Raios partissem naquilo tudo, pensou
João furioso ao perceber que a tal Ganesha devia estar chateada...
Não queria ser injusto com a namorada, mas tinha quase a certeza de
que ela tinha percebido os seus contactos secretos com outra mulher e
tinha feito de propósito ao telefonar no exato momento em que
estavam na cama. Não se sentia com autoridade para lhe pedir
satisfações, afinal ele tinha culpa também, mas parecia-lhe
extremamente ordinária aquela abordagem. Já tinha tentado mandar
sms, telefonado, e nada. A sua deusa hindú não lhe respondia nem
dava cavaco. Terminava ali o seu breve affair com alguém que lhe
parecera mais interessante que a loira sentada ao seu lado no carro.
A parva mantinha-se com um sorriso vitorioso e cínico, rosnou para
si mesmo em pensamento. Como é que algum dia podia ter convidado uma
tipa daquelas a viver consigo...? lamentava-se, procurando
estacionamento perto do bar onde ela sugerira ir depois de jantar.
- Vais ver que vais gostar! -
disse-lhe animada com o ar frustrado dele.
- Não posso beber nada. - respondeu
sem vontade nenhuma de ali estar com ela.
- Pois, eu bebo por ti. - gracejou,
rindo-se mais do ar de chateado dele que de outra coisa.
Saíram do carro mantendo sempre
distância física, e encaminharam-se para a entrada do bar, onde
estava Janota à porta, com cara de poucos amigos ao perceber quem
eles eram.
- Boa noite. Tudo bem? - perguntou
João estendendo a mão ao segurança. Sabia que eram amigos, fora
uma das visitas que recebera no hospital, e estranhou o desprezo dele
sem explicação. Talvez fosse uma exigência profissional, pensou,
deixando de lado essa preocupação. Entrou depois de Isabel e
procurou com o olhar o outro amigo, Salvador, que lhe sorriu de forma
bem mais entusiasmada e franca. Várias pessoas o cumprimentaram,
certamente velhos conhecidos, pensou, e João cumprimentou-os de volta, sem
reconhecer ninguém.
- Olá João! Seja bem-vindo ao mundo
dos vivos! - gracejou Salvador genuinamente feliz com aquela visita.
- Olá Salvador. Obrigado. -
apertou-lhe a mão com vigor – Deixa-me apresentar-te a minha
namorada, a Isabel. - disse, depois de uma leve cotovelada da
companhia feminina. - Gosto deste espaço, está bem decorado.
- Sim, por acaso quando comprei isto
tu ajudaste-me a arranjar o bar. Estás a ver aquele canto ali? -
apontou para uma zona de estar mais íntima, com cadeirões, pufs e
mesas baixas – Foste tu que deste a ideia! Querias um espaço mais
sossegado para as tuas amigas! - piscou-lhe o olho, divertido, como
que insinuando que João era mulherengo. - Mas isso foi antes de
assentares, claro. - corrigiu.
- Ah.. pois. - conseguia imaginar-se
ali com a Ganesha, a ter uma conversa de pé de orelha que o pusesse
louco. Era mais o seu estilo, concluiu. Isabel pegou num vodka
laranja e foi dançar, deixando-os sozinhos e João sentou-se ao
balcão e pediu um sumo. Aquilo ia ser a maior seca de sempre, mas
pelo menos a namorada não parecia precisar dele para se divertir.
-É muito enérgica ela, não? -
perguntou Salvador, a perceber claramente que João não tinha nada a
ver com aquela companhia.
- É... parece que gosta de dançar...
- respondeu, dando um gole no sumo que lhe soube a fel.
Salvador olhou repentinamente para o
telemóvel e pareceu bem preocupado com algo que lia, olhando para a
porta ansioso.
- Bem João, isto hoje parece que vai
animar! - soltou, afastando-se e dirigindo-se a outros clientes sem
explicar o que queria dizer com aquilo.
Isabel fazia caras e gestos ao som da
música, centralizando todas as atenções masculinas sobre si. Não
era uma mulher discreta e sabia utilizar bem os seus atributos
físicos para captar atenções. Não, não era o seu género de
mulher. Para si a beleza tinha de estar presente, claro, mas aquele
tipo de beleza que não precisa de se expor, que não invade o
espaço de ninguém, que simplesmente é. Talvez Isabel lhe fosse tão
desagradável aos olhos porque no fundo não tinha substrato,
pensava. Era fútil e não tinham quase nada em comum que o
interessasse. Olhava em volta, a tentar identificar alguém com as
características que gostava na mulher, quando uma silhueta se
destacou à entrada do bar. Janota colocou-se no seu campo de visão,
tapando a mulher e João voltou-se de novo para Salvador, resignado.
Pediu outro sumo e tornou a olhar a pista, sorrindo a contragosto a
Isabel, que lhe acenava e lançava beijos animada. Um breve instante
de luzes mais psicadélicas cegou-o momentaneamente, e
quando conseguiu voltar a observar a pista viu Janota a beijar
possessivamente a tal mulher bem feita. Ficou a olhá-los, tão
apaixonados, e sentiu uma leve inveja daqueles sentimentos fortes que
arrebatam as pessoas. O casal voltou-se na sua dança erótica e João
viu-a, ali, a balouçar no ombro da mulher, a mala vermelha de
Isabel. A boca secou-lhe, poisou o copo com a mão frouxa, e
apoiou-se no balcão, sentindo uma dormência na cara que o deixou
ligeiramente aflito. Isabel... mas qual Isabel? Perguntava-se
desesperado, a namorada? Não... não era dela que se tinha
lembrado... O casal soltou-se e João cruzou o olhar lunático com a
namorada do segurança. Era a enfermeira, disse a si mesmo quase sem
conseguir respirar. Abriu o colarinho do pólo e tentou disfarçar o
seu espanto, sorrindo-lhe envergonhado. Janota e a enfermeira
aproximaram-se dele, com o segurança mais determinado que a
companhia feminina, que parecia contrariada. A mala balouçava
batendo-lhe na anca suavemente, João percorreu-a com o olhar, desceu
para as suas pernas, maravilhosas, constatou, as da foto da mensagem.
Sim, era ela, a Ganesha, tinha a certeza. Mas onde é que entrava a
mala de Isabel naquilo tudo?
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(imagem, internet)
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