quarta-feira, 14 de novembro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 22 (3ª parte)




- Olá João, tudo bem? - perguntou a enfermeira estendendo-lhe a mão.
- Olá, como vai? - decidiu naquele instante deixá-la perceber apenas que reconhecia a enfermeira. - Também por aqui?
- Já se conheciam? - perguntou Janota dissimulado. - Não sabia que conhecias o Dr João, querida!
- Sim.... do hospital. - explicou a corar ligeiramente.
João percebeu que ela também não ficava indiferente à sua presença ali, e gostou da sensação de a ter incomodado. Aquele segurança não fazia nada o género dela, tão delicada e com um ar tão fresco. Até o cheiro a sabonete que vinha do cabelo dela o começava a deliciar. Sim, aquela era uma mulher que poderia facilmente ser o seu tipo, concluiu. - Sente-se aqui um pouco, para falarmos, o seu namorado deve ter que voltar para o seu trabalho. - sorriu vitorioso ao segurança que ficou furioso com as manobras educadas com que ele lhe tinha "roubado" a namorada. A enfermeira obedeceu e sentou-se ao seu lado, desconfortável com a altura do banco e a saia tão curta. - Podemos ir para ali, - apontou para o canto dos engates – vamos, se temos de esperar, que seja bem sentados. - conduziu-a até à mesa mais discreta e piscou o olho a Salvador, que sorria bem disposto. Sim, ele sabia que aquilo não estava certo, mas dentro de si estava corretíssimo. Tinha de conseguir perceber que tipo de relações cruzadas ali existiam entre eles todos. - Quer beber alguma coisa? - perguntou-lhe.
- Sim, um chá, por favor. - respondeu quase em surdina.
Deixou-a e apressou-se a fazer o pedido a Salvador. - Faz-me um grande favor, ok? Vai dando vodkas laranja à Isabel, e não lhe digas onde estou.
Voltou rapidamente para o canto discreto e colocou-se de forma a que a namorada não o conseguisse ver. - Marta, não é? - começou, enfrentando-a sem a deixar falar. - Primeiro, desculpa a cena do telemóvel, por favor, não fui eu que telefonei. - confessou corando. - Eu nem sei o que pensar... não entendo nada do que se está a passar aqui. Podes por favor explicar-me quem és, ou melhor, o que é que nós somos um ao outro?
- Desculpa João, devo ter-te dado a impressão errada. Nós não temos nada de íntimo um com o outro, o meu namorado é o Janota, como pudeste ver. - explicou, sorrindo-lhe só com a boca. - Foste meu aluno de yoga, sim, por isso te dei o Ganesha, a estátua do elefante, mas não temos nada um com o outro. - mentiu, colocando açúcar no chá mecanicamente.
- Bem... desculpa, não queria insinuar nada... só me pareceu que... - gaguejou constrangido.
- Não há nada a desculpar. - mentiu novamente – É compreensível que andes baralhado, claro. E a orelha? Ficou boa? - desconversou.
- Sim. - mexeu-lhe instintivamente, sentindo a pequena cicatriz – Desculpa, mas porque é que no hospital não me disseste que eras minha professora de yoga? - voltou à carga – E estas fotos? Que conversas são estas que mantivemos pouco tempo antes de ficar internado? - pegou no telemóvel e percorreu os sms, mostrando-os rapidamente - E o que é que me aconteceu, caramba? Quem é aquela mulher ali? - apontou para a pista – Porque é que estás a chorar? - pegou-lhe nas mãos, nervoso. Nada daquilo fazia sentido. - Por favor, explica-me o que somos um do outro. Se não quiseres mais nada comigo, eu compreendo, mas diz-me o que já tivemos,... quem sou eu? - suplicou-lhe, apertando-lhe mais as mãos.
- João.... - gemeu, tentando soltar-se das suas mãos. O seu orgulho não a deixava escancarar toda a verdade como queria. Aquela mulher ali por perto, com a chave de casa dele na carteira e ar arrogante tirava-lhe a coragem. Não queria tê-lo de volta assim, a ter de pedinchar ou provar quem era. Estava a sentir-se cada vez mais frustrada. - Desculpa, mas estás a confundir tudo. Eu tenho de ir, o Janota está à minha espera, pode não gostar de me ver aqui sozinha contigo. - tentou levantar-se, sempre de mãos dadas, quase a ceder à força que João fazia no sentido contrário.
- Diz-me porque é que me mandaste as fotos das tuas pernas? Achas que eu sou parvo? Eu sei que tínhamos um caso. Porque é que eu traía a minha namorada contigo?
- Achas-me com cara de amante de alguém? - respondeu-lhe enraivecida com aquelas insinuações despropositadas. - Larga-me já as mãos. - ordenou. - Não temos nada um com o outro. Mandei-te as fotos por engano, pensava que estava a mandá-las para o Janota. Pronto, está explicado. - mentiu, quase a explodir de raiva e tristeza.
- Não foi isso que eu quis dizer! Ninguém me diz nada! - gritou de volta, enfurecido consigo mesmo ao perceber a tristeza dela.
- É preciso ter muita lata! - berrou Isabel de pé, olhando-os furiosa, e interrompendo o momento dos dois.
- Ainda bem que chegou, o seu namorado precisa de respostas! - enfrentou-a levantando-se e colocando-se bem perto de Nélia. - Talvez esteja na hora de se sentarem e conversarem sobre quem são, como se conheceram, etc. - escarneceu – Boa noite. Pegou na carteira e saiu disparada. Péssima ideia, péssima ideia, recriminou-se, nunca aqui devia ter vindo. E aquele Janota, atrevido, a beijar-me assim em público sem me ter pedido autorização... Parvalhão... Passou pela porta sem sequer abrandar o passo. - Parvalhão! - berrou-lhe, sem lhe dar hipótese de conversa e dirigindo-se ao carro, recuperando aos poucos o oxigénio à medida que se afastava de tudo aquilo.

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(imagem, internet)

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