quinta-feira, 3 de maio de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 7 (3ª parte)




João saiu do duche mais fresco e revigorado, mas ainda com aquelas cólicas incómodas na barriga, que não o deixavam em paz. Tinha prometido ao Salvador que o ia visitar à noite, e por muito que não lhe apetecesse, seria bem melhor que estar para ali sozinho a pensar nela. Vestiu-se, sempre revivendo a imagem dela na canoa, a espalhar suavemente água pelo corpo, cada vez mais intensa nos movimentos, e a olhá-lo provocadoramente. Quando calçou os sapatos, Marta já vinha de joelhos equilibrada na canoa na sua direção, agarrando-se-lhe ao pescoço, beijando-o.
- Porra! – bufou, levantando-se da cama enfurecido com a sua mente indisciplinada. – Mas que merda! – agarrou nas chaves e carteira com um gesto brusco e saiu batendo a porta com estrondo. A sua vontade era ir direito à casa dela e tirar a limpo a história de que ela não gostava de homens, pensava enraivecido, carregando nos botões do elevador com força. Tinha quase a certeza de que ela tinha ficado excitada quando lhe massajou as pernas e os pés debaixo da mesa ao almoço. Já não era nenhum garoto sem experiência, sabia que ela tinha gostado, e aquele brilho no olhar… - Podes parar, pelo amor de Deus? – pediu a si mesmo em voz alta, engolindo em seco com a lembrança do toque suave da sua pele. Entrou no carro e carregou no acelerador obrigando-se a manter a rota em direção ao bar. Tinha de se acalmar, recuperar o bom senso, aquela energia sexual frustrada era muito má conselheira, pensou, abrindo o vidro e respirando o ar fresco da rua. E era só isso que o punha louco, falta de sexo, explicava a si mesmo. Nada mais.

-Volta aqui, não torno a pedir… - Tiago esticou a mão, num raro gesto de carinho, pedindo-lhe que voltasse para dentro do carro. Isabel engoliu em seco e obedeceu, não queria chateá-lo, faltava muito pouco para se livrar daquele pesadelo. Só mais um mês… encorajava-se, pedindo aos Céus que ele não lhe batesse, não ali, à luz do dia. Filipe seguiu-a, entrando no carro com um leve rosnar. – O que é que esse cão quer? – berrou Tiago, canalizando a sua fúria para o pequeno animal que gania, tentando esconder-se debaixo dos bancos do carro. - Para, por favor, ele ainda é bebé! Bate-me a mim! – implorou, chorando e agarrando-lhe nos braços que se mexiam freneticamente. Tiago endireitou-se no banco e retomou a respiração calma, ignorando-a e ligando o motor do carro, como se nada se tivesse passado. Filipe não emitiu mais nenhum som, mantendo-se em pânico escondido, e Isabel fazia força para não chorar, o que o irritaria ainda mais. Nenhum dos dois falou até casa, Isabel pegou no pequeno animal e entrou no solar, sorrindo para a Dona Adelaide, sua segunda mãe, que a conhecia melhor que ninguém e que não aprovava aquele casamento. Entrou no quarto, evitando conversas e Tiago seguiu-a, trancando a porta e colocando a chave no bolso, devagar e ameaçadoramente. – O que foi, Tiago? – gemeu, a tremer com o silêncio dele. – Não me pediste que te batesse?”

Acordou do transe quando Filipe lhe começou a lamber a cara, limpando-lhe as lágrimas que caíam sem parar. Marta isolara-se na sala de prática de yoga, onde normalmente conseguia recuperar a estabilidade emocional e evitar preocupações, mas o facto de estar a envolver-se com outra pessoa exumava velhos cadáveres que tinham sido enterrados com dificuldade. Lembranças dolorosas sobre casamento, relacionamento amoroso, sufocavam-na, destabilizando-lhe as emoções que, desde que conhecera João, andavam em remoinho dentro dela. Abraçou o cão, companheiro do seu martírio, e chorou mais um pouco. Precisava de se afastar de tudo aquilo, disse a si mesma decidida. Levantou-se, fez a mala, trancou a casa e saiu. Quanto mais depressa, melhor.


- Olha, olha, o Pinga-Amor! – gozou Salvador, cumprimentando João que se sentou amuado ao balcão.
- Um whisky. – disse secamente, olhando-o com cara de poucos amigos.
- Então ouve lá, não trouxeste a professora para beber um copo?
- Não. Ela foi a Castelo Branco. – resmungou, já sem paciência para o aturar.
- Que pena… Mesmo lésbica, é uma alegria para as vistas! – brincou, à espera da reação do amigo.
- Olá! Era mesmo o gajo que eu precisava de encontrar! – disse entusiasmado a um amigo que acabava de se sentar ao seu lado.
- Então João, tudo bem? Olá Salvador, o mesmo que aqui o Dr. – disse, divertido com a súbita rima.
- Ainda trabalhas na Câmara Municipal?
- Claro! Precisas de alguma coisa? – respondeu prontamente.
- Sim, cobrar aquele favorzito. – explicou, sorrindo-lhe satisfeito.
- Fala baixo. – advertiu-o, olhando desconfortável ao seu redor, com medo que João falasse algo que o prejudicasse. – O que é que queres?
- Sim, João, o que é que tu queres dos serviços municipais? – perguntou Salvador, a rejubilar com aquilo, e posicionando-se mais de perto para descobrir o que o amigo andava a magicar, mas já com uma leve ideia do que seria. Marta explicara-lhes ao almoço os problemas que tinha com a Câmara há vários anos, e um mais um eram dois.
João olhou-o com censura, mas ignorou-o propositadamente, voltando-se para o amigo do lado.
- Tens de me resolver um problema de saneamento. Aponta aí a morada, e nada de desculpas de político. – disse prontamente, indicando a morada e o local exacto.
- Não sei se consigo isto para já… - reagiu sem jeito, pensando na trabalheira que iria ter para conseguir corresponder ao pedido.
- Esta semana. A proprietária vai estar fora esta semana, e é bom que quando ela chegue possa abrir a torneira da água em usar a água da rede! – ordenou, dando-lhe uma palmada de solidariedade nas costas.
- Fogo João, só me lixas… - resmungou, levantando-se e afastando-se com o whisky na mão.
- O Amor é louco, não façam pouco, dessa loucura! – cantarolou Salvador, fugindo do braço de João, que o tentava agarrar para o calar.
- Eu não gosto dela! Para com isso! Só estou a tentar ajudar. – explicou-se, aborrecido.
- Então se não gostas, prova-o. Chegou agora a tua outra amiga do peito, a louraça. – indicou-lhe com o queixo. – Quero ver se também lhe vais pedir algum favor para a Marta…
- Vai-te f… - não terminou a palavra, sendo abraçado por Nélia, sem cerimónias.
- Olá… - ronronou, beijando-o nas duas faces.
- Olá, tudo bem? Vamos? – agarrou-a por um braço e indicou-lhe o caminho, dirigindo-a para fora do bar, enquanto Salvador abanava a cabeça divertido com o temperamento explosivo de João.
- Mas que pressa! Vamos aonde? – perguntou entusiasmada.
“Aonde”?, pensou João entristecido com a forma parola com que a Nélia falava sem disfarçar. Se havia coisa que lhe tirava a tesão eram gajas brejeiras, lamentou-se. Mas sentia-se carregado de fúria, frustração e energia por gastar, e ela gostava do sexo ranhoso que ele conseguia oferecer-lhe. Melhor que aquilo, impossível.



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