sexta-feira, 4 de maio de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 8 (1ª parte)




      Nélia caiu para o lado vazio da cama, estoirada com aquela abordagem animal que não sabia que João possuía. Da primeira vez fora patético, mas naquela noite parecia outra pessoa, determinado, possessivo e sexy. Talvez começasse a gostar da sua companhia, desejou esperançosa, posicionando-se de lado, à espera que ele a olhasse apaixonado. João levantou-se, pegou na carteira, tirou uma nota e poisou-a na mesa de cabeceira.
      - Chama um táxi, está aqui o dinheiro. – disse, sem sequer a olhar, enfiando-se cobardemente na casa de banho e fechando a porta.
     Ficou a olhar o dinheiro, com os olhos rasos de água, sem reação. Depois de uns minutos de perplexidade, começou a pensar novamente e vestiu-se, sentindo uma humilhação que a queimava por dentro. Já tinha alcançado o limite da dignidade, sentia-se uma puta. Pegou na nota, saiu porta fora, entrando apressada no elevador enquanto olhava a sua figura ordinária no espelho. Uma mulher suja e descabelada mirava-a com pena, recriminando-a. Duas lágrimas grossas caíram dos olhos da sujeita, e Nélia chorou com ela, explodindo de raiva.

     Engoliu dois comprimidos inteiros, depois de dar dois murros na porta da casa de banho, e quase partir um dedo. Marta não lhe saíra da cabeça o tempo todo, imaginando-a na sua cama, fantasiando que a outra era ela, a que realmente queria que ali estivesse. Salvador tinha razão, lamentou-se agoniado, estava apaixonado pela professora. Meteu-se no duche e deixou-se ficar tempo suficiente para que Nélia já tivesse desaparecido de sua casa, não conseguiria encará-la. Fora uma autêntica besta, pensou, engolindo em seco.

    - Menina Isabel! – exclamou Adelaide em êxtase ao ver a sua querida menina, depois de tanto tempo, à porta de casa.
    - Dazinha… - caiu-lhe nos braços, largando as malas, e matando as saudades daquele abraço caloroso e forte.
    - Entre, entre, mas que horas são? Veio a conduzir sozinha a estas horas da noite? – reagiu preocupada, depois de se recompor.
     - Ainda não é meia-noite. Mas está tudo bem, eu vim devagar. – descansou-a – O que interessa é que cheguei, sã e salva. Os meus pais já estão a dormir? – perguntou enquanto olhava a sua casa com carinho, apercebendo-se de que tinha muitas saudades de tudo aquilo.
     - Já querida. Já dormem há muitas horas. Sabe como é, o seu paizinho deita-se com as galinhas! – brincou, ajudando-a a carregar as malas até ao quarto.
    - Então deixemo-los descansar. Amanhã de manhã faço-lhes uma surpresa! – beijou a empregada carinhosamente e poisou as suas coisas na cama de dossel. – Também preciso de dormir. E tomar banho! – sorriu de orelha a orelha imaginando a sua banheira.
       - Faça isso menina. Quer que lhe traga uma frutinha e um chá? – perguntou emocionada com a visão da sua menina de volta em casa, como antigamente.
       - Se não for dar muito trabalho… - abraçou-a, enquanto a empregada saía do quarto diligente.
      - Nunca foi trabalho. – beijou a face de Isabel e saiu a fungar, limpando os cantos dos olhos com um pequeno lenço de tecido.
Isabel fechou a porta, olhou em volta e deu um abraço em Filipe, que se colocou de pé, com as patas possessivas em cima dela.
      - Não te preocupes, ele já não vive cá. – descansou o animal que certamente tinha medo daquele lugar. Tinham vivido horrores naquele quarto, mas Isabel esforçava-se por só visualizar o passado feliz da sua infância e adolescência, antes de Tiago ter entrado nas suas vidas, quando aquele quarto era o palco de histórias de princesas e cavaleiros apaixonados, e o futuro era uma doce expectativa no coração de uma menina sonhadora.
       Libertou-se do cão, despiu-se e encheu a banheira, entrando devagar. Que saudades… pensou feliz.


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(imagem, internet)

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