge preocupado.
- Olá Jorge, o mesmo de sempre. Ouve, estou aqui com uma dúvida. Preciso que me respondas a uma coisa.
- Se é outra vez sobre os sites pornográficos com vírus, já te expliquei que essa merda não é para abrir! Se queres ação arranja uma gaja pá! - Jorge adorava ser indiscreto, e quanto mais audível fossem as suas palermices, melhor!
- Deixa de ser parvo, o assunto é sério! - explodiu Nuno sem paciência para as piadas do irmão.
- Ok paneleiro, se não gostas de mulheres o problema é teu, não sabes o que perdes. - ria-se satisfeito por humilhar o irmão com a plateia masculina da sala de convívio da PJ a regozijar com a conversa.
- O pai e a mãe eram felizes? - perguntou Nuno ignorando o sentido de humor de Jorge.
- Ham? Que raio de pergunta é essa agora? - e afastou-se dos colegas caminhando para um local mais privado. Estava cada vez mais preocupado com Nuno, o miúdo não largava aquele assunto.
- Quero saber se te lembras de os ver felizes, tu sabes... se pareciam ser apaixonados. - explicou Nuno.
- Sei lá pá, acho que sim. Mas de onde vem isso agora? - Jorge gostava de poder tirar aqueles fantasmas de cima do irmão mais novo. Preocupava-o ele não arranjar uma mulher e viver apenas para Sofia, como se ela fosse sua responsabilidade. Um dia ela ia à sua vida e ele ia ficar sozinho.
- Encontrei uma pista sobre a morte dos pais e preciso de saber se eles tinham amantes, ou davam sinais disso. A Margarida reconheceu um tipo que foi paciente da mãe no hospital e o gajo tem tido umas atitudes estranhas.
- Margarida? - Jorge retomou a alegria de gozar com o caçula - É a tua nova amiga? - escarneceu - É boa? Tira-lhe uma foto em cuecas e manda-me! - brincou ele.
- Vai à Merda! - e desligou o telefone furioso. Conversar com o irmão mais velho era exasperante.
- Não te esqueças de que hoje os gémeos fazem anos... - Nuno já tinha desligado. Ficou a olhar o telefone surpreendido, o irmão nunca se tinha negado a partilhar com ele pormenores sórdidos sobre as boazonas que comia.
- Esquece, com o Jorge não dá para conversar nada sério. - disse frustrado - Ele viveu mais tempo com os nossos pais, pensei que talvez tivesse alguma memória que nos pudesse ajudar.
- Hum... Mas afinal ele respondeu alguma coisa de concreto? - questionou Margarida que imaginava o teor dos comentários de Jorge pelo ar enfurecido de Nuno.

- Acha que sim, que eram felizes.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)