quarta-feira, 9 de maio de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 9 (1ª parte)




   - Então querida, ficas cá até quando? – perguntou Mariana, receosa de que a filha desaparecesse durante mais uma temporada sem deixar vestígios.
   - Ainda não decidi. Talvez até domingo. – Isabel pensava noite e dia nessa questão, remoendo-se de dúvidas. Queria partir o quanto antes para junto de João, mas se o fizesse naquele estado de espírito em que estava iria meter-se num problema maior que aquele em que já vivia diariamente. Lançar-se-ia nos seus braços, pondo-se em risco e pior que tudo, trazendo outra pessoa para o seu pesadelo. Não queria sequer imaginar que João fosse prejudicado ou atacado pelo seu fantasma de carne e osso.
   - Tu pensas que eu não te entendo, - interveio a mãe, pousando os talheres – sempre achaste que só a Adelaide é que te conhece, mas eu sei muito bem que esta tua vinda traz água no bico.
    - Não é nada disso mãe. – reagiu, espantada com o rumo da conversa, mais pessoal que o que habitualmente falava com Mariana. – Estava com saudades vossas.
    - Sim, não duvido. – limpou os cantos da boca com um gesto carregado de etiqueta – Mas uma mãe sabe quando a filha está a sofrer. O que se passou lá no sítio onde vives agora? – perguntou sem disfarçar a ironia na voz. Feria-a saber que a filha, a sua princesa, morava num pardieiro, juntamente com um cão horroroso.
   - Não sei o que fazer. – confessou, olhando a mãe com carinho e fingindo que não percebera o tom.
    - Como assim? Aquele animal tornou a procurar-te? – exclamou preocupada com a ideia de que o ex-genro continuasse a infernizar a filha.
    - Não… - respondeu, pouco certa de que ele não andasse sempre a rondá-la – Eu conheci uma pessoa. – conseguiu dizer corando.
    - Eu logo vi. E então? Não sabes o que fazer porquê?
   - Tenho receio de que o Tiago cumpra o que prometeu. – engoliu em seco com a recordação do dia do julgamento.
   - Isabel, tu viveste um horror que eu não consigo imaginar sequer, - pigarreou escondendo a emoção – nunca vivi nada assim, mas isso já passou. Já lá vão cinco anos, não achas que está na altura de ultrapassares isso? – questionou-a carinhosamente.
   - Sim, talvez… - uma lágrima caiu desamparada na toalha de linho – Mas prometi a mim mesma só voltar a tentar se encontrasse o tal…
   - Já pensaste em recorrer a um psicólogo, psiquiatra? – sugeriu a mãe, incomodada com o facto de que a filha ainda andasse deprimida – Acho que o fantasma agora só continua presente na tua vida porque o trazes dentro de ti.
Isabel olhou a mãe com admiração, aquelas palavras podiam estar mais certas do que Mariana imaginava. Sorriu-lhe, mais animada com a referência a um médico mental.
   - Ele é psiquiatra. – confessou, sentindo-se corar mais um pouco.
  - E ainda tens dúvidas de que ele é o tal? – piscou-lhe o olho, demonstrando uma rara cumplicidade maternal. – Vem aí o teu pai. Limpa as lágrimas e acabou esta conversa. – disse, retomando o discurso formal.


   - Então rapariga? O que tens? Estás doente? – Rosário aproximou-se da sobrinha que criara, uma pobre de Cristo, sem pai desde pequenina, que ficou subitamente órfã depois da sua irmã cometer o suicídio, vinte anos atrás.
    - Não tia. Hoje não me apetece sair. – respondeu com maus modos.
   - Nem te apetece ir pra borga nem trabalhar! Está aqui uma casa bem arranjada, está! – ralhou, furiosa com a atitude imprestável que aquela rapariga tinha. Não ajudava em casa, não tinha tido cabeça para os estudos, a única coisa que lhe parecia saber fazer era a maquilhagem todas as noites, antes de sair para as discotecas. Se nem isso lhe apetecia há dois dias, algo de errado se passava. – Queres ver que tenho de pedir ao meu patrão para te tratar? – exclamou, pensando na dificuldade que seria conseguir pagar a um psiquiatra daqueles um tratamento.
    - Nem pense! Eu não estou doida! – gritou de volta, sentindo a raiva a invadi-la de novo, só de imaginar ter de encarar o Dr João, depois de ele a ter tratado como uma prostituta reles e ordinária.
     - Não me levantes a voz, ouviste? – berrou Rosário ofendida. – Raios partam na rapariga que é enxertada em corno de cabra! – bateu a porta do quarto da sobrinha, lamentando-se da pouca sorte que tinha tido com a miúda.
     Nélia fitou o tecto, praguejando interiormente contra a saloia da tia, o seu destino miserável naquela casa, o seu futuro encalhado sem perspectivas de mudança e o facto de que os seus planos megalómanos tinham ido por água abaixo. Desde sempre se recordava de imaginar que um dia acabaria casada com o Dr João Marques, patrão da sua mãe adotiva, de quem esta falava maravilhas. Bonito, inteligente, charmoso, rico, e a dada altura viúvo. Perfeito para uma rapariga cheia de atributos físicos poder consolar. Pouco a pouco aproximou-se dele, com cautela para não mostrar qualquer ligação à “Dona Rosário”, e cada vez lhe parecia mais fácil atingir o seu objectivo. Só não contava que ele fosse tão nojento, como os que já tinha conhecido ao longo da sua jovem vida de adulta. Nem se dignara a olhá-la, depois de tudo aquilo, e pagou-lhe, sem remorsos, recordou, chorando na almofada. Só lhe apetecia morrer…



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