Acordaram
com a cauda de Filipe a bater-lhes como um chicote duro e implacável,
era hora de “ir à rua”, e alguém teria de o levar.
- Vai
lá tu, o cão é teu… - gozou João, aconchegando-se no édredon.
-
Pago-te o almoço. – brincou Marta sem sequer abrir os olhos. Era
demasiado cedo para carregar um cão daquele tamanho ao colo.
- Só
lá vou se desistires da ideia de conduzir o meu carro. –
provocou-a sorrindo para a almofada.
-
Deixa estar. Eu levo-o. – disse-lhe a começar a levantar-se – Eu
quero muito saber como é conduzir a 200 à hora! – gozou, sendo
lançada novamente para a cama, no meio de uma luta encenada.
João
aproveitou o momento, prendendo-a com o peso do seu corpo contra a
cama e beijando-a com paixão, sendo automaticamente correspondido
com a mesma violência. Beijaram-se durante bastante tempo, ora
acalmando e olhando um para o outro, ora lançando-se naquela espiral
de loucura que só terminaria sem roupa. Marta dava o ritmo,
puxando-o para a realidade atrasando a intensidade dele, ou dando-lhe
estímulos que o enlouqueciam, sem conseguir contrariá-la.
-
Lição número um… o beijo tântrico. – sussurrou-lhe ao ouvido,
empurrando-o lentamente de cima do seu corpo.
-
Vamos Boby, vamos à rua respirar ar puro… - disse João
vestindo-se e olhando Marta divertido. – A tua dona é uma
professora perversa e mal intencionada. – pegou no cão e Marta
beijou-o novamente com paixão, amolecendo-o instantaneamente, o que
o fez quase deixar cair Filipe dos braços.
-
Já lá vou ter. Vai pedindo o pequeno almoço, por favor. –
disse-lhe, sorrindo maliciosamente e fechando a porta do quarto
devagar.
-
Não atendes o telefone? – rosnou Tiago enfurecido com a ideia de
que Marta não tivesse dormido em casa. Observa-lhe os movimentos na
última semana, como habitualmente, e assim que vira o tipo a rondar
a casa percebeu que ia ter chatices. Tornou a marcar o número de
casa dela e bateu furiosamente com o auscultador na mesa, libertando
a ira dos ciúmes. – Eu disse-te que tu eras minha, não percebes a
bem, percebes a mal. – vociferou, acendendo outro cigarro.
Sentaram-se
no terraço do hotel, esfomeados, depois de um jejum forçado no dia
anterior, com Filipe deitado aos seus pés, já de barriga cheia. O
funcionário da receção trouxera-lhe uma taça de ração e água
antes de Marta aparecer de túnica semi-transparente e fato de banho
por baixo, provocando espanto nos três machos. João olhara com
desagrado para o rapaz, que se afastou atabalhoadamente, perturbado
pela visão sempre sugestiva de roupa transparente.
-
Não tinhas nada mais discreto para vestir? – perguntou-lhe
sorrindo para dentro do decote, quando a ajudou a sentar,
cavalheiresco.
-
Isto é absolutamente próprio para passar o dia à beira da piscina.
– explicou, colocando as pernas à chinês, despreocupada com a
transparência da roupa. – Acho que já vimos beleza natural que
chegue.
-
Não quero mais ser teu irmão. – brincou, pegando-lhe na mão e
beijando-lhe o pulso na parte de dentro, o que provocou um arrepio
visível nos braços de Marta. – Também já li o livro,
esqueceste-te?
O
funcionário mantinha-se de pé corado, de ementa na mão, sem
coragem para olhar a cena incestuosa matinal.
-
Então, já decidiram o que vai ser? – gaguejou com a garganta
seca.
-
Sim, - respondeu Marta sorridente – Chá de menta para os dois,
ovos mexidos aqui para o mano, torradas para mim e… ah, e geleia de
morango. Obrigada. – disse decidida sem retirar a mão poisada no
antebraço de João, que por sua vez não conseguia tirar os olhos
dela, sem ligar ao empregado.
-
Sim, senhora. – disse o rapaz, engolindo em seco e retirando-se o
mais rápido que conseguiu.
-
O mano está curioso, porquê chá de menta? E ovos mexidos? Nunca
comi ovos ao pequeno-almoço, nem no estrangeiro, isso é muito
forte. – comentou apreciando a descontração dela tão bem
integrada no ambiente chique de todo o espaço. Compreendia agora que
antes de se ter mudado para Coimbra, Marta nunca tinha vivido de
outra forma, rodeada de empregados e salamaleques, guardanapos no
colo e copos de vários tamanhos.
-
Chá de menta para te pôr alerta, ovos, para te dar força. –
piscou-lhe o olho, subindo a mão até ao ombro de João,
massajando-o.
-
Mais alerta ainda? – gracejou, dando um gole na água fresca, e
suspirando.
-
Precisava de praticar um pouco, desde anteontem que não faço yoga,
sinto-me a emperrar… - desconversou divertida, passando a massagem
do ombro para a palma da mão, sem quebrar o toque, mantendo-o sempre
concentrado nela.
-
Eu também precisava de praticar, e se não paras quieta um momento,
é aqui mesmo. – resmungou, estimulado continuamente pela mão
experiente de Marta.
-
Não querias sexo Tântrico? Já estamos a praticar desde que
acordámos. – disse com naturalidade.
-
E quanto tempo é que isto vai durar? – perguntou-lhe genuinamente
aflito com a ideia de estar um dia inteiro em “alerta”,
chegando-se a ela para manter a conversa mais privada.
-
Depende do objetivo. – respondeu-lhe bem perto da cara – Não
leste a parte teórica! – ralhou, beijando-o de seguida.
Terminaram
o beijo escaldante e demorado e aperceberam-se de que o funcionário
já havia colocado a refeição na mesa, com todos os preceitos, e
desaparecido depois.
Olharam
a mesa maravilhados com o aspeto do comer, e lançaram-se sem mais
conversas, apenas interrompidos pelos beijos ocasionais que Marta
exigia, limpando os lábios com o guardanapo com elegância e puxando
João na sua direção.
Acabaram
a refeição e levaram Filipe para junto da piscina, onde se
mantiveram colados, da forma mais decente que conseguiam em público,
parando para mergulhar, praticar algumas Asanas, Pranayama e mais
beijos escaldantes.
João
aprendeu novos exercícios de respiração que Marta achava vitais
que praticasse diariamente, para prevenir outros ataques de pânico;
recusava-se a aceitar que ele, um Psiquiatra, não conseguisse
dominar o seu corpo sem drogas. Falava de forma tão natural sobre o
problema de ansiedade que parecia ser a médica, e ele o paciente.
João suspeitou a dada altura que aquilo não fosse uma completa
novidade para ela, tão certa que estava de que, assim que ele
compreendesse o que disparava o seu corpo naquela defesa emocional,
tudo ficaria resolvido.
-
Tens a certeza de que não és médica? – perguntou-lhe desconfiado
com tanta sabedoria, talvez ela tivesse vivido aquele tipo de
problemas com o ex-marido, concluiu.
-
Não, Sr Dr., não sou. Apenas tive uma pessoa na família que sofria
do mesmo problema, e curou-se. Agora faz o que te estou a dizer,
preguiçoso. – explicou, obrigando-o a concentrar-se no fluxo da
sua respiração.
-
Já almoçámos, já lanchámos, já fui estimulado em todos os
sítios possíveis e imaginários, e confesso que não sabia que no
pé podia haver tanta comichão boa, - confessou a sorrir com malícia
– afinal, quando é que vamos arrumar as malas ao quarto?
-
Se me permites, sugiro-te que “arrumemos as malas” em minha casa.
Tenho paranóia com camas de hotel. – disse corando – Preferia
estar no meu habitat natural. – pediu constrangida.
-
Isso significa que vais até Coimbra a massajar-me as orelhas? –
exclamou em pânico, imaginando a viagem terrível que seria estar
duas horas a conduzir com ela a mexer-lhe com os nervos.
-
Bem, se for eu a conduzir, não. – disse-lhe sorrindo de orelha a
orelha.
-
És uma sabida. A tua sorte é que te adoro. – confessou
naturalmente, sem se aperceber. Beijou-a e levantou-a do chão, sem
perceber o seu ar chocado com a declaração amorosa que lhe saíra
da boca, pegando em Filipe e dirigindo-se para o quarto. Estava a
ficar tarde e tinham ainda muitos quilómetros pela frente, e se ela
fosse a conduzir teriam de ser feitos com calma, pensou nervoso.
Passavam
pelo balcão da receção e Marta não pôde deixar de parar para
falar com o rapaz simpático que os tinha aturado durante aqueles
dois dias.
-
Estamos quase a ir embora, obrigada por tudo. – Inclinou-se e
deu-lhe dois beijos – Nós não somos irmãos. – sussurrou-lhe,
piscando-lhe o olho e deixando-o corado a sorrir de alívio.
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(imagem, internet)
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