segunda-feira, 7 de maio de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 8 (2ª parte)




      “- Odeio-te, deixa-me em paz! – gritou Isabel, fechando a porta do quarto na cara de João. – Deixa-te de histerismos! – berrou-lhe de volta, dando uma palmada na porta. Aquele casamento estava a ir por água abaixo, pensou, farto de tudo aquilo. – Eu só queria um filho, egoísta de merda! – exclamou descontrolada de dentro do quarto. João sabia que um dia ela lhe iria atirar aquilo à cara. Agora era tarde demais, Isabel não poderia engravidar nos próximos anos, teria de tratar o cancro primeiro. Era óbvio que ela temia morrer, sabia-o, e ele não lhe tinha concretizado o sonho antes disso. Engoliu em seco, pegou nas chaves e saiu. Se ela morresse não teria hipótese de se redimir. Mais uma culpa para juntar ao rol.”

     - Dr. João, Dr.! – chamou Diana, receosa de que o patrão a repreendesse por estar a interromper o seu transe habitual.
    - Sim? – olhou-a desconcertado, confuso com todas as lembranças que o perseguiam desde sábado à noite.
   - Posso mandar entrar a paciente? – já estavam atrasados nas consultas, o médico estava particularmente pouco eficiente naquela segunda-feira, e as pessoas começavam a reclamar na sala de espera.
     - Sim, claro. – respondeu sem vida.
     - Dona Sara Mendes, pode entrar por favor. – indicou Diana, abrindo mais a porta para a senhora de meia idade.
   - dona… - rosnou João baixinho, recriminando a forma pouco educada de se chamar uma Senhora daquelas. Mas seria possível que só lhe arranjassem funcionárias burras? – Bom dia Sara, como vai? – cumprimentou-a cerimoniosamente, deixando-a sentar primeiro, e depois retomando o seu lugar na cadeira em frente.
    - Bom dia Dr., estou um pouco melhor, acho eu. – confessou pouco convencida, descontraindo na cadeira.
     - Bem, já é um começo. Tem feito a medicação que lhe receitei? Dorme melhor?
    - Sim, tudo direitinho, durmo muito bem. Pareço uma pedra, acordo de manhã fresca que nem uma alface! – brincou, dando uma leve gargalhada, de olhos tristes.
     - Mas…
     - Mas… dormir bem não é o suficiente.
     - E o que acha que seria o suficiente para si?
   - Um pouco de atenção, que o meu marido me olhasse de vez em quando… - confessou envergonhada.
     - Sim, seria o mínimo que um marido deveria fazer pela mulher. – disse sentindo um buraco de culpa no estômago.
     - Cada vez estamos mais afastados. Não consigo alterar o rumo que o nosso casamento está a levar.
      O telefone interrompeu a consulta, deixando João aborrecido.
     - Peço desculpa Sara, deve ser urgente para a minha secretária estar a ligar. – desculpou-se, atendendo o telefonema.
      - Faça favor, Dr. Não se preocupe.
      - Sim? – disse bruscamente.
     - Dr., tenho ao telefone uma senhora que insistiu muito em falar consigo, diz que é urgente, não consigo despachá-la… - explicou Diana em pânico.
      - Mas quem é?
    - Uma tal de Ganesha. – temia ouvir um berro do outro lado da linha, a mulher devia ser uma lunática qualquer e ouviria poucas e boas do patrão.
     - Passe. – disse secamente, sentindo o coração a explodir de entusiasmo. Era ela! – Desculpe, é uma chamada importante, serei rápido. – informou a paciente, que o olhava curiosa. – Estou?
     - Olá. Estou a interromper? – Marta sentia o coração na boca, a atrapalhar-lhe o discurso.
    - Não. Ainda bem que ligaste… - murmurou para o telefone, virando-se ligeiramente para o lado, para evitar o olhar da paciente.
   - Não sei o teu número de telemóvel… e pensei que gostasses de saber que cheguei bem. – enrolava os dedos no cabo do telefone, nervosa.
    - Ainda bem,… e o Filipe? Está bem? – perguntou, olhando na direção contrária da mulher que o examinava a ele e ao seu telefonema.
     - Nem por isso… anda abatido, acho que tem saudades tuas… - sentiu toda a sua face corar de repente.
      - Só ele? – esfregava a mão livre na perna, nervoso.
      - Não. – disse, depois de uns momentos de silêncio.
     - Posso ligar-te mais tarde? – olhou a paciente com um sorriso amarelo, sentindo-se a escaldar de vergonha.
      - Eu ligo. Vou pedir o teu número à deusa da caça! – brincou – Beijos.
    - Ok, até logo então. – desligou o telefone, encarando a senhora, que lhe sorria divertida, deixando-o ainda mais encavacado. – Uma chamada urgente… - pigarreou, retomando uma postura profissional, com a cara ainda a ferver.
      - Não há problema nenhum. – disse educadamente a senhora, sorrindo com vontade. Era muito reconfortante sentir que aqueles médicos, normalmente tão seguros de si mesmos, também possuíam um lado humano, e este, estava apaixonado.
    - Bem, dizia-me que gostaria de mais atenção, dedicação, é compreensível, uma vida inteira dedicada à família, quando os filhos começam a ser independentes, é normal as mães se sentirem subitamente sós.
    - É isso mesmo, fiquei subitamente sozinha e isso põe-me triste e perdida. Mas é tudo uma questão de adaptação, certo? – perguntou esperançosa. Sem que ele tivesse percebido, aquele telefonema animara-os aos dois. Algo de muito simples lhe surgira na mente, a visão do que os seus próprios filhos deveriam sentir, agora que se dedicavam a outros amores, que não os maternais, e ela não os podia censurar. Era a paixão, o amor, o desejo que os apanhava desprevenidos, tal como aquele médico ficara ao ouvir a voz da sua paixão do outro lado do telefone. Completamente apanhado!

     Saiu do quarto onde se isolara para fazer o telefonema que a deixara sem sono de domingo para segunda. A Dazinha tinha ficado de “orelhas em pé”, tal como o Filipe, tinham os dois um “faro” incrível quando o assunto eram os seus sentimentos. Precisava de a descansar de que estava tudo bem e a razão do seu nervosismo não era medo, mas entusiasmo por ouvir a voz dele… Parecera-lhe triste, abatido, mas mais logo telefonaria e descobriria o que se passava. Secretamente desejava que estivesse assim por sentir a sua falta, mas isso já seria pedir muito, concluiu pouco segura de si mesma. Porque haveria ele de se afetar com saudades, se apenas estava longe há um dia? Sacudiu os seus raciocínios da mente e entrou na cozinha, abrindo um sorriso franco ao ver o seu bolo preferido a sair do forno.
      - Ah! Que bom… Já te disse que te adoro?

    - Tem aí o registo da chamada de há pouco? – perguntou a Diana, que se sobressaltou com medo de ser repreendida por ter passado um telefonema a meio de uma consulta e ter dado o número pessoal do patrão à mulher persistente que lhe deu a volta demasiado rápido.
    - Sim, consigo ver isso, só um momento. – apressou-se a procurar o número nos registos do telefone moderno, encontrando-o prontamente. Ainda se recordava do indicativo diferente do de Coimbra. Pegou num post-it, escreveu rapidamente e entregou-lho sorrindo satisfeita. – Aí está!
     - Obrigado, até amanhã. – João deu meia volta e saiu, colocando o papel no bolso. Sentia-se pior que um garoto prestes a entrar num parque temático, uma excitação neurótica invadira-o desde que Marta o surpreendera com o telefonema depois de almoço. Esforçara-se por se concentrar, mas na sua cabeça apenas imaginava Marta a consolar Filipe, tristonho pela sua ausência, e isso punha-o estupidamente feliz. Não via a hora de chegar a casa, tomar banho e esperar pelo telefonema dela. E enquanto ela não ligasse, iria descobrir mais algumas coisas sobre o seu passado, ou tentar, pois apenas tinha um número de telefone e poderia ser inútil na sua pesquisa. Algo lhe dizia que Marta não era bem a pessoa que ele imaginara quando a conheceu. Independentemente do que ela fosse, o que ele queria mesmo era descobrir que ela o tinha enganado, que lhe mentira, e tivesse um motivo digno para o ter feito.
      Entrou no carro e conduziu o mais rapidamente possível até casa, queria privacidade para aquele telefonema, para a ouvir, sem interrupções nem distrações.


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