quarta-feira, 19 de setembro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 14 (2ª parte)





Agora era só esperar que ela tivesse juízo, que voltasse para casa sozinha e deixasse de o ver. Tinha sido bastante claro cinco anos antes. Ou ela ficava com ele, ou estava condenada a morrer sozinha. E Tiago teria todo o prazer de se certificar disso, que Marta morreria. Fugira de Castelo Branco para Coimbra, com uma identidade nova, como se isso fosse o suficiente para que ele não a descobrisse, recordava-se sorrindo. Era mesmo estúpida e ingénua, dissera-lhe à saída do tribunal. Não havia sentença nenhuma que os separasse, muito menos que lhe garantisse a liberdade que ela desejava. Bastara-lhe um mês para a encontrar, a ela e ao maldito cão, que devia ter afogado junto com os outros, lamentava-se furioso. Dar-lhe-ia um par de dias para que ela regressasse a casa, e apanhasse juízo, se isso não acontecesse, resolveria o assunto à sua maneira.


- Vou fazer um chá. – disse João, beijando-lhe a cabeça. Era Psiquiatra, mas uma vez mais não conseguia usar nada do que aprendera para a ajudar. Deveria ser capaz de a fazer falar, de a pôr confortável o suficiente para que saísse daquele estado catatónico. Sentia-se furioso e alterado, não conseguiria o distanciamento necessário para a trazer de volta. Uma ideia surgiu-lhe e telefonou a César. Talvez o amigo a conseguisse trazer de volta.
- João, não me sinto bem… - sussurrou sem forças, sentindo um desmaio iminente. Há alguns anos que não vivia aquelas sensações de terror, mas reconhecia a reação do seu corpo às lembranças da sua vida com Tiago.
- Calma, já chamei o César, ele vai saber o que fazer. – pegou nela ao colo e levou-a para o quarto, cada vez mais nervoso com tudo aquilo. A impotência voltava, pensou angustiado ao lembrar-se de Isabel a morrer. Não aguentaria perder Marta, disse-lhe o seu inconsciente, não sabia bem porquê, só a conhecia há menos de duas semanas. Isabel fora sua mulher e namorada durante mais de uma década, mas morrera e ele continuara vivo. A ideia de que Marta lhe definhasse nos braços era muito mais aterradora. – Queres o chá?
- Não… ainda não. – respondeu-lhe com dificuldade. Fica aqui comigo, por favor. – pediu-lhe, abraçando-o. Não era de Tiago que tinha medo, do que ele pudesse fazer-lhe, mas sim de que tudo aquilo fosse impossível, que tivesse de o deixar, para o proteger. Poderia ir à polícia, denunciar o ex-marido, ele estava proibido de chegar perto dela, mas e se ele entretanto atacasse João, se descobrisse onde morava o homem que ela começara a amar? Essa angústia corroía-a por dentro, a indecisão do que deveria fazer. Percebera a mensagem na parede: “O que foi que te avisei? Puta Ordinária”. Deveria andar a espiá-la novamente, insistia naquela loucura, nunca mais iria ter paz, ser feliz.

César chegou rapidamente, receoso do pedido de ajuda do amigo, que deveria estar muito mal para o chamar, concluiu gravemente. Bateu à porta e aguardou nervoso, temia o dia em que não chegaria a tempo para João. Este abriu a porta energicamente, para espanto de César, que pensava encontra-lo abatido e desesperado, achando-o apenas desesperado, mas carregado de energia positiva, a reação proactiva a um problema, o vulgarmente chamado, fodido da vida.
- Olá César, obrigado por teres vindo. Preciso que me ajudes a acalmar a Marta. – disse-lhe de rompante, chamando-o até ao quarto, onde ela se mantinha deitada de lado a olhar a parede, sem se mexer.
- Ela parece calma. – sussurrou-lhe antes de entrar, feliz por não ter nas mãos nenhuma situação de histeria ou descontrole físico.
- Ela parece-te calma. – explicou-lhe ao ouvido – Acredita que isto não é normal.
- Deixa-me falar com ela sozinho. – pediu-lhe, fechando a porta devagar e aproximando-se da cama, onde se sentou paternalmente junto dela.


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