João saiu do duche mais fresco e revigorado,
mas ainda com aquelas cólicas incómodas na barriga, que não o
deixavam em paz. Tinha prometido ao Salvador que o ia visitar à
noite, e por muito que não lhe apetecesse, seria bem melhor que
estar para ali sozinho a pensar nela. Vestiu-se, sempre revivendo a
imagem dela na canoa, a espalhar suavemente água pelo corpo, cada
vez mais intensa nos movimentos, e a olhá-lo provocadoramente.
Quando calçou os sapatos, Marta já vinha de joelhos equilibrada na
canoa na sua direção, agarrando-se-lhe ao pescoço, beijando-o.
- Porra! – bufou, levantando-se da cama
enfurecido com a sua mente indisciplinada. – Mas que merda! –
agarrou nas chaves e carteira com um gesto brusco e saiu batendo a
porta com estrondo. A sua vontade era ir direito à casa dela e tirar
a limpo a história de que ela não gostava de homens, pensava
enraivecido, carregando nos botões do elevador com força. Tinha
quase a certeza de que ela tinha ficado excitada quando lhe massajou
as pernas e os pés debaixo da mesa ao almoço. Já não era nenhum
garoto sem experiência, sabia que ela tinha gostado, e aquele brilho
no olhar… - Podes parar, pelo amor de Deus? – pediu a si mesmo em
voz alta, engolindo em seco com a lembrança do toque suave da sua
pele. Entrou no carro e carregou no acelerador obrigando-se a manter
a rota em direção ao bar. Tinha de se acalmar, recuperar o bom
senso, aquela energia sexual frustrada era muito má conselheira,
pensou, abrindo o vidro e respirando o ar fresco da rua. E era só
isso que o punha louco, falta de sexo, explicava a si mesmo. Nada
mais.
“-Volta aqui, não torno a pedir… -
Tiago esticou a mão, num raro gesto de carinho, pedindo-lhe que
voltasse para dentro do carro. Isabel engoliu em seco e obedeceu, não
queria chateá-lo, faltava muito pouco para se livrar daquele
pesadelo. Só mais um mês… encorajava-se, pedindo aos Céus que
ele não lhe batesse, não ali, à luz do dia. Filipe seguiu-a,
entrando no carro com um leve rosnar. – O que é que esse cão
quer? – berrou Tiago, canalizando a sua fúria para o pequeno
animal que gania, tentando esconder-se debaixo dos bancos do carro. -
Para, por favor, ele ainda é bebé! Bate-me a mim! – implorou,
chorando e agarrando-lhe nos braços que se mexiam freneticamente.
Tiago endireitou-se no banco e retomou a respiração calma,
ignorando-a e ligando o motor do carro, como se nada se tivesse
passado. Filipe não emitiu mais nenhum som, mantendo-se em pânico
escondido, e Isabel fazia força para não chorar, o que o irritaria
ainda mais. Nenhum dos dois falou até casa, Isabel pegou no pequeno
animal e entrou no solar, sorrindo para a Dona Adelaide, sua segunda
mãe, que a conhecia melhor que ninguém e que não aprovava aquele
casamento. Entrou no quarto, evitando conversas e Tiago seguiu-a,
trancando a porta e colocando a chave no bolso, devagar e
ameaçadoramente. – O que foi, Tiago? – gemeu, a tremer com o
silêncio dele. – Não me pediste que te batesse?”
Acordou do transe quando Filipe lhe começou a
lamber a cara, limpando-lhe as lágrimas que caíam sem parar. Marta
isolara-se na sala de prática de yoga, onde normalmente conseguia
recuperar a estabilidade emocional e evitar preocupações, mas o
facto de estar a envolver-se com outra pessoa exumava velhos
cadáveres que tinham sido enterrados com dificuldade. Lembranças
dolorosas sobre casamento, relacionamento amoroso, sufocavam-na,
destabilizando-lhe as emoções que, desde que conhecera João,
andavam em remoinho dentro dela. Abraçou o cão, companheiro do seu
martírio, e chorou mais um pouco. Precisava de se afastar de tudo
aquilo, disse a si mesma decidida. Levantou-se, fez a mala, trancou a
casa e saiu. Quanto mais depressa, melhor.
- Olha, olha, o Pinga-Amor! – gozou Salvador,
cumprimentando João que se sentou amuado ao balcão.
- Um whisky. – disse secamente, olhando-o com
cara de poucos amigos.
- Então ouve lá, não trouxeste a professora
para beber um copo?
- Não. Ela foi a Castelo Branco. –
resmungou, já sem paciência para o aturar.
- Que pena… Mesmo lésbica, é uma alegria
para as vistas! – brincou, à espera da reação do amigo.
- Olá! Era mesmo o gajo que eu precisava de
encontrar! – disse entusiasmado a um amigo que acabava de se sentar
ao seu lado.
- Então João, tudo bem? Olá Salvador, o
mesmo que aqui o Dr. – disse, divertido com a súbita rima.
- Ainda trabalhas na Câmara Municipal?
- Claro! Precisas de alguma coisa? –
respondeu prontamente.
- Sim, cobrar aquele favorzito. – explicou,
sorrindo-lhe satisfeito.
- Fala baixo. – advertiu-o, olhando
desconfortável ao seu redor, com medo que João falasse algo que o
prejudicasse. – O que é que queres?
- Sim, João, o que é que tu queres dos
serviços municipais? – perguntou Salvador, a rejubilar com aquilo,
e posicionando-se mais de perto para descobrir o que o amigo andava a
magicar, mas já com uma leve ideia do que seria. Marta
explicara-lhes ao almoço os problemas que tinha com a Câmara há
vários anos, e um mais um eram dois.
João olhou-o com censura, mas ignorou-o
propositadamente, voltando-se para o amigo do lado.
- Tens de me resolver um problema de
saneamento. Aponta aí a morada, e nada de desculpas de político. –
disse prontamente, indicando a morada e o local exacto.
- Não sei se consigo isto para já… - reagiu
sem jeito, pensando na trabalheira que iria ter para conseguir
corresponder ao pedido.
- Esta semana. A proprietária vai estar fora
esta semana, e é bom que quando ela chegue possa abrir a torneira da
água em usar a água da rede! – ordenou, dando-lhe uma palmada de
solidariedade nas costas.
- Fogo João, só me lixas… - resmungou,
levantando-se e afastando-se com o whisky na mão.
- O Amor é louco, não façam pouco, dessa
loucura! – cantarolou Salvador, fugindo do braço de João, que o
tentava agarrar para o calar.
- Eu não gosto dela! Para com isso! Só estou
a tentar ajudar. – explicou-se, aborrecido.
- Então se não gostas, prova-o. Chegou agora
a tua outra amiga do peito, a louraça. – indicou-lhe com o queixo.
– Quero ver se também lhe vais pedir algum favor para a Marta…
- Vai-te f… - não terminou a palavra, sendo
abraçado por Nélia, sem cerimónias.
- Olá… - ronronou, beijando-o nas duas
faces.
- Olá, tudo bem? Vamos? – agarrou-a por um
braço e indicou-lhe o caminho, dirigindo-a para fora do bar,
enquanto Salvador abanava a cabeça divertido com o temperamento
explosivo de João.
- Mas que pressa! Vamos aonde? – perguntou
entusiasmada.
“Aonde”?, pensou João entristecido com a
forma parola com que a Nélia falava sem disfarçar. Se havia coisa
que lhe tirava a tesão eram gajas brejeiras, lamentou-se. Mas
sentia-se carregado de fúria, frustração e energia por gastar, e
ela gostava do sexo ranhoso que ele conseguia oferecer-lhe. Melhor
que aquilo, impossível.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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