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Isabelinha! – Mariana chamou a filha, que olhava para fora da
janela absorta com os seus pensamentos.
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Sim, mãe.
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A Adelaide disse-me que o tal Psiquiatra tem ligado todos os dias e
que tu não atendes… Mas afinal o que se anda a passar? –
perguntou preocupada.
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Sim, ele tem telefonado, mas eu não tenho a certeza do que quero. –
confessou.
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És capaz de me traduzir isso em miúdos? – ironizou, já a perder
a paciência com a atitude instrospectiva da filha desde o início da
semana.
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Quando voltámos de Cáceres eu estive ao telemóvel com ele, -
começou a explicar, sem jeito – mas depois uma mulher qualquer
bateu-lhe à porta e disse umas coisas… olhe, não se mace com
isso. Acho que os homens são todos iguais, não vale a pena…
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Mas o que foi que ela disse? – insistiu sem dar hipótese.
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Disse que tinha lá deixado “no sábado” os brincos… -
sussurrou deprimida – Entende? É uma mulher qualquer que tem
intimidade para lá ir bater à porta reaver objetos pessoais ao
quarto dele. Não é preciso pensar muito para descobrir o que
estiveram os dois a fazer…
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Mas vocês namoram? – perguntou escandalizada.
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Não, somos amigos.
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Amigos? Mas porquê só amigos?
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Porque quando o conheci e ele me veio pedir aulas de yoga inventei
uma mentira para ele não ficar com ideias sobre nós dois, para me
prevenir de avanços da sua parte. – disse corando – Não queria
envolver-me com ninguém e manter a coisa profissional.
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E o que foi que lhe disseste? – perguntou cada vez mais confusa.
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Que… - sentia-se escarlate com aquele interrogatório - … era
lésbica. – disse quase em surdina.
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Ó meu Santo Agostinho! – exclamou horrorizada com aquelas ideias
malucas da filha. – Mas que disparate. Já estou a ver tudo! O
rapaz anda apaixonado, não o pode dizer, porque tu inventaste uma
mentira horrorosa dessas, e tu agora também gostas dele e não sabes
como resolver a questão! – bradou à filha que se encolheu com o
tom de desagrado da mãe.
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Pois, é mais ou menos isso… Mas ele não deve gostar de mim como
eu dele! – reagiu – Se leva mulheres para dormir com ele, depois
de estar comigo… E sinceramente, eu não quero problemas nem
desilusões, quero voltar a viver em paz, como estava antes de ele
aparecer.
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Mas Isabelinha, o rapaz telefona cá para casa duas vezes por dia,
leva sempre uma tampa da Adelaide, que já anda furiosa contigo
porque diz que ele é um querido e tem pena do rapaz, se não te
quisesse bem, ia ter com a tal outra dos brincos e não se andava a
envergonhar. Se ligares o telemóvel, vais ver as chamadas perdidas
que lá tens… O que é que queres mais? Pelo menos ouve o que ele
tem a dizer, caramba. E se é tudo um mal entendido? Já pensaste
nisso? Andas aí emburrada, quase nem comes, e podes estar a ser
injusta!
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Pode ser… - comentou, pouco convencida. Sentia-se especialmente
miserável porque João fazia anos naquele dia, e tinha-lhe pedido
que ela voltasse nessa data, antes da “Nélia”. Mas o fel que
sentia quando pensava naquele nome terrível e feio tirava-lhe a
coragem para fazer o que o seu coração pedia.
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Liga o telemóvel, porque se ele telefona mais uma vez sequer aqui
para casa, fica ciente de que sou eu que vou falar com ele, e
esclareço essa história da mulher! – ameaçou-a, enquanto se
afastava possessa com a atitude da filha.
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Não teria coragem… - sabia que sim, que a mãe seria senhora para
o fazer. Encaminhou-se para o quarto, ligou o telemóvel e sentou-se
na beira da cama com o olhar de Filipe a suplicar-lhe que lhe
telefonasse. – És um traidor… Se te dessem a escolher ficavas a
viver com ele, não é? – reclamou com o cão.
O
aparelho ligou, e uns segundos depois, dezenas de mensagens entravam
para a caixa, duas e três por dia, constatou, bem como outras tantas
chamadas perdidas. Abriu as mensagens de texto primeiro, uma a uma,
lendo-as com a barriga a dar um nó. Ele era terrivelmente romântico
e espirituoso, e parecia não querer desistir dela, o que a comoveu.
Era preciso ser muito teimoso e auto-confiante para lidar daquela
forma com o silêncio dela durante aquela semana de amuo. Leonino
duma figa… lamentou-se, bufando de frustração perante a
insistência em conversar. Desligou novamente o aparelho e começou a
reunir as suas coisas. Se ele queria falar, então ela iria ouvi-lo,
mas pessoalmente, e vestida com o conjunto preto. Nada de Marta
hippie e boazinha, quem o iria enfrentar seria a Isabel. Preparou um
banho, a roupa, organizou tudo para sair depois da hora de jantar em
direção a Coimbra, mais concretamente, ao “Pírulas”. Chegaria
lá a uma hora mais que perfeita para surpreender um aniversariante
mulherengo, já teria bebido um pouco, deveria estar animado, com
mulheres ao colo, a fazerem-lhe a festa! Ela entraria de pernas à
mostra e acabaria ali o problema, pedir-lhe-ia que não voltasse à
sua casa, nem a procurasse para aulas, individuais ou de grupo. Com
toda a certeza que ele desistiria de a perturbar. Depois, antes de
sair do bar vitoriosa, dar-lhe-ia a sua prenda de anos, um livro de
Sexo Tântrico de nível avançado, para ele aprender! E que lhe
fizesse bom proveito!
Terminou
a sua maquilhagem, pegou nas malas e desceu, cheia de ânimo,
deixando todos de boca aberta e ligeiramente aparvalhados com a ida
repentina para Coimbra, a uma hora daquelas.
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Mas Isabelinha, não podes voltar só amanhã, durante o dia? –
suplicou a mãe, a sentir-se culpada pela decisão drástica da filha
depois do discurso de defesa do rapaz de Coimbra.
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Ele hoje faz anos. Tenho uma prenda para lhe entregar. – explicou,
beijando-a em jeito de despedida. – Eu volto no próximo mês,
prometo! Abraçou Adelaide, que ficara em choque com a ida repentina
de Isabel, e pediu que se despedisse por ela do pai, que ainda não
chegara da Assembleia Municipal.
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Vai com cuidado… - pediram as duas mulheres, dizendo adeus da
porta.
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Eu já tenho telemóvel! – disse-lhes a sorrir, entrando no jipe.
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Não nos deste o teu número… - reclamou Mariana, já ela tinha
arrancado.
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