Nélia
caiu para o lado vazio da cama, estoirada com aquela abordagem animal
que não sabia que João possuía. Da primeira vez fora patético,
mas naquela noite parecia outra pessoa, determinado, possessivo e
sexy. Talvez começasse a gostar da sua companhia, desejou
esperançosa, posicionando-se de lado, à espera que ele a olhasse
apaixonado. João levantou-se, pegou na carteira, tirou uma nota e
poisou-a na mesa de cabeceira.
-
Chama um táxi, está aqui o dinheiro. – disse, sem sequer a olhar,
enfiando-se cobardemente na casa de banho e fechando a porta.
Ficou
a olhar o dinheiro, com os olhos rasos de água, sem reação. Depois
de uns minutos de perplexidade, começou a pensar novamente e
vestiu-se, sentindo uma humilhação que a queimava por dentro. Já
tinha alcançado o limite da dignidade, sentia-se uma puta. Pegou na
nota, saiu porta fora, entrando apressada no elevador enquanto olhava
a sua figura ordinária no espelho. Uma mulher suja e descabelada
mirava-a com pena, recriminando-a. Duas lágrimas grossas caíram dos
olhos da sujeita, e Nélia chorou com ela, explodindo de raiva.
Engoliu
dois comprimidos inteiros, depois de dar dois murros na porta da casa
de banho, e quase partir um dedo. Marta não lhe saíra da cabeça o
tempo todo, imaginando-a na sua cama, fantasiando que a outra era
ela, a que realmente queria que ali estivesse. Salvador tinha razão,
lamentou-se agoniado, estava apaixonado pela professora. Meteu-se no
duche e deixou-se ficar tempo suficiente para que Nélia já tivesse
desaparecido de sua casa, não conseguiria encará-la. Fora uma
autêntica besta, pensou, engolindo em seco.
-
Menina Isabel! – exclamou Adelaide em êxtase ao ver a sua querida
menina, depois de tanto tempo, à porta de casa.
-
Dazinha… - caiu-lhe nos braços, largando as malas, e matando as
saudades daquele abraço caloroso e forte.
-
Entre, entre, mas que horas são? Veio a conduzir sozinha a estas
horas da noite? – reagiu preocupada, depois de se recompor.
-
Ainda não é meia-noite. Mas está tudo bem, eu vim devagar. –
descansou-a – O que interessa é que cheguei, sã e salva. Os meus
pais já estão a dormir? – perguntou enquanto olhava a sua casa
com carinho, apercebendo-se de que tinha muitas saudades de tudo
aquilo.
-
Já querida. Já dormem há muitas horas. Sabe como é, o seu
paizinho deita-se com as galinhas! – brincou, ajudando-a a carregar
as malas até ao quarto.
-
Então deixemo-los descansar. Amanhã de manhã faço-lhes uma
surpresa! – beijou a empregada carinhosamente e poisou as suas
coisas na cama de dossel. – Também preciso de dormir. E tomar
banho! – sorriu de orelha a orelha imaginando a sua banheira.
-
Faça isso menina. Quer que lhe traga uma frutinha e um chá? –
perguntou emocionada com a visão da sua menina de volta em casa,
como antigamente.
-
Se não for dar muito trabalho… - abraçou-a, enquanto a empregada
saía do quarto diligente.
-
Nunca foi trabalho. – beijou a face de Isabel e saiu a fungar,
limpando os cantos dos olhos com um pequeno lenço de tecido.
Isabel
fechou a porta, olhou em volta e deu um abraço em Filipe, que se
colocou de pé, com as patas possessivas em cima dela.
-
Não te preocupes, ele já não vive cá. – descansou o animal que
certamente tinha medo daquele lugar. Tinham vivido horrores naquele
quarto, mas Isabel esforçava-se por só visualizar o passado feliz
da sua infância e adolescência, antes de Tiago ter entrado nas suas
vidas, quando aquele quarto era o palco de histórias de princesas e
cavaleiros apaixonados, e o futuro era uma doce expectativa no
coração de uma menina sonhadora.
Libertou-se
do cão, despiu-se e encheu a banheira, entrando devagar. Que
saudades… pensou feliz.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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