segunda-feira, 10 de setembro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 12 (4ª parte)




Pegou na carteira e saiu em direção ao hall de entrada, sem saber como os encarar. Um estava mais que habituado a vê-la despida pela casa, mas o outro não tinha o direito de a humilhar daquela maneira. Se o ambiente já estava estranho entre os dois, agora é que ia melhorar!, ironizou.
Viu-os à porta, já na rua, bem animados com qualquer coisa. Filipe abanava-se todo, como um palerma e o outro sorria para alguém. Marta espreitou sem se denunciar e viu uma loira estrangeira a afagar o seu cão no pescoço e o seu companheiro de passeio no seu Ego masculino. Uma quentura subiu-lhe pela cara, ciúmes, pensou pragmaticamente, para ajudar à festa já sentia ciúmes… Deu meia volta e dirigiu-se ao balcão de entrada, sacando do porta-moedas e fixando o funcionário mortalmente.
- Faça-me a conta de metade da estadia, rápido. – ordenou ao rapaz.
- Mas senhora, o seu irmão não disse que pagava tudo? – balbuciou amedrontado.
- O meu irmão tem a mania só porque é Dr., diga lá quanto é. – suplicou o mais discretamente possível.
- Estás aqui. O que fazes? – perguntou João desconfiado de a ver de carteira na mão.
- A pagar a minha parte. – encarou-o orgulhosa. Pelo menos monetariamente não ficaria a sentir-se humilhada, decidiu.
- Já disse que não. Não sejas teimosa. – argumentou, tentando alcançar-lhe a carteira, como se fossem miúdos.
- Nem penses. – exclamou, fugindo com o braço o mais que conseguia.
João agarrou-lhe no braço, com uma mão e com a outra tentava tirar-lhe a carteira, sob o olhar de espanto do funcionário, ficando demasiado perto dela, que se debatia, furiosa. Conseguiu tirar-lhe o porta-moedas e pararam no mesmo instante com a luta despropositada, encarando-se desconfortáveis e afastando-se automaticamente.
- Guarda isso, por favor. – pediu-lhe corado com a excitação que tudo aquilo lhe tinha dado, devolvendo-lhe o objeto.
O funcionário olhava-os alternadamente, nunca em toda a sua vida de hotel vira dois irmãos adultos numa luta tão estranhamente sexy. Perturbador e errado, dizia a si mesmo aparvalhado.


- Desculpa ter entrado no quarto sem bater. – disse João incomodado com o ambiente que se estava a criar.
- Estás desculpado, eu também devia ter posto o trinco na porta. – confessou, ainda envergonhada com a situação.
- Já escolheste? – perguntou-lhe a mudar de assunto, chamando o empregado de mesa do pequeno restaurante típico.
- É tudo carne ou peixe… - lamentou-se, percorrendo novamente a lista na tentativa de encontrar algo adaptável ao seu vegetarianismo pouco prático fora de casa.
- Desculpe, não há hipótese de se fazer uma salada para a senhora que é vegetariana? – perguntou ao funcionário que não compreendia as novas modas de algumas pessoas de não comerem animais.
- Mas não come carne nenhuma? Nem vitelinha? Olhe que é muito tenrinha… - disse, tentando ser prestável.
- Não, nem vitelinha… - respondeu Marta tentando não rir. Como se o vegetarianismo na cabeça de alguns fosse a distinção entre carne de bichos adultos e bebés. Porque comer bebés era muito mais correto…
- Vou lá dentro perguntar na cozinha. – disse resignado com a teimosia da cliente.
- E cachorrinhos? Também não comes? – gozou João, assim que o empregado se retirou.
- Já ouvi coisas estranhas, agora sugerir a um vegetariano vitelinha… - largou numa gargalhada.
João animou-se com a mudança de humor nela, finalmente voltava a Marta descontraída e bem disposta. Sabia que ela resistia a deixar-se levar numa relação, compreensivelmente. Deveria ter ainda bastantes reservas emocionais e travões físicos. Teria de ser mais calmo, decidiu. E bater antes de entrar…
Retomaram a conversa fácil durante o resto do almoço, rindo das tiradas engraçadas do empregado de mesa que insistia em sugerir opções de comida para Marta, que se viu forçada a comer “vitelinha com batata assada e grelos”, sem a vitela, pois só havia alface com alface, e se queriam ir escalar pedras era preciso energia.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

Sem comentários:

Enviar um comentário