terça-feira, 4 de setembro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 11 (5ª parte)



João deu-lhe a mão e despediram-se de Salvador, que os olhava sorridente e prestes a comentar, mas que se continha, pois sabia que aquela mulher era importante para o amigo, e de Janota, que lhes sorriu satisfeito ao vê-los de mão dada. Nélia desaparecera, constatou Marta aliviada, por não ter de a encarar. Seria muito desagradável e ela não tinha feitio para confrontos, mesmo que silenciosos.
Chegaram ao carro e Filipe parecia possuído de alegria ao ver João, esgravatando na porta a pedir para sair do veículo. Marta libertou-o e os dois demoraram-se nos cumprimentos masculinos, sob o olhar deliciado dela.
- Vês, este cão não pode viver mais longe de mim, não tornes a levá-lo daqui, por favor. – provocou, puxando-a para mais um abraço.
- Bem, se fizeres muita questão dou-to… Ah a prenda! – libertou-se dos braços quentes dele e recuperou instantaneamente o bom senso, entregando-lhe o volume embrulhado com papel de seda vermelha. – Espero que gostes.
João retirou o papel delicadamente, guardando-o no bolso e abriu um sorriso ao ver a sua obra preferida “nível avançado”.
- Ainda não treinei o de iniciantes… - lamentou-se, sentindo-se um pouco mentiroso, mas com ela ainda não tinha de facto experimentando nada, desculpou-se – Tens muita fé no teu aluno. Obrigado. – deu-lhe um beijo levemente, apenas de gratidão pela lembrança, mas Marta tinha no olhar aquele brilho, que o fez ficar tonto, agarrando-a novamente, mas dessa vez contra o carro, que os selou em mais uma explosão de desejo.
- Para… por favor… - Como era possível que um beijo fosse tão forte? – Há muita coisa que temos de falar. Não quero que seja tudo tão rápido.
- Tudo bem, mas então não me olhes assim. – reclamou, recompondo-se. Se ela queria falar sobre o seu passado era porque não estava a pôr um ponto final, bem pelo contrário, estava a querer fazer parágrafo, e isso deixava-o exultante.
- Falamos amanhã? – perguntou, escapando-se para dentro do carro, seguida por Filipe.
- Sim, claro. Amanhã falamos, por mim era já hoje… - seguiu-a, colocando-se debruçado na janela, a olhá-la bem de perto, com a gloriosa visão periférica das suas pernas despidas. – Não te respondi à primeira mensagem, mas sim. Gosto muito, são as minhas preferidas. – disse-lhe a sorrir. Esticou-se para dentro do carro e beijou-lhe a bochecha longamente, deixando-a novamente fundida no banco, sem reação. – Adeus.
Ficou a vê-la desaparecer na rua, de mãos nos bolsos, acariciando o papel de embrulho, tão sedoso como a pele dela, com uma felicidade genuína. Ela iria descobrir o que ele andara a fazer toda a semana, em segredo. Tinha sido difícil, mas depois de muitos cordelinhos e chantagens, João conseguira em tempo recorde que terminassem o saneamento na sua rua, alcatroassem, entrara na sua casa, pusera-lhe um esquentador, sais de banho na banheira, uma máquina de lavar roupa, outra de secar e na sala de prática um bilhete a pedir desculpa pela invasão, prometendo-lhe que trancara tudo novamente, depois de arrombado. Garantia que não era doido, pelo menos na aceção popular do termo, mas sim clinicamente apanhado por ela. Nada de muito grave ou perigoso, apenas agradavelmente positivo na vida de uma mulher sortuda.



Marta perdia-se nas recordações excitantes do beijo de João, que nem se apercebera do novo piso da sua rua. Entrou com o jipe pelo portão da casa, fechou-o, e quando voltava para entrar no veículo virou-se para trás, confusa com a sensação diferente debaixo dos sapatos.
- Alcatroaram isto? – perguntou-se em voz alta, espantada.
Voltou para o jipe, estacionou-o e levou todas as suas coisas para casa, seguida por Filipe que cheirava tudo freneticamente, doido com os diferentes odores que se sentiam na casa, de tantas pessoas diferentes que ali tinham estado nos últimos dias.
Dirigiu-se à cozinha para colocar a roupa suja no cesto, quando viu as máquinas a reluzir no local outrora vazio, por falta de água canalizada.
- Não pode ser… seria isto a surpresa? – o choque inicial deu lugar a uma explosão de lágrimas de gratidão. Como podia ele ter feito aquilo? Correu a abrir a torneira de água quente e um barulho totalmente novo encheu a cozinha. Um esquentador ligou automaticamente, aquecendo a água em segundos. Marta limpava as lágrimas de alegria quando se lembrou de espreitar o quarto de banho e se enterneceu ao ver os sais de banho, prontos a serem utilizados na sua totalmente nova banheira, onde as torneiras funcionavam e não eram de enfeitar. Dirigiu-se à sala de prática para agradecer a Shiva e seu filho Ganesha por aquelas prendas do destino, e leu o bilhete, chorando de espanto e divertimento com o sentido de humor dele. Era um diabo de um leonino maluco, mas adorável.
Ligou o telemóvel e enviou-lhe uma mensagem “És louco… obrigada. <3”

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