Isabel sobressaltou-se novamente com o
som do aparelho, cerimoniosamente poisado desde a noite anterior do
seu lado esquerdo da cama, como uma presença simbólica de João
durante a noite. Não percebia porque estava tão reticente em
responder à mensagem, pensara nisso até adormecer de cansaço, com
algumas tentativas escritas de resposta, mas que acabava sempre por
apagar antes de carregar no "enviar". E se não fosse ele?,
e se fosse?, qualquer uma das hipóteses a desestabilizava, causava-lhe
arritmias, suores frios e palpitações. Mas agora ali estava
novamente uma mensagem "Olá, preciso de saber quem és"...
Tão suplicante quanto a sua vontade de lhe ligar de volta. Filipe
saltou para cima da cama e deitou-se perto do telemóvel, a olhá-lo
com desconfiança, não entendia porque a dona suspirava com aquilo
na mão, fez uns sons guturais e abanou a cauda com entusiasmo,
olhando alternadamente para Isabel e para o telefone. - Achas que
devo responder? - perguntou ao cão, que ladrou nesse exato momento
como que a dizer-lhe que sim. - Bem... se tu achas, e tens um sexto
sentido, eu vou arriscar. Se for a tal Nélia a tentar por-me louca
destruo o telefone e pronto. Anda cá, - pegou no pequeno cão e
sentou-o no seu colo, à medida que ia escrevendo alguma coisa que
lhe parecesse adequada – Não me deixes sozinha agora, vamos ver se
é o meu João ou não. - carregou no enviar e tapou-se com os
lençóis por cima da cabeça. Não queria que nada a visse corar de
raiva e desespero quando chegasse à conclusão de que estava a ser
gozada pela "outra".
Entraram em casa de João e Nélia
esforçou-se por tornar aquela presença masculina o mais natural
possível para si mesma. Tinha estado algum tempo a viver ali
sozinha, já construíra uma Isabel sofisticada e rica na sua cabeça
e adorava aquele seu apartamento chique, mas só para si.
Agora que o dono regressava à casa teria de se mentalizar de que o
seu pequeno filme teria outras personagens e já nem tudo estava sob
o seu controlo.
- Não imaginava a minha casa nada
assim... - confessou meio desiludido, ao analisar por alto a sala e a
cozinha. - Sempre pensei que fosse mais acolhedor.
- O que te apetece comer? Mando vir
qualquer coisa num instante. - apressou-se a dizer, ignorando os
lamentos dele, não estava com a mínima pachorra para conversas
filosóficas. Tinha fome e já passava bastante da hora de almoço.
- Qualquer coisa, tanto faz. -
respondeu, deixando-a ficar sozinha na sala a tratar do "comer",
e aproveitando para analisar o resto da casa em paz. Bastava uma
distância dela para se sentir logo mais calmo, constatou taciturno.
O telemóvel vibrou e um arrepio na barriga percorreu-o, deixando-o
meio dormente no baixo ventre. Só podia ser "ela".
Esquivou-se educadamente para a casa de banho mais distante que
encontrou na casa, a do quarto principal, que pela lógica seria o
seu e trancou a porta. Sentou-se na sanita com as mãos a suarem e
abriu a mensagem engolindo em seco. "Olá, sou a Ganesha, como
te sentes?", leu várias vezes, respirando fundo com aquele
contacto de quem já tinha perdido a esperança. Porque não dizia
ela um nome normal... perguntava-se ansioso, mas levemente excitado
com o suspense da situação. Teria de lhe devolver o sms de forma a
que a conversa se prolongasse. Olhou em volta e deu consigo a
imaginar-se a tomar banho com uma mulher que apenas lhe aparecia de
costas na sua imaginação. Não lhe conseguia dar um rosto, mas a
silhueta era quase palpável. Seria aquilo só imaginação? Olhou
para o aparelho na mãos e pigarreou – Vamos a isto... "Sinto-me
bem, confuso, não conheço nenhuma Ganesha. Qual é o teu nome
verdadeiro?" - carregou no enviar e continuou o seu pequeno
filme erótico imaginário, concentrando-se no poliban moderno, e no
seu banho a dois. Percorria-a com as mãos, explorando as curvas
suaves e naturais do seu corpo de mulher, tão simples comparado com
a volúpia que já percebera debaixo da roupa insinuante da sua
namorada espampanante. Estranhamente mais cativante, natural, sem
pretenciosismos nem melhoramentos artificiais. Simplesmente mulher,
pequena, delgada, de cabelos castanhos, mãos finas que lhe agarravam
possessivamente nos cabelos, encostou-a à parede, cada vez mais
enlouquecido com o seu corpo, e ela respondia-lhe com a mesma ânsia,
tentado subir-lhe para as ancas, levantou-a em peso e olhou-a
profundamente, penetrando-a o mais devagar que conseguia. Tentou
ver-lhe a cara, mas o êxtase que sentia não o deixava pensar
claramente, só queria fazê-la perceber o quanto a amava, e sentir
aquele amor de volta. Apertava-a com força, como se toda a sua vida
dependesse daquele orgasmo eminente, tão perto e intenso, quando a
porta sofreu um abanão e Isabel o trouxe à realidade como se alguém
lhe desse um murro no estômago e o acordasse daquele sonho.
-João?! Queres molho agridoce? -
esganiçou-se Nélia do outro lado da porta trancada.
- Não... - bufou, frustrado com o
choque do coito interrompido.
- Sem molho agridoce, por favor. Sim,
para ontem! - ralhou ao telefone, afastando-se novamente para a sala.
João encostou-se na parede e respirou
fundo, olhou o telefone e nesse mesmo instante recebeu outra
mensagem, colocando-se logo em sentido e limpando novamente as palmas
das mãos suadas às calças. "Confuso porquê? Para ti sou a
Ganesha. Não precisas de saber mais... por agora" Sorriu de
orelha a orelha, aquilo era ainda mais excitante que a foto das
pernas da mulher mistério que já tinha visto milhares de vezes
desde o dia anterior. Aquela mulher devia conhecê-lo, tinha toda a
certeza, só podia estar a fazer de propósito com aquele mistério
todo. Mais um bocado e tinha de tomar um banho de água fria, pensou
divertido. "Ah... mas depois da foto que aqui descobri eu QUERO
que me digas mais... (por favor?)", enviou e bebeu água da
torneira do lavatório, para se acalmar. Saiu da casa de banho, foi
espreitar a namorada e certificou-se de que a mesma estava distraída
e não achava estranho ele ainda não ter aparecido na sala.
Disse-lhe que ia tomar um banho, mais um..., vestir uma roupa mais
confortável e trancou-se novamente na casa de banho.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
Sem comentários:
Enviar um comentário