Escreveu
o número de telefone de casa de Marta no local de pesquisa do site
das páginas amarelas e rezou para que conseguisse descobrir algo de
útil sobre ela. O local onde estava já seria um princípio,
comentou consigo mesmo entusiasmado. No google não havia nada sobre
uma “Marta de Castelo Branco”, ou melhor, constatava perdido,
havia muita Marta naquela cidade, mas nenhuma era a que lhe
interessava. A morada correspondente ao número fixo surgiu, e João
selecionou-a, copiando-a para o google maps, a fim de a situar
espacialmente. Rapidamente percebeu que o local ficava no centro de
Castelo Branco, numa zona principal, e para visualizar melhor,
recorreu ao “Street view” e esperou que as imagens satélite
carregassem para continuar a pesquisa caseira. Uma propriedade
demasiado grande para um lote urbano central apareceu no ecrã do pc,
deixando-o confuso. Confirmou a morada inserida e “olhou” a rua
em que se situava a mansão, ficando perplexo. Parecia-lhe um palácio
daqueles que só as instituições do Estado conseguiam manter,
adaptando para serviços administrativos, não uma casa familiar.
Percorreu virtualmente toda a rua de cima para baixo, olhando tudo
pormenorizadamente, tentando perceber aquele quebra-cabeças. Talvez
ela fosse filha de uma das muitas empregadas que um casarão daqueles
deveria ter, só para o manter limpo diariamente, matutou. Era bem
provável. Deixou a “janela” do street view aberta e tratou de
pesquisar no google apenas a morada do palácio, para ver se obtinha
alguma pista. Várias referências ao local chique lhe apareceram,
mas o seu objetivo era descobrir quem lá vivia, como se chamavam, o
que faziam, etc. Depois de ler muito site inútil, apareceu
subitamente o que procurava numa notícia regional de um jornal
albicastrense. Era a residência familiar do Presidente da Câmara,
antigo responsável pela direção da Medicina Legal do Hospital de
Castelo Branco, Dr. José Fontes Pereira e Castro. Agarrou nessa
novidade e fez nova pesquisa no google, desta feita, com muito mais
informação, na sua grande maioria referentes ao trabalho atual de
presidente do município. Festas, galas, inaugurações, assembleias,
mil e um artigos sem importância. Deixou a “literatura” e
carregou na pesquisa de imagens, aparecendo-lhe mais um rol de fotos
institucionais, a mostrar um político sorridente e bem parecido.
Percorria a página de imagens já cansado de tanto “cortar a fita”
dos políticos, quando a
viu junto do homem. Abriu a imagem fazendo zoom, com as mãos a
suarem-lhe de nervos, e ali estava ela, no meio de um casal, vestida
a preceito, formalmente, uma betinha com ar de frete numa cerimónia
qualquer, bem mais nova que a Marta atual, mas definitivamente ela. A
legenda deixava claro de quem se tratavam, Mariana, Isabel e José
Fontes Pereira e Castro, mulher, filha única e Presidente,
respetivamente.
-
Isabel?! – perguntou em voz alta. – Como assim, Isabel?? –
exclamou horrorizado com a descoberta.
Tornou
a pesquisar no google, desta feita colocando apenas “Isabel Fontes
Pereira e Castro, Castelo Branco”, ficando perplexo a olhá-la.
Centenas de imagens de “Marta”, todas em situações formais, mas
apenas até uma certa idade. Não havia nenhuma com a mulher que ele
conhecia, apenas uma garota bonita. Retomou a pesquisa na web,
deixando de parte as fotos dela, e tratou de se ajeitar na cama para
ler exaustivamente tudo o que lhe aparecesse sobre ela. Várias
páginas dedicas ao desporto mostravam-na nos pódios, tal como ela
tinha referido dias antes, a receber medalhas ganhas nas competições
de ginástica acrobática. Uma menina feliz e sorridente, constatou,
naquela versão desportiva. Por mais que procurasse, nada de atual
havia a dizer sobre a Isabel de Castelo Branco, resignou-se, fechando
o portátil exausto, de tantas horas em frente ao ecrã. Olhou o
relógio do telefone e viu com espanto que já eram perto das quatro
da manhã. Afastou tudo do seu lado da cama e deitou-se, ficando a
olhar o tecto, perdido nos seus pensamentos e teorias sobre tudo o
que tinha descoberto. Algo de estranho tinha acontecido para que
Marta, Isabel, corrigiu-se, tivesse deixado a vida confortável com a
família abastada e tivesse vindo morar para aquele sítio inóspito
no meio do nada, com literalmente nada a que estava acostumada. Zanga
familiar não deveria ser, matutava, pois tinha ido visitar os pais.
Seria assim tão excêntrica que preferisse carregar água quente
para a casa de banho para conseguir tomar duche, e lavar a roupa à
mão num tanque, a viver sem dificuldades nem trabalhos pesados?
Porquê?
-
Estou?... – grunhiu para o telemóvel, ainda a dormir.
-
Bom dia! Ganhei! Fui a primeira a ligar. – tinha estado em pulgas à
espera que chegassem as sete da manhã.
-
Marta? – perguntou confuso .
-
Sim, já acordaste?
-
Não… - respondeu num lamento.
-
Mas não disseste que podia ligar a partir das sete?
-
Da tarde… sete da tarde… - resmungou cheio de sono.
-
Ah… desculpa. Volta a dormir, então. – disse sentindo-se
ridícula com a confusão do horário.
-
Não, fala comigo. – pediu, afastando as cobertas da cama com o
calor que subitamente o afetou.
-
Bem, agora fiquei sem jeito… - confessou, sentindo-se corar.
-
Já acordaste há muito tempo?
-
Sim, já fiz quase uma hora de yoga com o Filipe. Ele agora está a
dormitar, é um cu de sono. – explicou divertida – E tu? Tens
praticado?
-
O quê? Kamasutra? – perguntou provocador, sorrindo com a ideia de
a deixar encavacada.
-
Não… yoga. – a cara escaldou-lhe mais ainda.
-
Nem por isso, sem a professora não tenho estímulo para me
exercitar.
-
Preguiçoso… Vamos lá, a professora agora está aqui, é ótimo
começar o dia a esticar a coluna. Vamos, senta-se. – ordenou
entusiasmada.
-
Já está. – mentiu, sorrindo.
-
Não está nada. Aldrabão… Senta-te lá. Eu vou falando e tu
imaginas que estou aí.
-
Na minha cama? Cala-te por favor… - gemeu a sentir-se aquecer mais
e pontapeando o resto dos lençóis que ainda lhe cobriam os pés.
-
És impossível… - tinha vontade de se rebolar de alegria, como o
Filipe fazia quando estava excitado.
-
Vá, agora a sério, estás aqui, sentada à chinês, eu estou-te a
ver. Diz lá o que queres que eu faça.
-
Primeiro, esticas os braços e forças na direção do tecto, para as
vértebras ficarem acordadas.
-
Já está. – mentiu novamente, apenas concentrado na imagem dela a
fazer o exercício em questão.
-
Mas está mesmo? – questionou desconfiada.
-
Sim, claro. Já estou todo esticadinho.
-
Agora inclinas-te para a esquerda e para a direita, como te ensinei.
– continuou, a imaginá-lo naquela posição. – Depois colocas as
mãos em lótus e fechas os olhos, respirando com o abdómen.
-
Hum, hum… - sussurrou a sentir-se cada vez mais descontraído ao
ouvir a sua voz cadenciada.
-
Esticas as pernas, e rodas o tronco para a esquerda.
-
Não quero esticar as pernas, - reclamou – canta-me lá aquele
mantra que eu gosto. – pediu, enroscando-se na cama.
-
Om Shanti… Om Shanti… Om Shanti Om… Om…-
repete comigo. Esperou alguns segundos, mas João calara-se, sem
reagir. – João?... João?... Adormeceu… - desligou o telefone e
olhou Filipe a dormir com censura. – Cus de sono!
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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