terça-feira, 13 de novembro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 22 (2ª parte)




Raios partissem naquilo tudo, pensou João furioso ao perceber que a tal Ganesha devia estar chateada... Não queria ser injusto com a namorada, mas tinha quase a certeza de que ela tinha percebido os seus contactos secretos com outra mulher e tinha feito de propósito ao telefonar no exato momento em que estavam na cama. Não se sentia com autoridade para lhe pedir satisfações, afinal ele tinha culpa também, mas parecia-lhe extremamente ordinária aquela abordagem. Já tinha tentado mandar sms, telefonado, e nada. A sua deusa hindú não lhe respondia nem dava cavaco. Terminava ali o seu breve affair com alguém que lhe parecera mais interessante que a loira sentada ao seu lado no carro. A parva mantinha-se com um sorriso vitorioso e cínico, rosnou para si mesmo em pensamento. Como é que algum dia podia ter convidado uma tipa daquelas a viver consigo...? lamentava-se, procurando estacionamento perto do bar onde ela sugerira ir depois de jantar.
- Vais ver que vais gostar! - disse-lhe animada com o ar frustrado dele.
- Não posso beber nada. - respondeu sem vontade nenhuma de ali estar com ela.
- Pois, eu bebo por ti. - gracejou, rindo-se mais do ar de chateado dele que de outra coisa.
Saíram do carro mantendo sempre distância física, e encaminharam-se para a entrada do bar, onde estava Janota à porta, com cara de poucos amigos ao perceber quem eles eram.
- Boa noite. Tudo bem? - perguntou João estendendo a mão ao segurança. Sabia que eram amigos, fora uma das visitas que recebera no hospital, e estranhou o desprezo dele sem explicação. Talvez fosse uma exigência profissional, pensou, deixando de lado essa preocupação. Entrou depois de Isabel e procurou com o olhar o outro amigo, Salvador, que lhe sorriu de forma bem mais entusiasmada e franca. Várias pessoas o cumprimentaram, certamente velhos conhecidos, pensou, e João cumprimentou-os de volta, sem reconhecer ninguém.
- Olá João! Seja bem-vindo ao mundo dos vivos! - gracejou Salvador genuinamente feliz com aquela visita.
- Olá Salvador. Obrigado. - apertou-lhe a mão com vigor – Deixa-me apresentar-te a minha namorada, a Isabel. - disse, depois de uma leve cotovelada da companhia feminina. - Gosto deste espaço, está bem decorado.
- Sim, por acaso quando comprei isto tu ajudaste-me a arranjar o bar. Estás a ver aquele canto ali? - apontou para uma zona de estar mais íntima, com cadeirões, pufs e mesas baixas – Foste tu que deste a ideia! Querias um espaço mais sossegado para as tuas amigas! - piscou-lhe o olho, divertido, como que insinuando que João era mulherengo. - Mas isso foi antes de assentares, claro. - corrigiu.
- Ah.. pois. - conseguia imaginar-se ali com a Ganesha, a ter uma conversa de pé de orelha que o pusesse louco. Era mais o seu estilo, concluiu. Isabel pegou num vodka laranja e foi dançar, deixando-os sozinhos e João sentou-se ao balcão e pediu um sumo. Aquilo ia ser a maior seca de sempre, mas pelo menos a namorada não parecia precisar dele para se divertir.
-É muito enérgica ela, não? - perguntou Salvador, a perceber claramente que João não tinha nada a ver com aquela companhia.
- É... parece que gosta de dançar... - respondeu, dando um gole no sumo que lhe soube a fel.
Salvador olhou repentinamente para o telemóvel e pareceu bem preocupado com algo que lia, olhando para a porta ansioso.
- Bem João, isto hoje parece que vai animar! - soltou, afastando-se e dirigindo-se a outros clientes sem explicar o que queria dizer com aquilo.
Isabel fazia caras e gestos ao som da música, centralizando todas as atenções masculinas sobre si. Não era uma mulher discreta e sabia utilizar bem os seus atributos físicos para captar atenções. Não, não era o seu género de mulher. Para si a beleza tinha de estar presente, claro, mas aquele tipo de beleza que não precisa de se expor, que não invade o espaço de ninguém, que simplesmente é. Talvez Isabel lhe fosse tão desagradável aos olhos porque no fundo não tinha substrato, pensava. Era fútil e não tinham quase nada em comum que o interessasse. Olhava em volta, a tentar identificar alguém com as características que gostava na mulher, quando uma silhueta se destacou à entrada do bar. Janota colocou-se no seu campo de visão, tapando a mulher e João voltou-se de novo para Salvador, resignado. Pediu outro sumo e tornou a olhar a pista, sorrindo a contragosto a Isabel, que lhe acenava e lançava beijos animada. Um breve instante de luzes mais psicadélicas cegou-o momentaneamente, e quando conseguiu voltar a observar a pista viu Janota a beijar possessivamente a tal mulher bem feita. Ficou a olhá-los, tão apaixonados, e sentiu uma leve inveja daqueles sentimentos fortes que arrebatam as pessoas. O casal voltou-se na sua dança erótica e João viu-a, ali, a balouçar no ombro da mulher, a mala vermelha de Isabel. A boca secou-lhe, poisou o copo com a mão frouxa, e apoiou-se no balcão, sentindo uma dormência na cara que o deixou ligeiramente aflito. Isabel... mas qual Isabel? Perguntava-se desesperado, a namorada? Não... não era dela que se tinha lembrado... O casal soltou-se e João cruzou o olhar lunático com a namorada do segurança. Era a enfermeira, disse a si mesmo quase sem conseguir respirar. Abriu o colarinho do pólo e tentou disfarçar o seu espanto, sorrindo-lhe envergonhado. Janota e a enfermeira aproximaram-se dele, com o segurança mais determinado que a companhia feminina, que parecia contrariada. A mala balouçava batendo-lhe na anca suavemente, João percorreu-a com o olhar, desceu para as suas pernas, maravilhosas, constatou, as da foto da mensagem. Sim, era ela, a Ganesha, tinha a certeza. Mas onde é que entrava a mala de Isabel naquilo tudo?

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

Sem comentários:

Enviar um comentário