terça-feira, 21 de agosto de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 9 (4ª parte)




Diana sobressaltou-se com a pressa com que João entrou na sala de espera, já atrasado para o primeiro horário, com cara de poucos amigos.
- Bom dia, Dr.
- Bom dia. Pode mandar entrar o primeiro paciente. – entrou no gabinete, sentou-se na cadeira e pensou em tomar um ansiolítico, sentia-se especialmente mal humorado. Como iria passar um dia inteiro sem a ouvir?...
- Com licença. – Um homem entrou na sala, acabrunhado.
- Faça favor, bom dia. Como está? – João estendeu-lhe a mão, sorrindo.
- Pelos vistos, nada bem… - gracejou, olhando em volta, pouco confortável com o facto de ter necessidade de recorrer a um psiquiatra.
João esmerou-se na consulta, agradado com a novidade rara de tratar uma pessoa do sexo masculino. Eram raros, normalmente maldisposto e agressivos, mas para começar bem o dia, aparecera-lhe um doente ainda com sentido de humor.

- Vou ver do telemóvel. – Isabel informou a mãe, ocupada a escolher um fato para uma cerimónia próxima onde teria de acompanhar o marido.
- Vai querida, encontramo-nos à porta da outra loja que te falei. – informou-a, sem desviar o olhar das dezenas de modelos diferentes dispostas no balcão.
- Não quero comprar roupa. Aqui não há nada que eu goste de usar… - reclamou, irritada com a insistência da mãe em vesti-la à betinha.
- Menina, podes até nunca usar, mas vais-me dar o prazer de te oferecer uns conjuntos decentes. Pode ser que entretanto te passe a adolescência! – gracejou, olhando a figura excêntrica da filha, vestida de hippie.
- Até já. – deu meia volta e saiu da loja antes que a conversa azedasse. Apressou-se a encontrar a loja de telemóveis, nervosa com aquele passo drástico na sua vida, ceder às pressões tecnológicas do mundo atual. Só mesmo ele para a fazer duvidar das suas teorias anti-globalização. Naquele momento, sentir uma proximidade constante a João, bem guardada na sua mala, era a sua prioridade. Assim que o tivesse nas mãos iria ligar-lhe a dar a novidade, pensou feliz da vida.


João sentiu um calor no peito assim que o telemóvel tocou ao seu lado, seria ela? Pegou no aparelho e desiludiu-se ao ver o nome do Salvador no ecrã.
- Estou? – disse, sem disfarçar a frustração.
- Olá pinga-amor! Então, estás vivo?
- Porque haveria de estar morto?
- Saíste com aquela bomba do bar no sábado e ainda não deste sinal de vida… - provocou o amigo.
- Só me arranjas problemas. – confessou, recordando-se da noite com Nélia.
- Então? – perguntou curioso.
- Nada de especial. – mentiu, desviando o tema desconfortável.
- Apareces hoje?
- Sim, tenho mesmo que falar com o “Janota”. – já tinha decidido que iria alargar a sua pesquisa sobre Marta, Isabel, corrigiu, tentando outras vias de conhecimento, os boatos. Certamente que em Castelo Branco a vida da família do Presidente da Câmara seria do domínio público. Talvez o segurança conseguisse dados novos sobre ela.
- Nem vou perguntar porquê… - gracejou, entendendo logo os planos de João.
- A minha hora de almoço acabou. Tchau. – despediu-se sem cerimónias, desligando o telemóvel. Aquele Salvador era pior que um rato, curioso e metediço.

Voltou-se novamente para o computador, continuando a procura informática interrompida pelo amigo. Se ela tinha o curso de Osteopata procuraria descobrir onde o tinha frequentado. Talvez houvesse informações relevantes. Não demorou muito a encontrar o Instituto Politécnico de Castelo Branco, e lá estava ela, em fotos antigas de curso, Licenciatura em Fisioterapia Clínica. Ficava-lhe bem o traje académico, constatou. Olhava-a embevecido quando uma outra foto o deixou perturbado. Um rapaz enlaçava-lhe a cintura, possessivamente, enquanto ela o olhava apaixonada. Mas que merda era aquela? Perguntou-se enraivecido com os ciúmes. Afinal era ou não era lésbica? Ali parecia-lhe gostar bastante de homens… Copiou a foto e guardou-a numa pasta que criara onde já colocara todas as outras informações que descobrira até então. Fixou a cara do homem e retomou a pesquisa de imagens apenas com o nome dela. Tinha de tirar a limpo se aquele personagem era apenas um colega de curso, ou algo mais. Percorreu-as a todas, calmamente, desta vez com outra pessoa na mira. Depois de algumas páginas, e se havia páginas de fotos com aquela mulher, descobriu-os, o casal apaixonado. Uma fúria de despeito invadiu-o, deixando-o nervoso. Com ele era lésbica, agora com aquele feioso, já se derretia! Tiago Mendes, gravou o nome na memória, seria impossível esquecer, e pesquisou esse novo dado. Espantosamente, dezenas de reportagens antigas mencionavam aquele nome, com muito mais informação que aquela que esperaria. Abriu uma a uma, lendo-as de ponta a ponta, com um crescente pânico a invadi-lo. “Juiz ouve hoje Tiago Mendes, alegado agressor doméstico, num julgamento mediático e cheio de controvérsias. Centenas juntaram-se à porta do Tribunal de Castelo Branco para ver o ex-marido da filha do Diretor do Serviço de Medicina Legal do Hospital Amato Lusitano.” “Juiz não considera como provas os depoimentos de familiares e conhecidos da vítima, alegando questões éticas. A vítima que, ao início deste longo julgamento, ainda se encontrava internada a recuperar, recebeu ontem alta da ala psiquiátrica do Hospital. É presente ao Juiz no início da próxima semana, esperando-se uma nova enchente de curiosos nas imediações do edifício.” “Advogado de defesa de Tiago Mendes confessou aos jornalistas que a vítima não estava capaz de falar, nem antes, nem depois do tratamento psiquiátrico. Teriam de adiar uma vez mais a sessão”. “Tiago Mendes absolvido das acusações de tentativa de homicídio, agressões físicas, sequestro, e tortura. Juiz considera que apenas ficou provada a agressão a cão do ex-casal, e consequente problema emocional da vítima do sexo feminino. Tiago fica assim proibido de se aproximar da casa do Diretor da Medicina Legal, bem como da filha.”
João respirou fundo, depois de se ter mantido em apneia, e fechou as imagens dos jornais, ficando apenas com Tiago no ecrã. Aquele homem tinha sido casado com ela, batera-lhe e fizera-lhe coisas que nem queria imaginar, pensou tresloucado com toda a raiva que sentia. Procurou nas gavetas da secretária por um ou dois comprimidos que o acalmassem, milhares de pensamentos não o deixavam racionalizar o que lera, era demasiado horrível. Imaginá-la a ser agredida, violentada, como era possível que alguém a odiasse de tal forma? Porque só podia ser ódio, o que levava os homens a baterem nas suas mulheres. Ou isso, ou aquele Tiago era um psicopata, um doente mental com compulsões violentas que não controlava, e direcionava para quem menos merecia. Filho da puta, pensou enfurecido, psicopata era um elogio.


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