segunda-feira, 30 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 7 (1ª parte)




     - Quando é que aprendeste yoga? – perguntou João, enquanto esperavam pelo empregado de mesa com a ementa.
       - Há cinco anos decidi experimentar, andava nervosa e precisava de encontrar um método natural para lidar com os problemas. – confessou, sentando-se à chinês – Na primeira aula percebi que era aquilo que queria fazer, ser professora de yoga. Estudei, fui tirar a formação, e pronto.
      - Mas conseguiste logo fazer aquelas posições todas? Sem nunca ter experimentado antes? – admirava-se da capacidade física dela. Tinha-a observado na última aula, parecia uma mulher de borracha, mas ao mesmo tempo, bastante forte. Não era possível que se ficasse assim de um momento para o outro, pensava desconfiado.
      - Eu sempre fiz desporto, cuidei do corpo. Em pequena andei na ginástica acrobática, ainda ganhei umas medalhas, e o yoga precisa de muita elasticidade, principalmente da coluna. – explicou, sorrindo para o empregado que chegara naquele momento cerimonioso com as cartas da ementa.
João ignorou o funcionário, como habitualmente fazia, mais por hábito, que snobismo, continuando concentrado nela e na conversa dos dois, ligeiramente aborrecido pela interrupção do homem.
     - Obrigada. – disse Marta educadamente, fazendo uma pausa na atenção a João, voltando-se para o empregado. – És sempre assim tão rude com as pessoas? – perguntou-lhe de chofre assim que o homem se retirou.
         - Rude? Como assim? – reagiu espantado.
         - Eu diria mesmo mal educado. – recriminou-o, virando-se para a grande ementa.
         - Mas eu tratei mal alguém?
     - João, ignorar alguém que te vem servir é extremamente indelicado. Se fosse eu a empregada, cuspia-te na comida. – disse, sorrindo para os nomes das comidas chiques.
        - Não me apercebi. – comentou com honestidade – Talvez faça isso sem notar. – dedicou um pouco de tempo a matutar naquele advertimento, enquanto decidia o que comer. Isabel também o criticava pela mesma razão, mas estranhamente João nunca concordara com as suas queixas. – Lavagante, é isso que me esta a apetecer…e… sangria de champanhe. Aqui é deliciosa, tens de provar.
     - Parece-me bem, a sangria, claro. Para mim pode ser a salada de verão. – olhou-o satisfeita, pousando a ementa. – Chama o empregado.
João obedeceu e sentiu-se ligeiramente encavacado ao perceber que o funcionário trazia uma atitude de descontentamento no seu semblante. Ela tinha razão, tinha sido malcriado.
     - Já escolhemos. – tentou olhá-lo o mais diretamente possível, sorrindo de forma simpática, para tentar remediar a má impressão que tinha dado. Não queria sequer imaginar que o seu lavagante pudesse trazer uma cuspidela de rancor por cima. Fez o pedido e agradeceu, submissamente.
      - Assim está melhor. – comentou Marta orgulhosa da sua atitude mais cívica. – Vês?, não custa nada sermos simpáticos.
       - Eu não quero é que ele me cuspa o prato. – explicou João genuinamente preocupado.
Marta soltou uma gargalhada, ele parecia uma autêntica criança em certas ocasiões. Era tão enternecedor observar como a sua mente funcionava, tão autêntico e básico.
      - Nem o teu prato, nem a nossa sangria, porque eu não lhe fiz mal nenhum e não tenho de pagar por isso. – exclamou, levantando-se e pedindo licença para ir ao wc.
João ficou a observá-la, aos seus modos educados e cheios de classe, naquele ambiente, parecia-lhe diferente, num meio mais snob. Escolhera aquela cervejaria porque a frequentava com regularidade, e porque se lembrou que poderiam levar Filipe com eles, se comessem na esplanada. Uma mulher humilde, e João já não tinha bem a certeza de que ela fosse de origens pobres, ficaria intimidada ou maravilhada com os nomes pomposos da ementa, os salamaleques dos empregados e os diferentes talheres. Mas Marta encaixava em todos os cenários, desde o tanque da roupa onde lavava os lençóis, ao clima betinho que ali se respirava. Apenas a sua aparência a fazia destoar, mas nem isso a incomodava ou inibia. Entrara naturalmente, sentara-se à chinês e fora mais Senhora que muitas tipas, filhas de muito boa gente fina da cidade, com quem já ali partilhara umas Sapateiras. Era um absoluto quebra-cabeças aquela mulher.
     Perdia-se nos seus pensamentos, quando Salvador e o segurança do “Pírulas” que entravam na cervejaria lhe acenaram entusiasmados assim que o viram e se dirigiram à sua mesa.
    - Então pá? Por aqui? – Salvador inclinou-se para o cumprimentar, quando Filipe se endireitou e fez cara de poucos amigos. – O que é isto? Mas tu tens um cão? – exclamou assustado com o semblante do animal.
   - Não é meu, é de uma amiga. – explicou João, cumprimentando-os sem grande entusiasmo. Conhecia bem o amigo, e assim que ele visse Marta não iria deixá-los a sós. Queria estar com ela sem terceiros, tentar saber mais do seu passado, de onde vinha, etc. Salvador seria uma distração e nunca se calava quando uma mulher bonita estava presente, nem mesmo se esta fosse lésbica.
     - Amiga, heim? Deve ser coisa boa, que tu odeias cachorros. – gozou Salvador, olhando em volta à espera de conseguir localizar a mulher que acompanhava João.
     - Não comeces, é apenas amiga. E o cão é porreiro, chama-se Filipe. Dá-lhe um “passou bem”, não sejas mal educado. – disse divertido e curioso por saber se o cão o deixaria aproximar-se o suficiente para lhe fazer uma festa.
      Marta aproximou-se nesse mesmo instante, com a sua calma natural e sentou-se, sorrindo aos dois homens estranhos que conversavam com João.
      - Olá! – cumprimentou-a Salvador com um sorriso de orelha a orelha.
      - Olá. – respondeu divertida.
      - Marta, este é o Salvador, um amigo meu de curso, mas que não trabalha na área, tem um bar na Praça. – explicou, ligeiramente incomodado com a abordagem do amigo à então apenas sua conhecida.
      - Ah, o “Pírulas”? – exclamou Marta esticando a mão para o cumprimentar.
   - Sim!, esse mesmo! Já lá foste? – perguntou entusiasmado com a fama do seu estabelecimento e o ar saudável da rapariga.
       - Já. Mas não gostei muito. – disse com franqueza.
    João desatou a rir, satisfeito com o súbito ar de desânimo do amigo, ele ainda não conhecia o estilo pragmático e sincero de Marta, que desconcertava qualquer um.
     - Este é o Janota, o segurança do bar, nosso amigo há vários anos. – apresentou João, mais animado.
    - Olá Janota! Muito prazer. De ti lembro-me bem, obrigada pela ajuda no outro dia, o homem estava realmente a pedi-las. – disse, apertando-lhe a mão sorridente.
      - Prazer. E não é preciso agradecer, não gosto de machistas. – explicou.
    - Sentem-se connosco. - sugeriu Marta, desejosa de alguma distração que a ajudasse a engolir o almoço. João estava demasiado bonito, descontraído e sexy. Era demais para a sua sanidade mental.
     - Eles têm mais que fazer… - e ainda não tinha acabado a frase, Salvador já saltara para a cadeira ao lado de Marta, colocando-lhe o braço por cima do encosto, e bombardeando-a com perguntas.
    - Com licença. – Janota puxou da cadeira vazia perto de João, sentando-se com dificuldade, e bufando de esforço.
       - O que tens? – perguntou Marta, curiosa com aquele esgar estranho que denunciava que o grande segurança tinha uma dor.
       - Nada, - desconversou, envergonhado com a situação – apenas uma dorzita nas costas.
     - Espera, eu ajudo-te. - Marta levantou-se e colocou-se por detrás do homem, para espanto dos três, que a olhavam sem compreender o que pretendia fazer. Colocou uma mão no fundo do pescoço e começou a percorrer toda a zona cervical pressionando levemente, à procura do problema. Com a outra mão posicionou o queixo do segurança ligeiramente de lado, e ao descer a mão pela coluna encontrou a zona traumatizada, sorrindo. – Descontrai, por favor. – ordenou, rodando nesse mesmo instante a cabeça amolecida do paciente, ao mesmo tempo que pressionava sabiamente a vértebra correta. Um som seco e forte assustou a plateia masculina, que se retesou admirada, ao mesmo tempo que o segurança suspirou aliviado. – Pronto. Já está. – rematou, voltando para a sua cadeira.
     - Obrigado… como fizeste isso? – perguntou-lhe Janota maravilhado com o milagre que se dera nas suas costas.
     - Técnicas… - piscou-lhe o olho divertida.
     - Não, a sério, como é que sabes fazer isto? – perguntou João.
     - Tenho o curso de Osteopata, e algumas aulas de Quiroprática. Estas dores são facílimas de tratar. – respondeu-lhe com naturalidade.
    - Não fazia ideia que tinhas esses cursos. Pensei que só fosses professora de yoga. – disse, ainda espantado.
     - Há muita coisa que não sabes sobre mim. – retorquiu Marta, lançando uma pequena farpa de curiosidade na direção dele.
       - Ah, então tu és A Professora de yoga? – exclamou Salvador.
       - Sim, pelos vistos sou a professora de yoga. – olhou João, que corara ligeiramente com a falta de tato do amigo.
     - A Marta tem me dado aulas de yoga durante a semana. – balbuciou encavacado, sem saber como explicar o facto de que já havia falado nela a terceiros.
      - E hoje, como é sábado, não houve aula! – provocou Salvador, sorrindo – Vieram almoçar fora. – rematou satisfeito.
      - És da zona da Beira Baixa? – perguntou Janota a Marta, curioso com o leve sotaque que detetara na voz dela.
    - Sim… Porquê? – respondeu Marta um pouco perturbada com aquela descoberta tão inesperada. Normalmente esforçava-se por eliminar os hábitos e as características que a pudessem denunciar relativamente às suas origens, mas nem sempre conseguia disfarçar o modo de falar albicastrense.
     - Tinha família em Castelo Branco, fizeste-me lembrar a minha avó… “não sâbes sôbre mím” – explicou Janota, imitando-a.
      - Mais uma novidade. – disse João meio emburrado com o facto de todos os presentes estarem a partilhar com ele de detalhes privados sobre Marta.
     - Não sejas ciumento João! – gracejou Salvador, que o conhecia bem demais para não notar que ele gostava da professora, e não como aluno dedicado. – E parem de chatear a rapariga com perguntas. Diz-me lá, na sexta feira, como é? Queres que reserve o bar só para ti?
      - Não… - respondeu sem jeito. – Já te tinha dito que não queria festas. – resmungou.
      - Não é todos os dias que um gajo faz 39 anos! – comentou Salvador inflamado.
    - Fazes anos na sexta? – perguntou Marta a sentir as pernas bambas. Não podia ser… pensou nervosa. Um leonino é que não… seria demasiado perfeito para ser verdade. Já compreendia a facilidade com que se tinham relacionado. Uma alma gémea, ali, à mão de semear, bonito para piorar as coisas, e ela “lésbica” e ex-mulher de um psicopata.
    - Sim, faço. Para mal dos meus pecados. E pro ano são 40… - rosnou, bebendo um grande gole de sangria e distraindo-se com Filipe, que lhe colocara o focinho na perna, em solidariedade masculina.
   - Então está combinado! Sexta-feira vamos todos festejar o último ano de validade do Dr. João Marques! – exclamou Salvador, levantando o copo a pedir um brinde.
Cada um se libertava a pouco e pouco, ligeiramente embriagados, contando episódios cómicos e situações inusitadas, rindo com vontade, e Marta descontraiu, bebendo um pouco mais que aquilo a que estava habituada, encorajada por Salvador que lhe enchia o copo regularmente, sem cerimónias. Tinha as pernas dormentes, da posição em que estava há tantas horas, e sem pedir licença colocou-as esticadas no colo de João, que se reposicionou à mesa para as poder acomodar confortavelmente, como se fossem um casal e aquele fosse um hábito íntimo já usual entre os dois.
Salvador notou as manobras encobertas pela toalha da mesa e esforçou-se por não comentar, estava a ficar preocupado com aquele relacionamento tão atípico entre o amigo, visivelmente apaixonado, e a professora lésbica, que o olhava languidamente, sempre que este falava. Estava treinado para identificar todo o tipo de relacionamentos humanos. Sobrevivia no negócio da noite com esse dom, era vital perceber quando alguém, apenas com a linguagem corporal, poderia ser um problema, e sabia que o Janota também notara, trocando olhares consigo. Se aquilo era apenas uma amizade, ele era o Papa!
João sentia-se totalmente fascinado com o sentido de humor de Marta, que gargalhava a todas as parvoíces de Salvador, mestre em disparates, mas que normalmente as mulheres não entendiam nem apreciavam. Mas ela encaixava naquele ambiente pseudo-masculino como se toda a vida tivessem partilhado da companhia uns dos outros. Talvez o facto de ser homossexual a tornasse mais masculina nos relacionamentos, matutava, com um leve ardor no estômago, ao lembrar-se de que ela não era sua quase conquista, mas uma amiga, inatingível. A pele suave das suas pernas enlouquecia-o, à medida que ia explorando com a mão o seu tornozelo, delicado e macio. Como poderia aquilo ser possível? A mulher quase perfeita, do pouco que já conhecera, inteligente, divertida, bonita, e com pele de bebé… pensava, massajando-a com as duas mãos, ritmadamente. Seria possível que ela um dia acordasse e já não gostasse de mulheres? Perguntava-se, aparvalhado com o álcool que já bebera e lhe toldava a razão. Queria percorrer-lhe as pernas até ao limite, sentir aquela suavidade em todos os locais diferentes da sua anatomia, não ter de se ficar pela cova luxuriante da parte de trás do seu joelho, até onde conseguia chegar sem parecer mal no meio de mais pessoas. Olhou-a de repente, Marta ruborescia, com um brilho no olhar que o fez perder a noção, dando-lhe coragem para alcançar mais terreno na pele suave das pernas dela, que reagiu subitamente, retirando-as, e desviando os olhos dos dele. As mãos de João penderam frustradas por debaixo da mesa, e Filipe aproveitou para solicitar alguns carinhos, ciumento com as “festas” que João dera a Marta, devolvendo-lhe um pouco da boa disposição de momentos antes. Marta evitou olhá-lo o resto da refeição, concentrando-se nos outros dois companheiros de almoço, esforçando-se por disfarçar a sua excitação e desejo. Se ali estivessem os dois sozinhos teria sido uma calamidade!



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sexta-feira, 27 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 6 (3ª parte)




      Chegaram à margem do rio, e Marta estacionou o jipe contrariada. Já não tinha ficado especialmente satisfeita com a sugestão de que seria melhor vestir fato de banho e roupa fresca, mas concordara porque só entraria dentro de água se lhe apetecesse. Mas o que via ao longe era bem diferente do que tinha imaginado, e muito pior. Várias canoas coloridas estavam dispostas na areia, à espera dos canoistas, e João não lhe confirmava nem que sim nem que não, mantendo-se irritantemente a sorrir satisfeito.
      - Ou me dizes o que aqui viemos fazer, ou não saio do carro. – ameaçou, sentindo as mãos a suar ligeiramente.
      - Mas onde está a mulher corajosa e bem resolvida que ainda há bocado se recusou a deixar-me guiar? – gozou, saindo do carro e abrindo a porta a Filipe, que saltou animado para o chão, cheirando tudo em volta furiosamente, a reconhecer o local e a tirar as suas próprias conclusões canídeas, ignorando o casal.
       - Não saio. – disse Marta, ainda agarrada ao volante e de cinto posto.
      - Que disparate. – João tirou-lhe o cinto, a chave da ignição e puxou-a para fora do jipe, colocando os chapéus na cabeça de ambos e trancando o veículo. – Vamos, vais adorar. – deu-lhe a mão e surpreendeu-se ao notar que estava gelada, o que indicava medo.
       - Não quero fazer isto… - suplicou, sendo puxada em direção às canoas.
    - Marta, por favor. Se isto fosse perigoso não o fazíamos. Vamos falar com o sr da empresa. Anda! – deu-lhe mais um puxão vigoroso, sem perder a convicção dos seus planos. Queria muito deslizar pelo rio abaixo a admirá-la na frente da canoa, e com um bocado de sorte, com a roupa toda colada da água que eventualmente a molhasse.
    - E o Filipe? Não o podemos deixar no carro ao sol, todo o dia… - argumentou, na esperança de que fosse proibido levar o cão e assim ela se escapasse à provação náutica.
     - Já liguei hoje cedo a perguntar, ele vai no meio de nós os dois. – respondeu prontamente, dando-lhe um abraço por cima do ombro, encorajando-a.
     - Depois eu é que sou controladora… - rosnou entre dentes, empurrando-o e libertando-se do seu braço confortável.
    - Bom dia! – dirigiu-se João ao casal moreno e de aspeto tonificado que começava a preparar a viagem. – Telefonei hoje cedo, João Marques.- cumprimentou-os, apresentando depois Marta e Filipe. – Podemos ir andando? Já o fiz várias vezes, só precisávamos dos coletes.
    Marta resistiu até ao limite do que seria possível, tentando não fazer figuras ridículas em frente a estranhos, aceitando o colete, de trombas, no meio de um som de descontentamento, enquanto João convencia Filipe a entrar na pequena embarcação.
     - Vamos! Só faltas tu! – ralhou sorridente.
Marta remeteu-se ao silêncio, entrando relutantemente, a tremer, com vontade de o insultar e ou beijar, tal era a energia que lhe transmitia, todo sexy, descontraído e seguro de si, com aqueles óculos de sol caríssimos que o tornavam ainda mais bonito. Ficou ligeiramente desiludida ao perceber que iria a viagem toda de costas para aquela visão tão agradável, a olhar para o rio, as árvores, e o seu medo de cair na água sem pé, onde viveriam milhares de cobras, peixes horríveis e lixarada.
      - Não vou remar! Ficas já avisado! - ralhou amuada.
      - Eu ainda sou o homem desta embarcação! Podes relaxar e aproveitar o passeio. - respondeu satisfeito com a cedência dela, mesmo que contrariada.
    João sossegou o cão, dando-lhe uma massagem rápida e começou a remar suavemente, sentindo-se mais feliz que nunca, com a visão dela e das suas costas, rabo, ombros, braços, cabelo. Admirava todas as suas proporções quando se apercebeu do olhar de censura e espanto do cão, que o fez soltar uma gargalhada.
    - Estás-te a rir de quê, pode-se saber? – perguntou, voltando-se demasiado rápido, o que destabilizou o movimento da canoa, ao ponto de os balançar perigosamente de um lado para o outro. – AAAHH! Socorro, João, pára isto! – gritou, quebrando o silêncio da natureza que os envolvia.
     - Pára quieta que isto já acalma. Não podes virar-te assim de repente! – ralhou, pousando o remo e acalmando o cão que se levantou nervoso com os balanços.
     - Nem um encosto para as costas… - reclamou – Quanto tempo demora a viagem?
     - Podes encostar-te a mim, se quiseres… - provocou, satisfeito.
   - Querias! – bufou, pensando que bom seria ir recostada nele, rio abaixo, o que lhe aumentou progressivamente a neura, juntamente com a posição desconfortável, o calor abrasador que já se começava a sentir, o facto de ser “lésbica”, querer deixar de o ser, mas a razão não deixava.
     - Desculpa, estava a brincar… - disse João preocupado com o silêncio nada característico da sua companhia. Por vezes esquecia-se de que a poderia ofender quando brincava, mas não queria perder aquela amiga. – A sério, estava a brincar. Viste as pernas daquela tipa? – perguntou, para desanuviar o ambiente.
     - Quem? – perguntou confusa.
     - A das canoas. – esclareceu-a – Que pernas fantásticas!
     - Pff… - respondeu com escárnio – demasiado musculadas!
     - Ah, gostas assim do tipo mais delgado. – comentou curioso.
    - Sim, acho que sim… - engoliu um ardor na garganta por conta daquela conversa ridícula. Gosto mesmo é das tuas, mas ok..., pensava infeliz, a olhar os dedos da sua mão que roçavam suavemente na água fresca. – E tu? Como gostas? – decidiu aproveitar a sua condição de intocável para tirar nabos da púcara.
     - Eu?... bem, de vários tipos. – ficou pensativo a remoer na questão – Quer dizer, acho que umas pernas bonitas podem ser quaisquer umas. Por exemplo, as da mulher das canoas são Boas! – e encheu a boca para dizer a última palavra. – Mas bonitas, bonitas… isso é mais difícil de encontrar. – gostava muito das pernas de Marta, do pouco que já tinha conseguido observar, mas não o disse, para não a constranger ainda mais.
    - Está a ficar um calor insuportável… - queixou-se, sentindo a pele exposta ao sol a queimar.
     - Vai-te molhando, sempre refrescas. – e assim que deu azo à sua imaginação que envolvia um corpo de mulher com roupa colada, Filipe olhou-o duramente, provocando-lhe outra gargalhada.
     - Acho que vou tirar a roupa. Não aguento isto tudo vestido. Podes abrandar a canoa? – pediu-lhe, levantando-se ligeiramente, de modo a puxar a saia pelas pernas. Retirou depois a camisola e sentiu-se ligeiramente observada, quando puxou a mochila para arrumar a roupa. Não conseguia tirar a limpo, porque os óculos escuros de João não deixavam perceber para onde ele olhava, mas notou um certo rubor nas suas bochechas, o que a fez sentir-se maravilhosa e satisfeita, ao ponto de se esticar um pouco na provocação. Prendeu os cabelos desajeitadamente no alto da cabeça, e iniciou um banho sensual, chapinhando-se com calma. – Que maravilha! – disse, sorrindo de orelha a orelha, gozando do seu poder feminino, quando a canoa embateu num tronco da margem e os virou aos três repentinamente para a água.
    João ajudou-os a entrar novamente na pequena embarcação, recolheu as coisas espalhadas pela água e subiu sem dizer uma única palavra. Ficara paralisado a olhá-la e sentia-se ridículo ao ter deixado a canoa completamente desgovernada.
      - Completamente seguro, heim? – perguntou a sorrir-lhe de costas, já recuperada do susto, mas satisfeita com o efeito que provocara nele.
      - Distraí-me, não volta a acontecer. – justificou-se, mais recomposto do súbito banho fresco que lhe acalmou o físico.
         - Agora ficámos com as sandes todas molhadas… - reclamou com a voz afetada.
      - Não paramos no sítio do almoço, assim acabamos mais depressa a volta e vamos almoçar noutro local. – sugeriu, já consumido com a ideia de a ver semi-nua durante muito mais tempo.
     - Ok. – olhou para trás para visualizar o que tinha em mente, e conseguiu arranjar uma posição mais descontraída, pousando a cabeça no cão e esticando as pernas, ficando com os pés na água. – Obrigada Filipe, assim apanho um bocadinho de sol. – disse ao cão, afagando-o com uma mão, agradecida pelo encosto.
     Merda… pensou, ao vê-la por inteiro, deitada à sua frente. Tirou o boné, mergulhou-o dentro de água, e trouxe-o repentinamente para a cabeça, refrescando-se.
      - Ei! – reclamou Marta, que apanhou com algumas pingas na cara.
      - Desculpa.


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quinta-feira, 26 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 6 (2ª parte)


      


      Dormiu agitada com todas as sensações fortes da noite, levantando-se de madrugada para fazer uma infusão calmante e exercícios de meditação. Há muito tempo que não se sentia assim, excitada e ligeiramente apaixonada, o que a deixava inquieta e distraída, a mistura ideal para as insónias. Arrependia-se de não o ter agarrado, mas também tinha prometido a si mesma dar um tempo nas maluqueiras do Amor. Imaginara-o a parar o elevador e a beijá-la dramaticamente, vezes sem fio, como uma tortura mental e de certa maneira, física. Dava corda à sua inquietação hormonal, sabendo que dali podia nunca nascer nada, já que ela própria enterrara as primeiras hipóteses com a mentira parva de que era gay, pensava censurando-se. O fantasma de Tiago também lhe ensombrava os desejos, transformando-lhe os doces pensamentos em angustiosos receios. Temia acima de tudo que ele a descobrisse, e se isso acontecesse, cumprisse as ameaças que lhe fizera à saída do tribunal. Esse dia de libertação e alívio deveria ter colocado um ponto final no seu pesadelo, mas Tiago não tinha sido condenado por todas as agressões e torturas a que a tinha submetido durante os dois anos em que tinham sido casados. Escapara à lei pelas cínicas dificuldades em provar a intenção dos crimes, sorrira-lhe ao ouvir o veredicto, e Marta não teve outra alternativa senão fugir. Tinha-lhe sido proibida qualquer tentativa de aproximação, mas um ex-marido obsessivo não acataria qualquer ordem, nem mesmo da justiça. A ideia de que João pudesse ser envolvido no meio dos seus problemas acabou por lhe silenciar a mente sonhadora, colocando um ponto final nas suas fantasias noturnas, substituídas pela antiga angústia, que a sossegaram como um bálsamo. Acabou por ceder ao sono já quase de manhã, com Filipe rabugento a seus pés por também se sentir cansado das voltas e voltas que a dona dera na cama, a procurar a posição de descanso vezes sem conta. 
       Acordou demasiado cedo, poucas horas depois, com o cão a pisá-la sem piedade, nervoso com algum barulho vindo da rua. Marta abriu um olho, praguejando com ele e empurrando-o para fora da cama, zangada. Levantou-se contrariada, vestiu o robe de verão por cima do conjunto de calções e alças pouco próprio para ir à rua e arrastou-se pela casa, sentindo-se morta viva.
          - Quem é?- perguntou com a voz ensonada, antes de abrir.
          - Sou eu, o João. – respondeu cheio de energia.
          - Hoje é sábado. – informou-o mantendo a porta fechada.
          - Eu sei, anda, abre. - pediu animado.
         Marta abriu uma fresta da porta e olhou-o com cara de poucos amigos, sem reagir ao ar fresco e feliz do seu perturbador de sonhos.
       - Bom dia! Mas que cara é essa? – empurrou a porta sem cerimónias, trazendo sacos nas mãos e dirigindo-se à cozinha.
         - Cara de quem estava finalmente a dormir. – confessou, caindo no sofá amuada.
        - Eu dormi maravilhosamente! – exclamou de dentro da cozinha, e como pagamento pela tua massagem vim fazer-te o pequeno almoço e convidar-te para irmos passear.
         - Aceito o comer. Passear onde? – grunhiu com a cara na almofada do sofá.
       - Isso é surpresa! – respondeu sorridente, enquanto dispunha a comida na mesa de centro perto do sofá. Sentou-se animado na poltrona em frente de Marta e começou a comer fazendo-lhe sinal para que o imitasse.
       Marta levantou-se obediente, sentindo-se cada vez pior e mais deprimida. Cada minuto que passava com João a faziam temer ter encontrado o homem ideal, o que seria uma tragédia, para ambos. Antes de adormecer tomara uma difícil decisão, a de colocar um ponto final em tudo aquilo e afastar-se dele, mas nem ela nem Filipe lhe conseguiam resistir, constatou enternecida ao ver como o cão o adorava, colocando o seu focinho no joelho de João, à espera de um pedaço de pão.
       - O que se passa? Acordas sempre assim tão carrancuda? – brincou, curioso com o clima pesado que se sentia naquela casa, ao contrário da habitual serenidade.
        - Desculpa, tive insónias. Não dormi bem… quase nada, mesmo. – confessou, sorrindo com esforço, sem o encarar.
        - Se quiseres posso ir embora. – disse com preocupação, pousando a chávena de chá – Não devia ter vindo sem avisar, desculpa.
      - Não. Fizeste bem em aparecer. Vou tomar banho e vamos então à tal surpresa. - levantou-se e dirigiu-se à cozinha, colocando uma grande panela de água ao lume, deixando-o intrigado da utilidade que ela daria a tanto líquido, não seria para chá, com certeza. Como se lesse os seus pensamentos, ela esclareceu-o; precisava de tomar um banho antes de sair, e não tinha esquentador, logo, aquecia água, temperava com fria e colocava num balde que tinha um fundo com um adaptador de chuveiro, bastante primitivo, mas eficaz.
     - Tomas banho assim? Sempre? – perguntou escandalizado com a trabalheira que era tomar duche naquela casa.
      - Sim, vai dar no mesmo, só não posso ficar tempos infinitos debaixo de água. E já que aqui estás, traz-me a panela com a água quente, por favor. – piscou-lhe os olhos em súplica.
       - Temos de modernizar esta casa! – ralhou, carregando com dificuldade os vários litros de água até à casa de banho.
       - Temos?! – espantou-se com aquela utilização do plural que lhe deu um nó na barriga.
    - Força de expressão. – corrigiu envergonhado. Sentia-se tão bem ali que às vezes se esquecia de que era somente um convidado. – Queres ajuda para esfregar as costas? – brincou, colocando a água dentro do balde/chuveiro.
      - Não, obrigada. Agora sai. – disse-lhe a sentir-se corar. Não lhe faltava mais nada, pensou enervada, ficar a imaginá-lo no banho…

        Depois de muito insistir, Marta conseguiu convencê-lo a levarem o seu pequeno jipe para o passeio; seria muito mais prático para dar voltas e não teriam problemas com os estofos de pele do carro desportivo, quando Filipe se esfregasse no banco traseiro, como ficou provado, assim que entraram no veículo e o cão limpou a baba do focinho nos tapetes grossos que cobriam os assentos. João aceitou sem mais discussão e resignou-se ao lugar do morto, aproveitando para a observar com mais atenção, entusiasmado com a destreza com que Marta fintava os buracos da estrada, resultado da experiência que tinha do terreno.
      - E dirijo-me para onde, Sr. co-piloto? – perguntou, curiosa com o destino surpresa.
   - Podes ir andando, que eu vou dizendo. – respondeu, sem revelar mais informações, satisfeito com a reação amuada dela. – A tua dona é muito controladora… - disse em direção a Filipe, que o observava com as orelhas em pé.
     - Não acho nada bem, andares a colocar o meu cão contra mim. – reagiu, olhando-os com censura e descontraindo pela primeira vez desde que acordara.

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terça-feira, 24 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 6 (1ª parte)


            


As mãos suavam-lhe, sentia-se dormente e com a respiração alterada. Que porcaria, lamentava-se, ciente de que não conseguiria resistir se João lhe tocasse. Ele tinha uma força energética muito grande, como um íman gigante, e para além disso era muito bonito. Que mulher podia negar um convite daqueles feito por um Super Íman Borracho? Uma lésbica, talvez!!, ralhou consigo mesma. Aí estava o problema. Cairia certamente nos braços dele em menos de cinco minutos, mas depois, quando recuperassem o tino, teria de se explicar.
            - Entra. – disse-lhe educadamente, quebrando o silêncio, acendendo as luzes e fechando a porta devagar depois de ela passar e evitar tocar-lhe, o que o intrigou.
            - É muito grande. – comentou espantada, distanciando-se dele estrategicamente.
            - Sim, às vezes também sinto isso. – confessou, tirando o casaco e observando as movimentações dela pela sala.
            - Era a tua mulher? – perguntou curiosa ao ver uma foto dele com uma mulher numa prateleira.
            - Sim, morreu de cancro. – disse com alguma mágoa – Já devia ter tirado daqui, é tétrico.
            - Não o faças. – aconselhou-o, tocando-lhe afetuosamente no braço que segurava a moldura. – Tudo faz parte de nós, a alegria, a tristeza, não podes querer apagar tudo o que viveste de bom com ela. Não é justo.
            João olhava-a incrédulo. Ela tinha razão, tirar dali Isabel seria negar que ela fora uma parte feliz da sua vida, em tempos. O seu toque sedoso não o deixou matutar muito mais naquilo, e João poisou a foto para a encarar. Sentia-a também nervosa e estranha, como se estivesse à espera que ele avançasse, mas não podia ser, dizia-lhe o seu lado racional.
            Marta esquivou-se, afastando-se no momento certo e disfarçou o embaraço caminhando pela casa a dentro, sem pedir licença.
            - Então e aqui para dentro? Há vestígios de vida humana ou a tua casa é toda fria e impessoal?
            - À direita é o meu quarto. – explicou, alcançando-a e acendendo-lhe a luz, entrando logo a seguir. Estava especialmente bonita, com roupas confortáveis e a típica saia comprida, mas de um tecido que estranhamente se lhe moldava perfeitamente, mostrando as curvas bem feitas do seu corpo. – Aí é a casa de banho. – disse com a garganta seca.
            - Meu Deus… o que é isto? – exclamou horrorizada, ao ver a quantidade de remédios que João tinha dispostos no armário, num local que indicava que ele os utilizava com regularidade.
            - Bem… isso é o meu kit de sobrevivência. – confessou envergonhado. – Este é para dormir, este para acordar, este para ficar bem disposto, e este, bem, este é para SOS. – enumerou apontado cada um deles, sentindo-se mais leve com a confissão, e puxando-a para fora da casa de banho.
            - Que horror. Não podes estar a falar a sério. – disse-lhe preocupada com a ideia de que um homem tão novo, bonito, inteligente, precisasse daquilo tudo para se manter normal. – Comprimidos para SOS… que tipo de SOS?
            - Não te preocupes. Faz parte de um tratamento já longo. Não me apetece falar sobre isso. – pediu-lhe com um sorriso triste.
            - Eu posso ajudar em alguma coisa? – perguntou-lhe genuinamente interessada na recuperação de fosse o que fosse que o punha doente.
            - Já estás a ajudar. – confessou, colocando-lhe uma madeixa de cabelo atrás da orelha.
            - Acho que sei como evitares hoje o comprimido para dormir. – disse-lhe animada, empurrando-o para cima da cama. – Vou dar-te uma massagem especial. – explicou decidida, procurando na casa de banho por creme ou um óleo qualquer. – Despe-te. Quer dizer, tira tudo menos os boxers, claro. – corrigiu.
            - Não queres antes treinar aqui umas técnicas do teu livro? – gracejou, tentando descontrair-se enquanto se despia desconfortável.
            - Ainda não estás preparado para isso. – respondeu sorrindo-lhe e fazendo-lhe sinal para que se virasse de barriga para baixo.
            - Isso quer dizer que há esperança? – perguntou espantado.
            - Cala-te e fecha os olhos. – colocou-se sentada por cima dele, admirando aquela visão que poderia ter, se quisesse, e aproveitando essa sensação de prazer mental, aquecendo as mãos uma na outra. – Agora relaxa e não penses em nada.
            - Desculpa, mas com uma mulher em cima de mim isso é um bocado difícil… - confessou sorrindo contra o colchão.
            - Liberta-te e concentra-te só no meu toque. À medida que fores sentindo a massagem, vais visualizando essa zona do corpo a descontrair. – sussurrou-lhe quase encostada ao corpo dele.
            - Estás a castigar-me porque eu não gosto do teu elefante manhoso? – gracejou a sentir-se a explodir, como iria adormecer com aquilo era um absoluto mistério.
            Marta sorriu satisfeita e iniciou a massagem vigorosa e experiente, sentindo-o a ceder aos estímulos certos, ouvindo a sua respiração a acalmar-se ritmicamente. À medida que o amolecia sentia-se cada vez mais inquieta e nervosa. Era tão fácil estar com ele e parecia-lhe tão certo, que a assustava. João estava quase no ponto, admirava-o, tão obediente e manso, crente de que ela realmente o conseguiria ajudar. Sabia que aquela disposição era provocada pelo facto de ele achar que não a atraía, o que era a maior das mentiras. Foi deslizando até aos pés, saindo suavemente da posição inicial e preparando-se para o final daquela noite tão inusitada. Pegou-lhe no pé e premiu o “botão do sono”, colocando-o num estado de inconsciência bem parecido com aquele que se tinha a dormir. Tapou-o e beijou-lhe a cara com devoção. Marta 1, comprimidos 0!, pensou orgulhosa, saindo e desligando as luzes todas até à porta da rua.




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segunda-feira, 23 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 5 (3ª parte)





O dia passou devagar, torturante, com a dor de cabeça a afundar-se cada vez mais, resultado da crise de pânico da noite anterior, e a ideia de que não teria aula no fim daquilo tudo ainda o deprimia mais. Felizmente não teria de ir para casa, era esperado em casa de César para o habitual jantar das sextas-feiras, em que se juntavam já como uma tradição, bebiam uns copos e falavam de tudo e de nada. Uma terapia de terapeutas, que chegavam ao final da semana carregados de más energias, como dizia Elisabete. A mulher do amigo tinha toda a razão, pensava João, e mantinha-os assim minimamente controlados, não permitindo que embarcassem nas doideiras dos outros, pois já lhes bastavam as suas. Só teria de passar rapidamente em casa, trocar de roupa, tomar qualquer coisa para a dor de cabeça e acabaria mais um dia difícil.

Chegou a casa dos amigos demasiado cedo, lamentou-se, ao ver a azáfama que ainda ia na cozinha, e ficando demasiado solitário na sala, agarrado a um copo de vinho, sem paciência para ver televisão ou distrair-se com outra coisa qualquer. Ofereceu-se para por a mesa e agradeceu a oportunidade de ocupar a cabeça, a imagem das algas ainda o ensombrava de vez em quando, arrepiando-o e aquecendo-lhe a cara.
- Quatro pratos? – perguntou curioso com a companhia do jantar que ainda ninguém tinha mencionado.
- Sim, convidei uma amiga. – explicou Elisabete falando alto de dentro da cozinha, bem no momento em que a campainha tocou. – Olha, já chegou! Podes ir abrir João?
- Sim, eu vou lá. – respondeu meio contrariado. Gostava muito daqueles momentos privados entre os três. Se vinha um estranho para jantar não poderia falar sobre o que lhe apetecesse, lamentou, abrindo a porta. – Marta? – olhou-a espantado a sorrir, sendo também observado com espanto.
- João? Mas… Também aqui estás? – perguntou incrédula com aquela coincidência feliz. Tinha pensado nele todo o dia, desanimada com o facto de apenas o ir rever na segunda-feira, e ali estava o seu aluno preferido, a abrir-lhe a porta.
João cumprimentou-a com dois beijos, pela primeira vez, sentindo-a corar e estranhando aquela Marta que ficara sem jeito e envergonhada, talvez se sentisse intimidada na casa de outras pessoas, concluiu, indicando-lhe o caminho até à sala.
- Então, esta era a tua amiga? – sorriu-lhe – Pensava que ias sair com alguma “amiga” das outras.
Marta sentiu-se a ficar escarlate, ele conseguia ser tão indiscreto, e Elisabete sabia que ela não era lésbica nenhuma, pensava nervosa com aquilo tudo. Não queria que ele se zangasse com ela por causa da mentira que inventara estupidamente, e cada vez crescia mais. Precisava de lhe contar a verdade, concluiu. E fosse o que Deus quisesse.
- João, preciso de falar contigo sobre uma coisa. – começou a confissão, quando o casal anfitrião os veio interromper, cheios de comida nas mãos e solicitando ajuda para colocar o jantar na mesa.
- Ok, não te esqueças de onde vais. – disse João, chamando-a para a mesa e sentando-se animado com o cheiro da comida.
- Então já se conhecem? – perguntou César curioso com a excitação do amigo.
- Ah, sim. Eu ainda não tinha dito anda, mas fui experimentar o Yoga. – confessou João.
- Foste? Mas eu não te vi lá na escola. – perguntou Elisabete espantada, olhando alternadamente para Marta, que corava ainda mais, e João, que sorria com naturalidade.
- Eu estou a dar-lhe as aulas em minha casa. Ele apareceu-me lá a pedir aulas privadas, e como o Filipe foi com a cara dele, eu aceitei. – explicou Marta meio a gaguejar.
César fez uma nota mental sobre aquele pormenor em particular, o facto de ela mencionar o nome de Filipe e João não reagir emocionalmente, mais tarde iria pensar sobre aquilo.
- E quem é o Filipe? – perguntou genuinamente curioso.
- É o cão. – respondeu João com naturalidade.
- Sim, o companheiro de sesta aqui do rapaz. – brincou Marta servindo-se de salada.
- César, não comeces com os teus scaners profissionais. – recriminou João incomodado, ao ver o olhar interessado do amigo naquelas revelações sobre os últimos dias em casa de Marta. – Adormeci por causa de um exercício de respiração… o Prayama…
- Pranayama. – corrigiu Marta instintivamente.
- Isso. – agradeceu, enchendo-lhe o copo. – E o cão deitou-se em cima de mim.
- Isto está muito bom. – comentou Marta olhando Elisabete e piscando-lhe o olho.
- Obrigada, querida. Espera até provares a sobremesa.


O jantar arrastou-se mais do que o normal, até terminarem todas as garrafas de vinho e a sobremesa ter sido comida até à última migalha, descontraídos uns com os outros, numa conversa que parecia não acabar. César analisava tudo aquilo com um interesse para além do profissional, pois João era-lhe muito querido como amigo. Queria vê-lo feliz, a ultrapassar a depressão que arrastava desde os 14 anos, e um dia deixar de lhe prescrever drogas. Não fazia sentido um homem novo tomar tanta porcaria, se assim se mantivesse iria ter dificuldades sérias na velhice. E aquela Professora de yoga, embora lésbica e amorosamente inacessível a João, parecia conseguir normalizá-lo de alguma maneira.
- Bem, agradeço-vos imenso o convite, mas o Filipe está para lá sozinho e tem medo do escuro. Tenho de voltar para casa. – levantou-se e despediu-se do casal anfitrião – Adorei o jantar e este bocadinho. – olhou para João e, sem intenção de lhe tocar despediu-se também. – Então, até segunda.
- Eu também vou. – disse num impulso. Ainda era cedo e talvez ela quisesse ir ao Bar do Salvador beber qualquer coisa, pensou, desistindo automaticamente da ideia ao imaginar a Nélia a agarrar-se a ele e estragar a noite. – Acompanho-te até lá abaixo.
- Ok, obrigada. – disse a sentir um formigueiro na barriga. Queria ir para casa e afastar-se rapidamente, precisava de distância daquela energia que sentia vinda dele, que a punha meio tonta e vulnerável. Ou talvez fosse só efeito do vinho, pensava, olhando-o a chamar o elevador.
Entraram no cubículo apertado e o silêncio crescia, tornando a viagem dolorosa. Olharam-se e Marta viu nos seus olhos a intenção de a beijar, ficando hipnotizada naquela expectativa, sem saber como reagir, mas desejando que ele o fizesse. Um leve movimento na sua direção denunciou que ele ia avançar, quando subitamente a porta se abriu e um casal de idosos sorriu educadamente à espera que eles saíssem, pois já tinham chegado ao rés-do-chão e não se haviam apercebido.
Saíram meio desajeitados com aquele momento incómodo, e Marta caminhou rapidamente até ao local onde tinha o seu pequeno Jipe estacionado, procurando pelas chaves furiosamente enquanto se aproximava do veículo. Teria de resolver aquele mal entendido rapidamente, censurava-se com cólicas na barriga. Que trapalhada para ali estava, parecia o interior daquela carteira, pensava angustiada.
- Queres ir conhecer a minha casa? – perguntou João colocando um braço no tejadilho do carro, bem perto dela, sem ser capaz de racionalizar o que estava a fazer, afinal ela não seria susceptível a avanços amorosos vindos dele.
- Não sei se é boa ideia… - confessou a sentir-se afogueada, sem o olhar, concentrando-se na busca pela chave perdida.
- Eu já conheço a tua. Agora tens de conhecer a minha. É justo. É aqui mesmo no prédio do lado. – se continuasse assim tão perto dela iria acabar por fazer um disparate, e podia estragar aquela amizade, recriminava-se, sem no entanto conseguir deixá-la ir.
Marta olhou-o furtivamente, decidida a não aceitar, mas aquela energia começava a envolvê-la como uma teia, sentindo-se a amolecer na sua direção.
- Bem, só se for muito rápido… o Filipe não gosta de estar sozinho à noite. – balbuciou, encontrando naquele momento a chave e largando-a logo de seguida dentro da carteira.
João teve vontade de dizer “Yes!”, mas conteve-se, afinal aquilo eram fantasias apenas da sua cabeça, ela não tinha as mesmas sensações animais relativamente a si, estando apenas a ser educada, e não poderia ofendê-la ou ser grosseiro. Gostava cada vez mais da sua companhia, não iria estragar tudo, prometeu a si mesmo.


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sexta-feira, 20 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 5 (2ª parte)




Assim que conseguiu, pôs a visita na rua, chamando um táxi e oferecendo-se para pagar a corrida, da forma mais delicada possível. Ela aceitou sem culpas e prometeu voltar, o que o incomodou ligeiramente, mas entendeu como mentira piedosa. Sabia que tinha sido péssimo na cama, sempre distraído e demasiado rápido. Honestamente, tinham sido os piores trinta minutos de sexo da sua vida. Entrou na casa de banho e não resistiu a tomar um comprimido da felicidade instantânea, antes de entrar no duche, sentia-se ligeiramente enojado e deprimido. Ou andava a ficar velho para aquelas atividades com desconhecidas, ou a depressão começava a afetar-lhe a parte sexual, o que não era nada bom sinal, dizia-lhe o médico dentro de si. Uma leve azia nasceu-lhe no fundo da garganta, e João escaldou-se até ao limite do que a sua pele aguentava. Tinha de tirar aquele cheiro a perfume barato de cima, senão não conseguiria dormir, e só voltaria a casa de Marta e ao seu cadeirão fofo daí a três dias, tinha de descansar antes disso.
Arrancou os lençóis sujos da cama e procurou durante bastante tempo por uns lavados, pois nunca precisara de fazer uma cama de lavado na vida, encontrando-os no sítio mais óbvio e colocando-os atrapalhadamente por cima do colchão. A Dona Rosário iria ralhar com ele na manhã seguinte, mas se não tirasse os vestígios da Nélia daquele quarto não conseguiria dormir. Pegou no livro, esticou-se na cama e recomeçou a leitura da parte teórica, com a voz de Marta na sua cabeça como narradora, o que lhe pareceu lógico, já que ela era a sua professora, e aquele livro era dela. Adormeceu na página 10, com o conselho de uma alimentação leve e saudável antes de qualquer prática física, evitando gorduras animais, de difícil digestão.


- A Eduarda vai ser mãe. – comentou Isabel, animada com a notícia de que a melhor amiga conseguira finalmente realizar o seu sonho de engravidar, depois de alguns anos de dificuldade e sofrimento. – Ai sim?, que bom. – disse sem sequer a olhar. Aquele tema surgia de tempos a tempos como uma sombra a pairar sobre os dois, dissipando-se depois com as distrações do dia-a-dia das suas carreiras absorventes. – João, podíamos pensar nisso também. Não para já, que estás a iniciar o trabalho na Clínica e precisas de te dedicar a isso, mas daqui a um, dois anos. – sugeriu Isabel a medo. Sabia que o marido fugia do assunto, mostrando-se muito pouco interessado em ser pai, mas ela adorava um dia engravidar, ser mãe, cuidar de um bebé, e se para isso, tivesse que deixar a carreira, não pensaria duas vezes. – Isabel, ainda é cedo, e não tenho a certeza de que isso seja uma boa ideia. - tentou desculpar-se, sem conseguir ser honesto com a mulher, que o olhara magoada. Depois da morte de Filipe, o seu primeiro “filho”, não teria capacidade emocional para passar por tudo de novo. A cara do irmão a desaparecer na água do rio ainda o assombrava em algumas noites. Não, ser pai nunca.

Acordou a sentir-se asfixiar, suado e completamente enrodilhado nos lençóis soltos, que o rodeavam como algas, verdes, compridas e peganhentas. João olhava-os e não reconhecia neles simples tecido, embarcava no seu delírio, sem se aperceber que já não dormia. Gritou desesperado, lutando contra o que o apertava e limitava os movimentos, quando conseguiu alcançar a luz da mesa de cabeceira e saiu da alucinação, olhando o quarto espantado, com a respiração acelerada e o coração prestes a sair-lhe do peito. Soltou-se dos panos, levantou-se e procurou na casa de banho o comprimido de SOS, agarrando no édredon caído no chão e arrastando-se até à sala. Sentou-se no sofá, embrulhado na colcha fofa e obrigou-se a respirar ritmadamente, com a cabeça apoiada nas mãos. Ainda faltava bastante para nascer o dia, lamentou-se angustiado. Pensou em telefonar para casa dela, mas conseguiu resistir à tentação, seria uma loucura acordá-la a meio da noite para lhe pedir que cantasse aquele mantra  que aprendera de tarde, e simplesmente não se conseguia recordar. Om shanti… qualquer coisa. A letra era estranhíssima, mas a música agradara-lhe bastante, especialmente cantado por ela. Teria de lhe pedir para a gravar a cantar, com a desculpa de que aprenderia mais depressa. Aquilo era calmante, e ajudaria bastante nas noites de pesadelos, concluía, esticando-se no sofá a imaginar os cânticos da tarde.


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segunda-feira, 16 de abril de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 5 (1ª parte)


     


       - Amanhã não estou cá ao final do dia. – avisou-o, enquanto apanhava os lençóis já secos. – Vou jantar a casa de uma amiga.
       - Ah, eu também não posso amanhã, calha bem. – comentou, agarrando nas pontas do pano e ajudando automaticamente. – E ainda não falámos sobre o preço das aulas. – tinha de definir isso para não se sentir abusador.
      - Ontem não fizeste nada para além de dormir. Hoje já me ajudaste a lavar a roupa. – enumerou – Está saldado.
        - Não Senhora! Isso não tem jeito nenhum. – reclamou honestamente incomodado.
        - Já disse. – repreendeu-o no mesmo tom com que se dirigia a Filipe.
        - Teimosa.
        - Pois sou.
      João não insistiu mais, não valia a pena estarem a acabar o dia zangados. Iria falar com Elisabete, a mulher de César e ficaria a saber quanto custava uma aula. Não queria cá pagamentos de hippies, e ela de certeza que precisaria mais de dinheiro que ele.
        - Tudo bem. Mas vais lavar lençóis todos os dias? É que isto cansa. – brincou, levando-lhe os panos dobrados para dentro de casa, não sem que ela reclamasse desse gesto.
        - Não sei com que regularidade pensas vir ter aulas. – disse de forma prática – Eu estou sempre em casa depois do almoço, só dou aulas de manhã e durante uns meses não vou fazer voluntariado. Ainda não recuperei totalmente das últimas visitas. – explicou, sentando-se no sofá com as pernas esticadas na mesinha de centro.
        - E namoradas? – provocou ele, curioso com esse lado pessoal dela.
        - Por agora estou livre. – respondeu meio incomodada, tentando disfarçar.
       - Então, se não te importares, venho de segunda a sexta. – disse encostando a cabeça no cadeirão e sentindo-se a ceder ao cansaço.
   - Ok, isso vai-te sair caro. Não tenho roupa suficiente para lavares. – gracejou, genuinamente satisfeita por saber que iria ter a companhia dele diariamente.
       - Também sei passar a ferro.
       - Sabes? – perguntou espantada.
  - Não… - sorriu e fechou os olhos que lhe pesavam toneladas, adormecendo instantaneamente.
    - Pronto. Lá vai ele outra vez… - levantou-se e tapou-o com uma manta que tinha sempre por ali para se aconchegar a ler, dirigindo-se depois à cozinha para começar a fazer o jantar. Era muito estranha aquela necessidade que ele tinha de dormir, andaria de noite acordado?


    - Estava quase para ir à polícia denunciar um desaparecimento. – gracejou Salvador feliz por ver de novo o amigo e cumprimentando-o efusivamente.
   - Então, estás bom? Tenho andado ocupado. – explicou, pedindo-lhe um fino e uns aperitivos.
      - É muita gaja, não é? Eu compreendo. – provocou o amigo sorridente.
   - Por acaso é só uma, mas é lésbica. – respondeu João satisfeito com a cara de horrorizado de Salvador.
      - Quê? Mas agora viraste lésbico? – brincou curioso.
     - Não, ando a ter aulas de Yoga ao final do dia, e a minha professora é lésbica. – explicou bebendo o fino quase todo.
     - Mas que confusão. – exclamou abanando a cabeça – Bem, eu também já andei no Yoga, mas fartei-me. Ao menos é boa?
     - Por acaso é. – confessou meio angustiado. – Mal empregada. – Ela era de facto bonita, e embora andasse sempre vestida com uns trapos largos, conseguia perceber-se um corpo delgado, mas torneado, para além do cabelo que o agradava bastante, por ser comprido e o facto de ela ser simpática e nada fútil, também lhe davam uma certa dor de barriga. Quando estava com ela não sentia nada daquilo, estando completamente descontraído e à vontade, mas depois ficava meio esquisito, pensava culpado.
    - Deixa lá isso. – acalmou-o Salvador, como que lendo os seus pensamentos – Pode ser que ela vire. Enquanto isso não acontece, chegou a louraça que noutro dia te queria engolir a cara! – apontou divertido para a porta, afastando-se para ir atender outros clientes.
João tentou passar despercebido, mas a Nélia já o reconhecera ao longe, avançando decidida na sua direção.
     - Olá. Pagas-me um vodka laranja? Acho que é o mínimo que podias fazer, depois da outra noite. – lançou ela sorridente. Ali tinha ficado um assunto pendente e ela não era mulher de desistir tão facilmente.
   - Claro que sim. E desculpa o que aconteceu. Acho que já tinha bebido demais, estava maldisposto. – mentiu, chamando Salvador com um sinal e pedindo-lhe a bebida de forma educada.
   Nélia ficou satisfeita com a atitude e beijou-o sem pudores, voltando para o seu espaço como se nada se tivesse passado.
   - Então e hoje? Vais mostrar-me a tal surpresa? – piscou-lhe o olho traçando a perna mesmo de frente para ele.
   - Pois, parece que sim. – respondeu hipnotizado com as manobras sedutoras da loira assanhada. – Vamos dançar?


    Saíram do bar cedo, João tinha arranjado companhia sem grandes dificuldades, e estava decidido a usufruir daquela prenda fácil, conduzindo o carro em direção a casa, apressado. Nélia usava de todos os seus truques para o manter interessado, não seria descartada naquela noite, pensava orgulhosa de si mesma. Já lhe tinham dito que ele era estranho, mas rico, e juntando a isso tinha muito bom ar, o homem perfeito para agarrar. Iria proporcionar-lhe uma noite inesquecível e depois logo pensaria numa forma de o continuar a ver.
João parou o carro no loteamento privado do condomínio exclusivo em que vivia, deu-lhe a mão para a ajudar a sair do carro com aquela saia tão curta e apertada e lembrou-se de que a Marta teria sérias dificuldades em se movimentar pela quinta se andasse assim vestida. Mas de onde surgiu isto agora? Olhou para Nélia, numa tentativa de visualizar bem quem ali estava e tirar a professora de yoga da mente. Beijou-a contra o carro, violentamente e arrastou-a sem cerimónias até casa.
Entraram no apartamento silencioso e escuro e Nélia ficou encantada com o ar sofisticado de tudo aquilo. Era de facto um homem afortunado, pensava radiante. João levou-a até ao quarto e despiram-se freneticamente, numa pressa incómoda e sem sentido, constatava João, que se sentira mais excitado naquele dia a dobrar lençóis do que no quarto com uma mulher nua. Algo de errado se estava a passar, lamentava-se nervoso. Nélia estacou em cima dele, parando repentinamente os seus movimentos duros e impessoais, e João temeu o pior. Se não conseguisse terminar aquilo iria ser muito desagradável, nenhum homem gostava de ficar mal visto naquelas matérias.
- O que é isto? – perguntou Nélia inclinando-se para a mesa de cabeceira curiosa e sorridente. Pegou no livro, sem sair de cima de João e mostrou-lho, bem disposta.
- Ando a ler… - conseguiu dizer, aparvalhado com a sensação de estar a corar.
- Muito bem, Sr Dr. – ronronou Nélia – vamos lá então escolher uma página ao acaso e imitar!
- Não me parece má ideia. – disse honestamente. Pegou no livro e abriu-o, calhando numa das posições mais estranhas e humanamente impossíveis que já tinha visto. Lembrou-se de Ganesha, com todos aqueles braços, esse conseguiria de certeza acertar com aquilo. Os membros extra seriam uma vantagem. Precisava de perguntar à Marta se ela já tinha experimentado, mas lembrou-se que ela era lésbica, seria difícil fazer aquilo sem um homem, ou talvez tivessem alguma técnica diferente para gays… Não reparara que já tinha terminado tudo e que Nélia lhe beijava a boca sem o deixar respirar, libertando-se dela e fazendo um leve compasso de espera até ao momento educado de a conseguir despachar. Queria ler novamente o capítulo da parte espiritual e objectivos do Sexo Tântrico. Tinha lido tudo aquilo na diagonal, com pressa de chegar às imagens, e deveria ser interessante perceber como é que ela conseguia fazê-lo.

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