quarta-feira, 10 de maio de 2017

"Safara" - Um conto Alentejano - Cap 1 (1ª parte)


- Quando é que tencionavas contar-me? – Rui estava furioso. A namorada tinha o péssimo hábito de fazer as coisas nas suas costas, passando por cima de tudo e todos, sem se questionar se estava correto ou não. Aquilo lá era forma de contar que se ia embora por quatro anos!!
- Desculpa, só recebi a confirmação ontem. Sabes que sempre quis ter o meu próprio consultório! É uma oportunidade única Rui!! – Teresa não percebia qual era o problema dele, não lhe ligava patavina há meses, agora de repente armava-se em ofendido…
- Claro, e eu sou o último a saber! – a vergonha de ter ficado com cara de parvo no jantar, que percebeu depois, ser uma festa de despedida, em frente a todos os amigos, deixava-o perdido de raiva.
- Se passasses mais tempo comigo não te espantavas tanto com os factos da minha vida que desconheces! – berrou Teresa. Estava a ficar saturada daquele piegas pomposo, sempre com cobranças e sem dar nada em troca. Era um perfeito egoísta, um egocêntrico. Pegou nas chaves do carro, saiu e bateu a porta com toda a força que tinha. Precisava de sair dali, já não lhe podia olhar para a cara.
Teresa sabia que não tinha sido propriamente delicada na forma como o informou da sua partida, mas o desprezo constante daquele namorado obrigava-a a nunca partilhar nada com ele em primeira mão. Se era para falar para o telefone, então ele que arranjasse uma telefonista, pensava ela enfurecida.
No dia seguinte ia pessoalmente dar-lhe uma notícia ainda mais fresca, Finito!



Não tinha sido fácil tomar aquela decisão, mudar-se para longe, para um local onde não conhecia ninguém. A avó nascera naquela Vila, ainda lá tinham uma casinha pequena, que Teresa ocuparia enquanto lá estivesse a trabalhar, mas ninguém os conhecia, os descendentes da Maria. Uma jovem corajosa que deixara a terra, a família, e partira para Lisboa, em busca do seu futuro. Tal como ela, pensava com ironia, só que Teresa fugia do seu futuro. O namoro frio e impessoal que Rui lhe impunha era desgastante, frustrante, e não fazia tenções de acabar casada com um respeitável senhor Doutor médico que a iria trair com todas as enfermeiras que conseguisse, concluía. Já tinha visto esse filme em casa, recusava-se a ser a protagonista da sequela. Quando recebeu o e-mail a confirmar a vaga num centro de saúde do Alentejo profundo não pensou duas vezes, pegou no telefone e ligou para a melhor amiga, suplicando-lhe que a obrigasse a ir. Não era tão corajosa como queria fazer parecer, e lamentaria toda a vida o seu infortúnio, se não desse aquele passo. Rosário berrara-lhe do outro lado, ameaçando-a de todos os horrores possíveis e imaginários, se não respondesse afirmativamente à oferta de emprego. Respirou fundo, carregou no botão “enviar” e chorou durante horas agarrada à almofada. Toda uma vida rodeada de milhares de pessoas, adrenalina, festas, amigos, espetáculos, lojas, praia, comida chinesa… tudo iria desaparecer durante quatro anos. Tentou animar-se com a perspetiva de que o contrato não era para toda a vida, afinal não ia para o corredor da morte, dizia a si mesma, eram só quatro anos na solitária… Depois tornaria a ver a luz, teria a sua liberdade de novo.

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"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Final (parte 2)



Não entendia porque a chuva tinha de estar presente em todos os funerais a que tinha assistido. Quando Dinis se foi, ficara horas encharcada a olhar o monte de terra revolvida que sepultava o seu primeiro grande amor. A água lavara as lágrimas do seu rosto, mas nunca conseguiu tirar a mágoa profunda do peito.
            Nuno fitava a última morada de Álvaro sem emoção, dividido entre o alívio de ver um louco assassino enterrado, e a dor de ter descoberto que o chefe era o seu pai verdadeiro, e não Afonso. Havia algo de muito irónico naquilo tudo. Vivera desde os cinco anos sem pais, sentindo-se abandonado, quando descobre que afinal não era órfão, tem de o matar.
       - Nuno, vamos? – Margarida suspeitava que ele se revolvia com pensamentos tristes, e estava na hora de colocar uma pedra em cima daquilo tudo.
            - Sim, vamos. – disse conformado.

            Encaminharam-se calmamente para o carro, que Nuno odiava conduzir. Desde que destruíra o jipe tinham de se deslocar no carro dela, e os joelhos mal cabiam entre o banco e o volante, provocando risos em Margarida que suplicava que ele a deixasse conduzir.
            - Então? Como te sentes? – perguntou Margarida preocupada.
            - Com vontade de dar um passeio. – respondeu enigmaticamente.
            - Ok, posso guiar eu? – ainda tinha esperança que ele cedesse uma vez que fosse.
            - Podes, desde que não confundas mais uma vez a primeira com a marcha-atrás! – gozou ele com a pouca aptidão de Margarida em utilizar a caixa de velocidades.
            - Engraçadinho… - esforçava-se por não rir alto, um cemitério era um local pouco próprio para risadas, pensava ela.




            Margarida acordou com uma forte dor abdominal que a fez soar o alerta vermelho e despertar imediatamente.
            - Acorda!! – berrou, provocando um salto automático em Nuno que estava ferrado, abraçado a ela.
            - É agora? – esperava há meses por aquele momento, ansioso por ver a carinha dele ou dela… Durante toda a gravidez Margarida não quis saber se era menina ou menino, por um motivo misterioso que ninguém compreendia.
            - Ai meu Deus, é bom que tenhas tirado muitas fotos minhas para depois mostrares ao bebé! Se isto for mais doloroso ainda vou pedir aos céus que me levem!! – gritava ela descontrolada, aterrorizada com o momento do parto.
            - Ah ah, medricas! – Nuno adorava aquele sentido de humor, mas pelo sim pelo não, benzeu-se de costas para ela, Deus não podia levá-la a sério, aquilo era só medo!

            Entraram apressados pelas urgências da maternidade, e Margarida fizera toda a viagem zangada com ele, enumerando todas as ocasiões em que lhe tentara explicar que a mãe Natureza também cometia enganos, ela não era fisicamente apta para parir, tinha a certeza absoluta! Nuno conduzia sorridente, como se não a ouvisse e dava-lhe beijos ocasionais na mão que gesticulava nervosa.
            - Vou ter contigo à sala de partos! Amo-te! – Nuno acenou adeus e correu em direção à entrada dos pais, que já tinham visitado, numa das últimas consultas com a obstetra que teimara em mostrar a sala da “tortura” (como Margarida definira) como passeio pedagógico.
            - É bom que sim! Era só o que faltava, abandonares-me agora! – berrou ela furiosa, levando as enfermeiras a um ataque de riso.

            - Anda lá! Está quase! – Nuno induzia Margarida a esforçar-se mais um pouco, agora que já via a cabeça do bebé a aparecer. Espreitou mais uma vez e aquela imagem ensanguentada revolveu-lhe o estômago. Precisava vomitar, via tudo branco, e quando deu por si, estava deitado numa maca num quarto ao lado que se encontrava vazio.
            - Porra! Nunca mais me perdoa… - temeu, recompondo-se e procurando pela sala de partos onde Margarida tinha ficado sozinha.
            - É aqui senhor inspetor! – uma enfermeira chamava-o sorridente.
            - Querida? – disse receoso antes de entrar, colocando apenas a cabeça dentro da sala.
            - Já estás melhorzinho? – rosnou ela, olhando-o com ironia.
            - Desculpa, senti-me mal… - confessou. – Então? Onde está o bebé? – a ansiedade saía-lhe por todos os poros.
            - Aqui está! – a enfermeira dirigia-se ao casal com um pequeno embrulho.
            Nuno esticou os braços, nervoso, chegara o momento. Um filho.
            - Não! – gritou Margarida – Não lhe dê a bebé! Ele vai torcer-lhe o pescoço! – soltou, esperara vários meses por aquela vingança!
            - Credo! – a enfermeira estacou, sem perceber se aquilo era a sério ou se apenas uma brincadeira, de muito mau gosto.
            - É uma menina? – disse ele exultante.
            - Sim, mas livra-te de a magoares! – respondeu Margarida, satisfeita.
            A enfermeira olhava-a assustada, sem saber o que fazer, esperando uma ordem da mãe.
            - Ó por favor, dê-me lá a miúda! Não vê que a mãe está a brincar? – Nuno queria pegar-lhe e cheirá-la.
            - Tem a certeza? – perguntou a enfermeira a Margarida, segurando firmemente a bebé.
            - Margarida! Diz-lhe que estavas a brincar! – Nuno suplicava para que ela acabasse com a sua ansiedade. Até num momento daqueles a mulher era difícil!
            - Tudo bem, senhora enfermeira. – já tinha prolongado a piada tempo suficiente.
            Nuno pegou gentilmente na bebé, ficando extraordinariamente grande com aquele pequeno embrulho no colo.
            - Acho que se devia chamar Manuela. – disse Margarida.

            - Sim, acho que tem cara disso. – baixou-se, colocando a bebé junto da mãe, e beijou as duas.

FIM
Verão 2014

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terça-feira, 9 de maio de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Final (parte 1)

Final




            Jaime observava os trabalhos dos Bombeiros, o fogo estava quase extinto. Escorria uma água negra por toda a estrada, que simbolizava na perfeição o que sentia desde o momento em que vira a explosão, dor, escuridão, vazio. O esqueleto do jipe denunciava que Nuno tinha lutado, não havia um pedaço de ferro direito. Tentou recriar a cena, distraindo o coração do facto de naquele dia a vítima ser um amigo. Os dois polícias tinham entrado na ponte pela margem norte, embateram nos rails quase até ao outro lado, fizeram um pião, tornaram a percorrer a plataforma encostados aos separadores e explodiram. Os outros pormenores seriam encontrados, assim que a polícia pudesse chegar perto do jipe. Jaime teria de o fazer também, tinha caminhado até meio da distância que o separava do fogo, mas as pernas estavam presas, não colaboravam. Temia a certeza do fim, teria de anunciar a desgraça aos familiares, seria o porta-voz da morte de Nuno. Engoliu em seco, deu um passo em frente, estacou novamente.


            - Ana… isto não pode estar a acontecer, não outra vez… - gemia Jorge, perdido no desespero.
            A mulher não fora capaz de verbalizar; dedicara as poucas forças a abraça-lo, amparando-lhe a dor. Havia momentos na vida em que tudo o que pudesse ser dito, era heresia.
            Tinham deitado Margarida no quarto principal da casa, deixando-a recuperar do desmaio, evitando por alguns momentos o pesadelo de partilhar aquela notícia lúgubre. As crianças da casa estavam remetidas à sala, onde esperavam impacientes por algum adulto que lhes explicasse o que se estava a passar. O silêncio do apartamento era um mau presságio, pensavam angustiadas.
            - É preciso ter a certeza do que se passou… - choramingou Ana, ganhando forças para dominar a situação de forma prática – não vamos dizer que … ele morreu sem que o Jaime nos telefone. – concluiu.
            - Eu ouvi Ana, aquilo explodiu! – vociferou descontrolado – Que raio é que tu achas que aconteceu? Um Milagre?? – Jorge dirigia a raiva para a pessoa que sabia que nunca o abandonaria.
            - Proíbo-te de abrires a boca antes de ele telefonar! – Ana enfrentava-o, temia a reação de Margarida, era necessário algum bom senso naquele momento dramático, e o marido seria brutal, sem piedade.
            - Proíbe-o de dizer o quê? – Margarida olhava-os, receosa de alguma má notícia. Esperava abrir os olhos e vê-lo, como acontecera noutras ocasiões, mas estava só no quarto.
            - Querida, já acordaste? Como te sentes? – Ana dirigia a conversa para outro tema, tentando ganhar tempo.
            - Estou bem, acho… mas o que se passou? Onde está o Nuno? Encontraram-nos? – O nervosismo atacava-lhe todos os poros do seu corpo, fazendo-a suar.
         - Margarida, o Nuno… - Jorge queria acabar com aquele suspense, as palavras queriam sair, libertando-o daquele segredo horrível.
       - O Nuno quer casar contigo. Aceitas? – a voz de Nuno surgiu inesperadamente, deixando-os a todos petrificados quando o viram entrar na divisão, ensanguentado, roto e negro.
            - Filho da mãe!!! Está vivo!! – Jorge gritou avançando na direção do irmão, em êxtase.
            - Mas porque carga de água é que havia de estar morto? – brincou – Não é uma explosãozita que me mata! – tentava libertar-se do irmão que o abraçava como uma lapa.
            Ana sentou-se com violência na cadeira mais próxima, empalidecida, em choque, eram emoções a mais para uma mulher a entrar na menopausa, pensava aliviada.
            - Podes largar-me?? – Nuno debatia-se com os braços grossos e fortes de Jorge.
            Margarida olhava-o, de pé, sem se mexer, em transe. Explosão? Morte? Estava vivo? Casamento? Via luzinhas a querer anunciar mais um desmaio, mantinha-se forte para não cair.
            - Filho da mãe!!! – berrava Jorge no seu desvario de alegria, enquanto largava Nuno relutantemente. Não se apercebera das intenções do irmão, nem ouvira o pedido de casamento tão pouco, só o vira ali, vivo, e mais nada.
            - E então? Aceitas? – Nuno colocou-se diante de Margarida, que o fitava de cabeça erguida para conseguir chegar ao nível dos seus olhos.
            - Aceito o quê? – estava aparvalhada, tal como Jorge.
            - Aceitas casar comigo? – Nuno deu-lhe as mãos – Não digas que não, olha que eu sou um ótimo partido! – brincou.

            - Casar? – continuava em choque, com a cabeça a girar, não podia perder os sentidos naquele momento, suplicava a si mesma. – Sim.

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segunda-feira, 8 de maio de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 14 (5ª parte)




À porta do Pub os curiosos observavam a cena, incrédulos, aquela mulher tinha agredido outra ali mesmo, e afastava-se calmamente, com cara de poucos amigos. Discutiam se deveriam chamar a polícia, a rapariga estava inconsciente, mas viva. Tinha sido um soco eficaz.
Jorge, que chegara naquele momento ao Pub, travou bruscamente o carro ao vê-la a caminhar, sem destino.
- Margarida! – estava aliviado por ter encontrado um dos dois vivos. – Entra! O que se passou? Onde estão o Jaime e o Nuno? – ela não falava, parecia sonâmbula. – Por favor, fala comigo! Para onde foram eles? – insistia.
- Não sei… - as palavras saíam sem força enquanto se arrastava para dentro do carro – Não sei,…. Jipe...Nuno. – perdeu os sentidos e desmaiou.
- Merda! – gritou Jorge. Precisava de encontrar o jipe do irmão, telefonou ao Jaime que atendeu no mesmo instante.
- Jorge! Deixei a Margarida com a Catarina, estou a percorrer a cidade a ver se os encontro. – relatou rapidamente o polícia.
- A Margarida está aqui comigo. Desmaiou-me no carro. Acho que estava em choque. Onde estás? – precisava saber em que locais o colega já tinha passado. Iria procurar em zonas diferentes.
- Estou na zona Norte da cidade. Vou para Oeste.
- Ok, vou para Sul. – desligou e acelerou, tentando deitar um olho a Margarida ao mesmo tempo que procurava um jipe branco.


- Vais morrer hoje, tens noção disso? – Nuno tomava o controlo da situação, deixando Álvaro em pânico, surpreendido pela falta de amor à vida que o filho demonstrava.
- Vais matar o teu próprio pai? – gritou – Já não tens família nenhuma viva e vais matar o único que te resta? – questionou aterrorizado.
- Tenho família sim senhor! – berrou Nuno. – E teria toda se não fosses um assassino! – explodiu batendo com o jipe contra os rails uma vez mais.
- Então morremos os dois! – gritou Álvaro descontrolado, tirando do bolso um objeto pequeno com um botão.
Nuno percebeu o que Álvaro tencionava fazer, ia explodi-los ali no jipe. Tentou raciocinar, não queria morrer. Tinha ainda tanto para viver com Margarida, queria filhos, ver Sofia casar, ser feliz. Aquele homem não merecia o seu sacrifício. Uma ideia atingiu-o como um raio. Funcionaria, se Deus quisesse. Acelerou mais, abriu a porta e lançou-se. O Jipe explodiu segundos depois.


- Nãaaaooo! – Jaime via o jipe em chamas, ao fundo da ponte. Ouvira a explosão quando entrou na plataforma que ligava as duas margens de Coimbra. - Não pode ser! – gritou em choque, parando o carro. Não conseguia chegar perto o suficiente, não queria ver Nuno lá dentro, morto.
Jorge ligava-lhe insistentemente, não conseguia atender, não tinha coragem, o que lhe ia dizer?
- Estou…. – Jaime esforçou-se para falar.
- Que estrondo foi esse? – Jorge sentia o estômago a apertar-se de medo.
- O jipe… explodiu. – Duas lágrimas caíram-lhe no mesmo momento. Aquilo era um pesadelo.
Jorge largou o telefone, mais um, Nuno… o coração esvaziou-se e secou.

Margarida continuava caída no banco, inconsciente de tudo, deu meia volta e dirigiu-se para casa. Precisava de ver Ana, abraçá-la e chorar.

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sexta-feira, 5 de maio de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 14 (4ª parte)



- Dirige-te ao aeródromo, por favor. – ordenou.
Álvaro apontava uma arma a Nuno, que conduzia encaminhando-se para a ponte, demasiado rápido, com a adrenalina no máximo, sem ver metade do caminho, apenas pensando no que Álvaro teria para revelar sobre Margarida.
- Fala cabrão! – não tinha medo de levar um tiro, só queria que ele dissesse o que se passava com Margarida. Não entendera ainda a obsessão do chefe por ela, porque a tentara matar. Rezava interiormente para que fosse simplesmente louco.
- Cabrão? Isso são maneiras de falar com o teu pai? – escarneceu Álvaro, a vibrar com a revelação por que esperara tantos anos.
- Pai? – perguntou espantado, o homem era alucinado – Ainda está mais louco do que eu pensei. Se isto é uma tentativa de não pagares pelo teu crime, esquece, não vais chegar ao julgamento, te garanto. – e acelerou a fundo.
Álvaro ficou receoso de se estamparem antes de ele terminar o que tinha pensado. Tentou colocar o cinto, mas o fecho estava perro. Precisava de utilizar as duas mãos para fazer força, mas teria de pousar a arma, pensou ansioso  – Prende-me o cinto! – ordenou a Nuno.
Nuno obedeceu e aproveitou a oportunidade de conseguir chegar perto dele e da arma. Deu-lhe um soco e guinou o volante ao mesmo tempo, na direção dos rails. Com o jipe em andamento, e preso contra os ferros da ponte que atravessavam a alta velocidade, esmurrou Álvaro, que largou a arma no chão e se defendeu, batendo em Nuno com fúria.
- Para! – berrou Álvaro desesperado com a atitude suicida de Nuno. – Sou teu pai, sim! A tua mãe traiu o teu pai, para se vingar dele e usou-me! Era uma mentirosa, enganou toda a gente e nunca me deixou dizer a ninguém que eras meu filho.
Nuno parou a agressão, tresloucado e fez um pião com o jipe, colocando-o novamente em alta velocidade, mas em contra-mão. Os carros desviavam-se, surpresos com aquela condução lunática, apitando sonoramente. Nuno não conseguia verbalizar nada, apenas expulsava a raiva em movimentos.
- Tens de acreditar em mim! – gritava Álvaro. – Só os matei porque ela não queria que fosses meu, mas eras! – uivou furioso. – Tive de os matar, compreendes? A todos!
Nuno abrandou a marcha do jipe, em transe, ouvira bem? O doido confessara que tinha morto a sua família… Ia matá-lo, ali mesmo, prometeu a si mesmo.


Margarida entrou a correr no Pub e não os viu…. Chegara tarde demais, pensou em pânico. Perguntou ao funcionário por Nuno, mas ele tinha saído à meia hora, e tinha-se esquecido do telefone na mesa.
Recebeu o aparelho, completamente perdida, sem hipótese de o localizar, como ele fizera com ela. Quem é que o salvaria agora?...
Encaminhou-se para a porta, sem conseguir pensar no que fazer a seguir, quando ouviu gritos perto da esquina. Sobressaltou-se e correu até lá, com o coração a sair-lhe da boca.
- Diz, filha da mãe! Para onde o levou ele? – Jaime agarrava Catarina pelos cabelos, completamente histérica a chorar.
- Mas o que é que esta tipa está aqui a fazer? – Margarida não queria acreditar que ela estivesse envolvida no desaparecimento de Nuno.
- Ajuda-me, por favor, Margarida! – implorou ela – Não sei de nada. Eu só tinha ordens para esperar por ti! – confessou aterrorizada.
- Deixa-a Jaime. Ela é só um monte se esterco. – Margarida queria matá-la, mas não tinha forças.
- O Álvaro levou-o no jipe. Vou tentar encontra-los. – Jaime saiu disparado, deixando Catarina caída de joelhos, a chorar desesperada, sob o olhar gélido de Margarida.
- Juro que não sei de nada. – choramingou, levantando-se com dificuldade. – O Álvaro queria apanhar-te a ti, não sei porque levou o Nuno.  Aquela referência a Nuno soou demasiado íntima a Margarida, que se retesou enraivecida por ouvir o nome do seu gigante naquela boca suja. – Cala a boca. – avisou-a, perdendo as estribeiras.
- Se ele lhe fizer mal não sei o que faço. Vamos procura-los, por favor. Ele não o pode matar! – suplicou histérica.

Margarida deixou de ver. Aquela mulher queria ir com ela procurar o seu gigante? Caminhou até ela, cega de ódio, e deu-lhe um soco violento na cara, materializando tudo aquilo que sentia por Catarina, que caiu redonda, inanimada. Finalmente calara-se, pensou Margarida.

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"A Mala Vermelha" - Marta, João e Filipe, o cão

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quinta-feira, 4 de maio de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 14 (3ª parte)



Jaime parara no café próximo para comprar cigarros, antes de entrar no carro, quando viu Álvaro passar. - Foda-se! Eu sabia que havia esturro! – correu em direção ao Pub, que ficava ainda longe, temendo já não chegar a tempo de salvar um ou o outro, haveria mortes naquela noite, pensou angustiado.

Nuno pegou no telefone e ligou para Margarida. Como poderia ter sido tão parvo? Precisava de a avisar de que ia já para casa, tinha-a evitado o dia todo e devia-lhe uma explicação, bem como mais um pedido de perdão de joelhos.
- Sim? – Margarida estava ansiosa com a demora de Nuno, ele estava muito misterioso e normalmente não era bom sinal.
- Olá. Desculpa não estar aí com vocês, precisava de vir resolver um assunto com o Jaime. Logo explico-te. Estive com ele aqui no Pub e já vou pagar para ir embora. – Nuno estava envergonhado e precisava de a ver. – Mas… que Merda é esta? – sobressaltou-se ao levantar a cabeça e ver Álvaro, de pé, a olhá-lo de forma intensa. – Álvaro? – desligou o telefone, encarando-o furioso. Álvaro sentou-se calmamente.
- Álvaro?? – gritou histérica, fechando a boca com a mão, com medo que a ouvissem.
Por sorte tinha-se retirado para a varanda para atender o telefonema e ninguém dera por nada. Começou a tremer, o medo invadia-lhe o sistema nervoso. O doido estava com ele no Pub? Tinha de fazer alguma coisa. Não o iria raptar, com certeza, não teria força para o fazer, e talvez Jaime ainda estivesse lá também. Mas, e se Álvaro decidisse contar a Nuno que era seu pai?, o seu gigante precisava dela, mais que nunca, não aguentaria aquela verdade assim de chofre. Saiu da varanda e disse a Ana que Nuno lhe ligara a pedir que fosse ter com ele ao carro. Tinham uma prenda surpresa para Sofia. Ana não ficou convencida com aquela desculpa, perguntou-lhe se era mesmo isso que se estava a passar, já tinha notado que entre os dois havia um ambiente estranho. Margarida descansou-a, libertando-se o mais rápido possível. Era urgente chegar ao Pub.


- Preciso ter uma conversa muito séria contigo Nuno. – disse Álvaro calmamente.
- Conversa?, Filho da Mãe! Estás louco. Estou a controlar-me para não te matar agora mesmo. – rugiu Nuno apertando a mesa.
- Vamos, por favor. Tenho de te falar sobre a Margarida, ela corre perigo, e eu não sou o culpado. – mentiu, utilizando o único meio de conseguir sair dali vivo e levar Nuno com ele.
Nuno obedeceu, levantou-se e caminhou em transe para fora do Pub, sem perceber que deixara o telefone em cima da mesa.
Saíram e Álvaro encaminhou-os para o jipe de Nuno.
Passaram por Catarina, que olhava os dois, apavorada. Algo de muito grave se estava a passar entre pai e filho, pensou assustada.
Álvaro sentou-se no lugar do pendura. Precisava que Nuno conduzisse.


- Estou? Jorge? Onde estás? Onde está a Margarida? – Jaime berrava descontrolado, a correr em direção ao Pub.
- O que se passa? A Margarida saiu, disse que ia ter com o Nuno ao carro. Mas que merda é que se passa? – Jorge ficou com o sangue gelado. Ia acontecer outra vez.

- Estive com o Nuno no Pub aqui ao pé de casa dele, vim embora e quando estava a chegar ao carro vi o Álvaro a passar. A Margarida não está aí? Merda. Telefona-lhe e diz-lhe para voltar para casa. Estou a ir para o Pub. – Jaime lamentava a sua mania estúpida de querer estacionar o carro novo em sítios seguros, com medo que lhe arrancassem um espelho se o deixasse à beira da estrada. - Merda.

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quarta-feira, 3 de maio de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 14 (2ª parte)



Jaime surpreendeu-se ao entrar no Pub e ver Catarina ao balcão, animada com outras mulheres. Dirigiu-se a ela, curioso por saber se Margarida também a convocara para aquele encontro tardio.
Catarina sobressaltou-se ao vê-lo ali e ficou aflita por ter sido apanhada desprevenida. Inventou uma desculpa esfarrapada e saiu, fugindo apressada com o pânico de dar de caras com Margarida, que pelos vistos, iria encontrar-se com ele ali daqui a pouco. Caminhava nervosa, de telefone na mão, precisava de informar Álvaro daquele contratempo, quando viu o jipe de Nuno a estacionar em frente do Pub. Que estranho, pensou, talvez fosse melhor espreitar o que estava a acontecer. Se Margarida tinha combinado um encontro com Jaime, e Nuno aparecesse para os desmascarar, ela Tinha de ver aquilo. Antes de entrar, aguardou pela chegada da “chefe” e ligou a Álvaro, ele gostaria de ser informado daquela novidade!
O polícia atendeu prontamente,
- Estou?
- Álvaro, aconteceu qualquer coisa de estranho. Estava aqui no Pub perto da casa do Nuno quando o Jaime entrou e me viu. Veio ter comigo para saber se a Margarida também me tinha chamado para a conversa. Pelos vistos eles vão-se encontrar agora. Ah, e o Nuno também veio.
- O quê? – Álvaro ouvia aquela voz de garnisé, enfurecido, o parvo do Jaime não ficara convencido com as desculpas de Catarina, no dia anterior e devia estar desconfiado de que eram treta. Mas porque teria Nuno ido também? Aquilo corria mal, novamente. Ficou ansioso, deu um gole na sua bebida forte e decidiu não esperar mais. Chegara a hora. – Espera aí fora pela Margarida, não a deixes entrar, empata-a que eu estou a ir. Quero apanhá-la. – e estremeceu um pouco por ter denunciado com os seus modos rudes alguma intenção de magoar Margarida. – Preciso de falar antes com ela. – rematou.
Catarina não obedeceu, estava demasiado curiosa com o teor da conversa que estaria a decorrer dentro do Pub e entrou, escondendo-se. Os dois polícias falavam exaltados, não um com o outro, mas com qualquer coisa. Ela não os conseguia ouvir. Nuno bebia depressa, parecia nervoso. Jaime parecia consolá-lo. Talvez ouvisse confissões amorosas do colega de trabalho. Decidiu obedecer a Álvaro, e saiu para a rua, na esperança de ainda ir a tempo de apanhar Margarida longe da porta o suficiente para a empatar. Ligou novamente a Álvaro, enquanto esperava,
- Sim? O que foi? – conduzia freneticamente, havia pouco tempo para chegar ao local e aquela parva só o distraía.
- Ela ainda não chegou. Eles continuam lá dentro à conversa. – Catarina estava nervosa com a ideia de que Margarida chegasse primeiro que Álvaro, preferia que ele a enfrentasse.
- Fica aí sossegada à espera dela, estou a chegar. – desligou o telefone e carregou no acelerador, teria de ser rápido.
Catarina embrulhava o telemóvel nas mãos, com os nervos em franja, não se tinha preparado para encarar a outra. Jaime abriu a porta do Pub e ela empalideceu.
- Então? Ainda aqui estás afinal? – perguntou surpreso ao vê-la.
Jaime conversara com Nuno sobre o dia anterior e ficara bastante desconfiado de que Catarina andava a meter-se com as pessoas erradas. Ela metera-o num belo sarilho, quase tinha sido espancado por Nuno, que pensava estar a ser traído por ele e Margarida e por uma razão desconhecida, Catarina levara-o para fora do edifício da PJ na noite anterior. Rezava para que Álvaro não estivesse metido naquelas confusões.
- Sim, - respondeu nervosa, sem saber o que dizer – desculpa aquilo de ontem. Fui parva em te mentir. Ando apaixonada pelo Nuno e queria provocar uma discussão entre ele e a Margarida. Tentei atrai-la até nós ontem, mas ela não fez caso. Queria fotografar-vos juntos e mostrar a Nuno… - saí-me bem!, pensou ela triunfante e aliviada.
- Pois, logo vi. És mesmo parva, o Nuno tinha razão. – Jaime ficou satisfeito por ouvir uma desculpa coerente e Álvaro não aparecer nela. As mulheres eram um bicho terrível, constatou enojado com Catarina. – Xauzinho. – afastou-se e dirigiu-se ao carro que estava estacionado numa rua paralela.
Catarina suspirou de alívio, mas lembrou-se logo de seguida que Nuno ainda estava dentro do Pub e Margarida deveria aparecer a qualquer momento. Esperou uns minutos que lhe pareceram séculos, aterrorizada com a chegada iminente da “chefe”, quando finalmente viu Álvaro aparecer e correu para ele, em pânico.
- O Jaime já se foi embora, consegui enganá-lo, novamente. – acrescentou orgulhosa. – O Nuno ainda lá está dentro e a Margarida deve aparecer a qualquer momento.
- Calma, no caminho vinha a pensar, e acho que vou mudar os planos. Tu continuas aqui fora, à espera dela e eu vou ter uma conversinha com o meu filho. Está na hora de resolver as coisas definitivamente. – disse de forma sombria.

- Ok… - Catarina estremeceu com o olhar negro do polícia e obedeceu sem reclamar. Ele era assustador.

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terça-feira, 2 de maio de 2017

"Safara" - bicicletar é muito mais que um verbo!


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"Safara" - quando um homem perde as estribeiras...

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"A Mala Vermelha" novo conto a nascer nos tempos livres

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"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 14 (1ª parte)



Margarida acordou dificilmente, a noite tinha sido maravilhosa, e dormira como nunca. Nuno já não estava na cama, o que era estranho, ele adorava prolongar aquela dormência matinal, abraçando-a e enfiando o nariz nos seus cabelos, pensou espreguiçando-se.
Procurou por ele pela casa e viu um recado escrito à mão em cima da mesa da entrada. “Fui correr, já volto”. Margarida não conhecia o Nuno corredor, aquilo era novidade. Foi confirmar no quarto e de facto as sapatilhas não estavam lá. Bem, pensava ela, pelo menos não lhe deu para me querer levar também a correr, isso seria bem pior. Preparou o pequeno-almoço para ela e Sofia e foi-se arranjar, aquele dia ia ser comprido e cansativo!


Nuno apareceu mais tarde completamente desfigurado, tinha corrido até ao Choupal, percorrera todos os caminhos labirínticos da mata e voltara, sem nunca parar.
Margarida sobressaltou-se com aquela capacidade física do gigante, como era possível que não lhe tivesse dado uma coisinha má?, pensava confusa entre a admiração e o susto.
Ele falou pouco, e desculpou-se por estar cansado, dirigindo-se para o quarto de banho.
Apareceu mais recomposto à mesa do pequeno-almoço, abraçando a sobrinha, com carinho, e desejando-lhe um feliz aniversário. Prolongou aquela demonstração de afeto sem saber como se comportar com Margarida que o olhava desconfiada. Amava-a tanto que era difícil encarar os olhos dela sem se perder no desespero dos seus pensamentos. Mas o que teria ela em comum com Jaime? Fingiu estar ansioso por ir para casa de Ana e apressou-se a engolir um café e uma torrada que ficaram presos na garganta durante toda a manhã.
Margarida estranhou o comportamento de Nuno, mas tinham prometido que aquele dia seria integralmente dedicado a Sofia e não queria estragar o ambiente. Fosse o que fosse, deveria estar relacionado com Álvaro, pensou, talvez Nuno tivesse alguma novidade sobre o doido. Relembrou-se de que precisava de ganhar coragem e conversar com ele sobre as suas recentes descobertas. Não sabia bem como abordar aquele tema, mas a verdade sobre o pai de Nuno não lhe pertencia e sentia-se cada vez pior por lhe prolongar aquela ignorância.
O dia correu rapidamente, e todos, à exceção de Nuno, estavam divertidos e comeram mais do que habitualmente o organismo humano aguentaria. Ana tinha-se esmerado na festa, fora tudo perfeito; Sofia tinha tido a atenção de todos, e em especial a do tio, que se refugiou nela todo o dia para evitar Margarida.

Nuno teria de ir ao encontro de Jaime antes de se permitir abrir a guarda com ela. Diversas vezes fingiu não ver os olhares de Margarida a ordenarem-lhe que se deslocasse à varanda, o que o fez sofrer de uma forma profunda. A sua ditadora privada exigia a sua atenção e ele não podia ir satisfazê-la. À medida que a noite se aproximava Nuno perdia a noção da realidade. Tinha de arranjar uma desculpa para se retirar algum tempo da festa, sem que Margarida não exigisse ir com ele. Decidiu dizer uma meia verdade, iria falar com Jaime que lhe tinha ligado, e insistiu com Jorge que ele deveria ficar a guardar o harém, facto que deixou os gémeos indignados, ofendidos no seu orgulho macho.

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