Pegou
na carteira e saiu em direção ao hall de entrada, sem saber como os
encarar. Um estava mais que habituado a vê-la despida pela casa, mas
o outro não tinha o direito de a humilhar daquela maneira. Se
o ambiente já estava estranho entre os dois, agora é que ia
melhorar!, ironizou.
Viu-os
à porta, já na rua, bem animados com qualquer coisa. Filipe
abanava-se todo, como um palerma e o outro sorria para alguém. Marta
espreitou sem se denunciar e viu uma loira estrangeira a afagar o seu
cão no pescoço e o seu companheiro de passeio no seu Ego masculino.
Uma quentura subiu-lhe pela cara, ciúmes, pensou pragmaticamente,
para ajudar à festa já
sentia ciúmes… Deu
meia volta e dirigiu-se ao balcão de entrada, sacando do
porta-moedas e fixando o funcionário mortalmente.
-
Faça-me a conta de metade da estadia, rápido. – ordenou ao rapaz.
- Mas
senhora, o seu irmão não disse que pagava tudo? – balbuciou
amedrontado.
- O
meu irmão
tem a mania só porque é Dr., diga lá quanto é. – suplicou o
mais discretamente possível.
-
Estás aqui. O que fazes? – perguntou João desconfiado de a ver de
carteira na mão.
- A
pagar a minha parte. – encarou-o orgulhosa. Pelo menos
monetariamente não ficaria a sentir-se humilhada, decidiu.
- Já
disse que não. Não sejas teimosa. – argumentou, tentando
alcançar-lhe a carteira, como se fossem miúdos.
- Nem
penses. – exclamou, fugindo com o braço o mais que conseguia.
João
agarrou-lhe no braço, com uma mão e com a outra tentava tirar-lhe a
carteira, sob o olhar de espanto do funcionário, ficando demasiado
perto dela, que se debatia, furiosa. Conseguiu tirar-lhe o
porta-moedas e pararam no mesmo instante com a luta despropositada,
encarando-se desconfortáveis e afastando-se automaticamente.
-
Guarda isso, por favor. – pediu-lhe corado com a excitação que
tudo aquilo lhe tinha dado, devolvendo-lhe o objeto.
O
funcionário olhava-os alternadamente, nunca em toda a sua vida de
hotel vira dois irmãos adultos numa luta tão estranhamente sexy.
Perturbador e errado, dizia a si mesmo aparvalhado.
-
Desculpa ter entrado no quarto sem bater. – disse João incomodado
com o ambiente que se estava a criar.
-
Estás desculpado, eu também devia ter posto o trinco na porta. –
confessou, ainda envergonhada com a situação.
- Já
escolheste? – perguntou-lhe a mudar de assunto, chamando o
empregado de mesa do pequeno restaurante típico.
- É
tudo carne ou peixe… - lamentou-se, percorrendo novamente a lista
na tentativa de encontrar algo adaptável ao seu vegetarianismo pouco
prático fora de casa.
-
Desculpe, não há hipótese de se fazer uma salada para a senhora
que é vegetariana? – perguntou ao funcionário que não
compreendia as novas modas de algumas pessoas de não comerem
animais.
- Mas
não come carne nenhuma? Nem vitelinha? Olhe que é muito tenrinha…
- disse, tentando ser prestável.
-
Não, nem vitelinha… - respondeu Marta tentando não rir. Como se o
vegetarianismo na cabeça de alguns fosse a distinção entre carne
de bichos adultos e bebés. Porque
comer bebés era muito mais correto…
- Vou
lá dentro perguntar na cozinha. – disse resignado com a teimosia
da cliente.
- E
cachorrinhos? Também não comes? – gozou João, assim que o
empregado se retirou.
- Já
ouvi coisas estranhas, agora sugerir a um vegetariano vitelinha… -
largou numa gargalhada.
João
animou-se com a mudança de humor nela, finalmente voltava a Marta
descontraída e bem disposta. Sabia que ela resistia a deixar-se
levar numa relação, compreensivelmente. Deveria ter ainda bastantes
reservas emocionais e travões físicos. Teria de ser mais calmo,
decidiu. E bater antes de
entrar…
Retomaram
a conversa fácil durante o resto do almoço, rindo das tiradas
engraçadas do empregado de mesa que insistia em sugerir opções de
comida para Marta, que se viu forçada a comer “vitelinha com
batata assada e grelos”, sem a vitela, pois só havia alface com
alface, e se queriam ir escalar pedras era preciso energia.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
Sem comentários:
Enviar um comentário