Agora era só esperar que ela tivesse
juízo, que voltasse para casa sozinha e deixasse de o ver. Tinha
sido bastante claro cinco anos antes. Ou ela ficava com ele, ou
estava condenada a morrer sozinha. E Tiago teria todo o prazer de se
certificar disso, que Marta morreria. Fugira de Castelo Branco para
Coimbra, com uma identidade nova, como se isso fosse o suficiente
para que ele não a descobrisse, recordava-se sorrindo. Era mesmo
estúpida e ingénua, dissera-lhe à saída do tribunal. Não havia
sentença nenhuma que os separasse, muito menos que lhe garantisse a
liberdade que ela desejava. Bastara-lhe um mês para a encontrar, a
ela e ao maldito cão, que devia ter afogado junto com os outros,
lamentava-se furioso. Dar-lhe-ia um par de dias para que ela
regressasse a casa, e apanhasse juízo, se isso não acontecesse,
resolveria o assunto à sua maneira.
-
Vou fazer um chá. – disse João, beijando-lhe a cabeça. Era
Psiquiatra, mas uma vez mais não conseguia usar nada do que
aprendera para a ajudar. Deveria ser capaz de a fazer falar, de a pôr
confortável o suficiente para que saísse daquele estado catatónico.
Sentia-se furioso e alterado, não conseguiria o distanciamento
necessário para a trazer de volta. Uma ideia surgiu-lhe e telefonou
a César. Talvez o amigo a conseguisse trazer de volta.
-
João, não me sinto bem… - sussurrou sem forças, sentindo um
desmaio iminente. Há alguns anos que não vivia aquelas sensações
de terror, mas reconhecia a reação do seu corpo às lembranças da
sua vida com Tiago.
-
Calma, já chamei o César, ele vai saber o que fazer. – pegou nela
ao colo e levou-a para o quarto, cada vez mais nervoso com tudo
aquilo. A impotência voltava, pensou angustiado ao lembrar-se de
Isabel a morrer. Não aguentaria perder Marta, disse-lhe o seu
inconsciente, não sabia bem porquê, só a conhecia há menos de
duas semanas. Isabel fora sua mulher e namorada durante mais de uma
década, mas morrera e ele continuara vivo. A ideia de que Marta lhe
definhasse nos braços era muito mais aterradora. – Queres o chá?
-
Não… ainda não. – respondeu-lhe com dificuldade. Fica aqui
comigo, por favor. – pediu-lhe, abraçando-o. Não era de Tiago que
tinha medo, do que ele pudesse fazer-lhe, mas sim de que tudo aquilo
fosse impossível, que tivesse de o deixar, para o proteger. Poderia
ir à polícia, denunciar o ex-marido, ele estava proibido de chegar
perto dela, mas e se ele entretanto atacasse João, se descobrisse
onde morava o homem que ela começara a amar? Essa angústia
corroía-a por dentro, a indecisão do que deveria fazer. Percebera a
mensagem na parede: “O que foi que te avisei? Puta Ordinária”.
Deveria andar a espiá-la novamente, insistia naquela loucura, nunca
mais iria ter paz, ser feliz.
César
chegou rapidamente, receoso do pedido de ajuda do amigo, que deveria
estar muito mal para o chamar, concluiu gravemente. Bateu à porta e
aguardou nervoso, temia o dia em que não chegaria a tempo para João.
Este abriu a porta energicamente, para espanto de César, que pensava
encontra-lo abatido e desesperado, achando-o apenas desesperado, mas
carregado de energia positiva, a reação proactiva a um problema, o
vulgarmente chamado, fodido da vida.
-
Olá César, obrigado por teres vindo. Preciso que me ajudes a
acalmar a Marta. – disse-lhe de rompante, chamando-o até ao
quarto, onde ela se mantinha deitada de lado a olhar a parede, sem se
mexer.
-
Ela parece calma. – sussurrou-lhe antes de entrar, feliz por não
ter nas mãos nenhuma situação de histeria ou descontrole físico.
-
Ela parece-te calma. – explicou-lhe ao ouvido – Acredita que isto
não é normal.
-
Deixa-me falar com ela sozinho. – pediu-lhe, fechando a porta
devagar e aproximando-se da cama, onde se sentou paternalmente junto
dela.
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(imagem, internet)
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