Diana
sobressaltou-se com a pressa com que João entrou na sala de espera,
já atrasado para o primeiro horário, com cara de poucos amigos.
-
Bom dia, Dr.
-
Bom dia. Pode mandar entrar o primeiro paciente. – entrou no
gabinete, sentou-se na cadeira e pensou em tomar um ansiolítico,
sentia-se especialmente mal humorado. Como iria passar um dia inteiro
sem a ouvir?...
-
Com licença. – Um homem entrou na sala, acabrunhado.
-
Faça favor, bom dia. Como está? – João estendeu-lhe a mão,
sorrindo.
-
Pelos vistos, nada bem… - gracejou, olhando em volta, pouco
confortável com o facto de ter necessidade de recorrer a um
psiquiatra.
João
esmerou-se na consulta, agradado com a novidade rara de tratar uma
pessoa do sexo masculino. Eram raros, normalmente maldisposto e
agressivos, mas para começar bem o dia, aparecera-lhe um doente
ainda com sentido de humor.
-
Vou ver do telemóvel. – Isabel informou a mãe, ocupada a escolher
um fato para uma cerimónia próxima onde teria de acompanhar o
marido.
-
Vai querida, encontramo-nos à porta da outra loja que te falei. –
informou-a, sem desviar o olhar das dezenas de modelos diferentes
dispostas no balcão.
-
Não quero comprar roupa. Aqui não há nada que eu goste de usar…
- reclamou, irritada com a insistência da mãe em vesti-la à
betinha.
-
Menina, podes até nunca usar, mas vais-me dar o prazer de te
oferecer uns conjuntos decentes. Pode ser que entretanto te passe a
adolescência! – gracejou, olhando a figura excêntrica da filha,
vestida de hippie.
-
Até já. – deu meia volta e saiu da loja antes que a conversa
azedasse. Apressou-se a encontrar a loja de telemóveis, nervosa com
aquele passo drástico na sua vida, ceder às pressões tecnológicas
do mundo atual. Só mesmo ele para a fazer duvidar das suas teorias
anti-globalização. Naquele momento, sentir uma proximidade
constante a João, bem guardada na sua mala, era a sua prioridade.
Assim que o tivesse nas mãos iria ligar-lhe a dar a novidade, pensou
feliz da vida.
João
sentiu um calor no peito assim que o telemóvel tocou ao seu lado,
seria
ela?
Pegou no aparelho e desiludiu-se ao ver o nome do Salvador no ecrã.
-
Estou? – disse, sem disfarçar a frustração.
-
Olá pinga-amor! Então, estás vivo?
-
Porque haveria de estar morto?
-
Saíste com aquela bomba do bar no sábado e ainda não deste sinal
de vida… - provocou o amigo.
-
Só me arranjas problemas. – confessou, recordando-se da noite com
Nélia.
-
Então? – perguntou curioso.
-
Nada de especial. – mentiu, desviando o tema desconfortável.
-
Apareces hoje?
-
Sim, tenho mesmo que falar com o “Janota”. – já tinha decidido
que iria alargar a sua pesquisa sobre Marta, Isabel, corrigiu,
tentando outras vias de conhecimento, os boatos. Certamente que em
Castelo Branco a vida da família do Presidente da Câmara seria do
domínio público. Talvez o segurança conseguisse dados novos sobre
ela.
-
Nem vou perguntar porquê… - gracejou, entendendo logo os planos de
João.
-
A minha hora de almoço acabou. Tchau. – despediu-se sem
cerimónias, desligando o telemóvel. Aquele Salvador era pior que um
rato, curioso e metediço.
Voltou-se novamente para o computador, continuando a procura
informática interrompida pelo amigo. Se ela tinha o curso de
Osteopata procuraria descobrir onde o tinha frequentado. Talvez
houvesse informações relevantes. Não demorou muito a encontrar o
Instituto Politécnico de Castelo Branco, e lá estava ela, em fotos
antigas de curso, Licenciatura em Fisioterapia Clínica. Ficava-lhe
bem o traje académico, constatou. Olhava-a embevecido quando uma
outra foto o deixou perturbado. Um rapaz enlaçava-lhe a cintura,
possessivamente, enquanto ela o olhava apaixonada. Mas
que merda era aquela?
Perguntou-se enraivecido com os ciúmes. Afinal
era ou não era lésbica? Ali parecia-lhe gostar bastante de homens…
Copiou
a foto e guardou-a numa pasta que criara onde já colocara todas as
outras informações que descobrira até então. Fixou a cara do
homem e retomou a pesquisa de imagens apenas com o nome dela. Tinha
de tirar a limpo se aquele personagem era apenas um colega de curso,
ou algo mais. Percorreu-as a todas, calmamente, desta vez com outra
pessoa na mira. Depois de algumas páginas, e
se havia páginas de fotos com aquela mulher,
descobriu-os, o casal apaixonado. Uma fúria de despeito invadiu-o,
deixando-o nervoso. Com ele era lésbica, agora com aquele feioso, já
se derretia! Tiago Mendes, gravou o nome na memória, seria
impossível esquecer,
e pesquisou esse novo dado. Espantosamente, dezenas de reportagens
antigas mencionavam aquele nome, com muito mais informação que
aquela que esperaria. Abriu uma a uma, lendo-as de ponta a ponta, com
um crescente pânico a invadi-lo. “Juiz ouve hoje Tiago Mendes,
alegado agressor doméstico, num julgamento mediático e cheio de
controvérsias. Centenas juntaram-se à porta do Tribunal de Castelo
Branco para ver o ex-marido da filha do Diretor do Serviço de
Medicina Legal do Hospital Amato Lusitano.” “Juiz não considera
como provas os depoimentos de familiares e conhecidos da vítima,
alegando questões éticas. A vítima que, ao início deste longo
julgamento, ainda se encontrava internada a recuperar, recebeu ontem
alta da ala psiquiátrica do Hospital. É presente ao Juiz no início
da próxima semana, esperando-se uma nova enchente de curiosos nas
imediações do edifício.” “Advogado de defesa de Tiago Mendes
confessou aos jornalistas que a vítima não estava capaz de falar,
nem antes, nem depois do tratamento psiquiátrico. Teriam de adiar
uma vez mais a sessão”. “Tiago Mendes absolvido das acusações
de tentativa de homicídio, agressões físicas, sequestro, e
tortura. Juiz considera que apenas ficou provada a agressão a cão
do ex-casal, e consequente problema emocional da vítima do sexo
feminino. Tiago fica assim proibido de se aproximar da casa do
Diretor da Medicina Legal, bem como da filha.”
João
respirou fundo, depois de se ter mantido em apneia, e fechou as
imagens dos jornais, ficando apenas com Tiago no ecrã. Aquele homem
tinha sido casado com ela, batera-lhe e fizera-lhe coisas que nem
queria imaginar, pensou tresloucado com toda a raiva que sentia.
Procurou nas gavetas da secretária por um ou dois comprimidos que o
acalmassem, milhares de pensamentos não o deixavam racionalizar o
que lera, era demasiado horrível. Imaginá-la a ser agredida,
violentada, como era possível que alguém a odiasse de tal forma?
Porque só podia ser ódio, o que levava os homens a baterem nas suas
mulheres. Ou isso, ou aquele Tiago era um psicopata, um doente mental
com compulsões violentas que não controlava, e direcionava para
quem menos merecia. Filho da puta, pensou enfurecido, psicopata era
um elogio.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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