A
sonolência da digestão parecia invadir-lhes os movimentos, quando
finalmente encontraram um dos locais paradisíacos para explorar.
Marta arrastava-se pelos caminhos sinuosos, puxada por João, que
seguia o instinto de Filipe em encontrar o poço da água cristalina
que se via na foto do folheto turístico.
-
Vamos, estamos quase lá. – encorajou-a, determinado a ver ao vivo
aquela maravilha da natureza.
-
Chama o Filipe, ele ainda cai por aí abaixo… - disse preocupada
com o caminho demasiado íngreme da descida.
- Ele
já nada, olha. – exclamou sorridente a apontar para o cão que
encontrara a piscina.
- É
muito inteligente, o meu menino. – gracejou Marta, ganhando ânimo
para o resto do caminho até ao poço.
Desceram
mais uns metros e recostaram-se numa sombra, a admirar o canídeo
despreocupado e brincalhão, que saía e entrava na água em
histeria.
- Que
raça é ele? – perguntou João sem tirar os olhos da água.
- Uma
misturada qualquer entre boxer e pitbul. Uma inconsciência de um
amigo meu que decidiu cruzar essas raças e ver o que dava. –
disse, relembrando com mágoa o ex-marido. – Mas o resultado até
nem foi mau. Eu adoro o Filipe. – confessou sorrindo.
- É
um cão simpático. – acrescentou, olhando-a e sentindo novamente
aquela energia vinda dela. Uma brisa passava no momento,
levantando-lhe um pouco os cabelos, e João sentiu-se a perder a
noção do espaço, inclinando-se na sua direção, como se fossem
metal e íman. Marta sorria para o cão, distraída, sem perceber os
movimentos discretos de João, cada vez mais próximo dela, quando os
seus olhares se encontraram. Ficaram à distância de um palmo, com a
respiração rápida, em compasso de espera, fixando-se hipnotizados.
Marta levou a mão ao cabelo de João, deslizando-a até ao pescoço
dele e ele imitou-a, aproveitando o momento de desejo que via no
olhar dela.
-
Podes beijar-me. – disse Marta a sussurrar.
- Já
vai. Deixa-me apreciar isto. – confessou, sorrindo-lhe.
-
Abusador… - brincava, a sentir-se cada vez mais apaixonada com o
romantismo delicioso dele, quando viu perifericamente Filipe a cair
de uma pedra demasiado alta, desamparado, aos trambolhões, até à
água, sobressaltando-a. – Filipe! – gritou, levantando-se
automaticamente. – Filipe! – continuou a bradar já correndo na
direção do poço, sem conseguir perceber se ele estava bem da queda
aparatosa. – Filiiiipe! – continuou aos gritos sem notar que João
não se levantara, e se mantinha na mesma posição. Espreitou para o
poço mas não o via, entrando em pânico e procurando por João, que
na sua imaginação estaria também a tentar encontrar o cão. Olhou
em volta, e da sua perspetiva não via nenhum deles, o que lhe
provocou um arrepio de nervos. Correu até ao local onde estivera
momentos antes sentada e viu João apoiado no chão sobre os braços,
a respirar furiosamente, como se estivesse a sofrer alguma espécie
de ataque. Foi invadida por um medo visceral, de o ver morrer ali no
meio do nada, sem conseguir pedir por socorro a ninguém, e
colocou-se de joelhos, sentada nos calcanhares, apoiando a cabeça
dele nas pernas, e refrescando-o com água que trazia na mochila,
enquanto tentava perceber o que estava a acontecer.
-
João, calma. Respira, por favor. – suplicava na voz mais
controlada possível, quando se recordou dos comprimidos SOS. Aquilo
devia ser o SOS! Berrou a
si mesma, já largando algumas lágrimas, enquanto procurava
freneticamente na mochila dele pela caixa de remédios. Encontrou-os
com dificuldade, e como João não reagia, teve de ler a bula para
tentar descobrir a dose certa para lhe dar. O choro invadiu-a com
violência, numa mistura de tristeza e impotência pelo acidente de
Filipe, que ainda não aparecera, e o pânico de que algo de grave
acontecesse com João, que parecia estar possuído. Finalmente
percebeu que aquilo seria uma crise de pânico forte, e que teria de
lhe conseguir dar dois comprimidos, para estabilizar o organismo o
suficiente para que não houvesse falta de oxigénio no cérebro. Se
ele desmaiasse, nunca mais conseguiriam sair dali.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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