quinta-feira, 10 de maio de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 9 (2ª parte)





    Escreveu o número de telefone de casa de Marta no local de pesquisa do site das páginas amarelas e rezou para que conseguisse descobrir algo de útil sobre ela. O local onde estava já seria um princípio, comentou consigo mesmo entusiasmado. No google não havia nada sobre uma “Marta de Castelo Branco”, ou melhor, constatava perdido, havia muita Marta naquela cidade, mas nenhuma era a que lhe interessava. A morada correspondente ao número fixo surgiu, e João selecionou-a, copiando-a para o google maps, a fim de a situar espacialmente. Rapidamente percebeu que o local ficava no centro de Castelo Branco, numa zona principal, e para visualizar melhor, recorreu ao “Street view” e esperou que as imagens satélite carregassem para continuar a pesquisa caseira. Uma propriedade demasiado grande para um lote urbano central apareceu no ecrã do pc, deixando-o confuso. Confirmou a morada inserida e “olhou” a rua em que se situava a mansão, ficando perplexo. Parecia-lhe um palácio daqueles que só as instituições do Estado conseguiam manter, adaptando para serviços administrativos, não uma casa familiar. Percorreu virtualmente toda a rua de cima para baixo, olhando tudo pormenorizadamente, tentando perceber aquele quebra-cabeças. Talvez ela fosse filha de uma das muitas empregadas que um casarão daqueles deveria ter, só para o manter limpo diariamente, matutou. Era bem provável. Deixou a “janela” do street view aberta e tratou de pesquisar no google apenas a morada do palácio, para ver se obtinha alguma pista. Várias referências ao local chique lhe apareceram, mas o seu objetivo era descobrir quem lá vivia, como se chamavam, o que faziam, etc. Depois de ler muito site inútil, apareceu subitamente o que procurava numa notícia regional de um jornal albicastrense. Era a residência familiar do Presidente da Câmara, antigo responsável pela direção da Medicina Legal do Hospital de Castelo Branco, Dr. José Fontes Pereira e Castro. Agarrou nessa novidade e fez nova pesquisa no google, desta feita, com muito mais informação, na sua grande maioria referentes ao trabalho atual de presidente do município. Festas, galas, inaugurações, assembleias, mil e um artigos sem importância. Deixou a “literatura” e carregou na pesquisa de imagens, aparecendo-lhe mais um rol de fotos institucionais, a mostrar um político sorridente e bem parecido. Percorria a página de imagens já cansado de tanto “cortar a fita” dos políticos, quando a viu junto do homem. Abriu a imagem fazendo zoom, com as mãos a suarem-lhe de nervos, e ali estava ela, no meio de um casal, vestida a preceito, formalmente, uma betinha com ar de frete numa cerimónia qualquer, bem mais nova que a Marta atual, mas definitivamente ela. A legenda deixava claro de quem se tratavam, Mariana, Isabel e José Fontes Pereira e Castro, mulher, filha única e Presidente, respetivamente.
     - Isabel?! – perguntou em voz alta. – Como assim, Isabel?? – exclamou horrorizado com a descoberta.
   Tornou a pesquisar no google, desta feita colocando apenas “Isabel Fontes Pereira e Castro, Castelo Branco”, ficando perplexo a olhá-la. Centenas de imagens de “Marta”, todas em situações formais, mas apenas até uma certa idade. Não havia nenhuma com a mulher que ele conhecia, apenas uma garota bonita. Retomou a pesquisa na web, deixando de parte as fotos dela, e tratou de se ajeitar na cama para ler exaustivamente tudo o que lhe aparecesse sobre ela. Várias páginas dedicas ao desporto mostravam-na nos pódios, tal como ela tinha referido dias antes, a receber medalhas ganhas nas competições de ginástica acrobática. Uma menina feliz e sorridente, constatou, naquela versão desportiva. Por mais que procurasse, nada de atual havia a dizer sobre a Isabel de Castelo Branco, resignou-se, fechando o portátil exausto, de tantas horas em frente ao ecrã. Olhou o relógio do telefone e viu com espanto que já eram perto das quatro da manhã. Afastou tudo do seu lado da cama e deitou-se, ficando a olhar o tecto, perdido nos seus pensamentos e teorias sobre tudo o que tinha descoberto. Algo de estranho tinha acontecido para que Marta, Isabel, corrigiu-se, tivesse deixado a vida confortável com a família abastada e tivesse vindo morar para aquele sítio inóspito no meio do nada, com literalmente nada a que estava acostumada. Zanga familiar não deveria ser, matutava, pois tinha ido visitar os pais. Seria assim tão excêntrica que preferisse carregar água quente para a casa de banho para conseguir tomar duche, e lavar a roupa à mão num tanque, a viver sem dificuldades nem trabalhos pesados? Porquê?




    - Estou?... – grunhiu para o telemóvel, ainda a dormir.
  - Bom dia! Ganhei! Fui a primeira a ligar. – tinha estado em pulgas à espera que chegassem as sete da manhã.
   - Marta? – perguntou confuso .
   - Sim, já acordaste?
   - Não… - respondeu num lamento.
   - Mas não disseste que podia ligar a partir das sete?
   - Da tarde… sete da tarde… - resmungou cheio de sono.
  - Ah… desculpa. Volta a dormir, então. – disse sentindo-se ridícula com a confusão do horário.
   - Não, fala comigo. – pediu, afastando as cobertas da cama com o calor que subitamente o afetou.
   - Bem, agora fiquei sem jeito… - confessou, sentindo-se corar.
   - Já acordaste há muito tempo?
- Sim, já fiz quase uma hora de yoga com o Filipe. Ele agora está a dormitar, é um cu de sono. – explicou divertida – E tu? Tens praticado?
  - O quê? Kamasutra? – perguntou provocador, sorrindo com a ideia de a deixar encavacada.
  - Não… yoga. – a cara escaldou-lhe mais ainda.
  - Nem por isso, sem a professora não tenho estímulo para me exercitar.
  - Preguiçoso… Vamos lá, a professora agora está aqui, é ótimo começar o dia a esticar a coluna. Vamos, senta-se. – ordenou entusiasmada.
  - Já está. – mentiu, sorrindo.
   - Não está nada. Aldrabão… Senta-te lá. Eu vou falando e tu imaginas que estou aí.
  - Na minha cama? Cala-te por favor… - gemeu a sentir-se aquecer mais e pontapeando o resto dos lençóis que ainda lhe cobriam os pés.
  - És impossível… - tinha vontade de se rebolar de alegria, como o Filipe fazia quando estava excitado.
   - Vá, agora a sério, estás aqui, sentada à chinês, eu estou-te a ver. Diz lá o que queres que eu faça.
  - Primeiro, esticas os braços e forças na direção do tecto, para as vértebras ficarem acordadas.
    - Já está. – mentiu novamente, apenas concentrado na imagem dela a fazer o exercício em questão.
    - Mas está mesmo? – questionou desconfiada.
    - Sim, claro. Já estou todo esticadinho.
   - Agora inclinas-te para a esquerda e para a direita, como te ensinei. – continuou, a imaginá-lo naquela posição. – Depois colocas as mãos em lótus e fechas os olhos, respirando com o abdómen.
   - Hum, hum… - sussurrou a sentir-se cada vez mais descontraído ao ouvir a sua voz cadenciada.
     - Esticas as pernas, e rodas o tronco para a esquerda.
   - Não quero esticar as pernas, - reclamou – canta-me lá aquele mantra que eu gosto. – pediu, enroscando-se na cama.
   - Om Shanti… Om Shanti… Om Shanti Om… Om…- repete comigo. Esperou alguns segundos, mas João calara-se, sem reagir. – João?... João?... Adormeceu… - desligou o telefone e olhou Filipe a dormir com censura. – Cus de sono!



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(imagem, internet)

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