- Olá João, tudo bem? - perguntou a
enfermeira estendendo-lhe a mão.
- Olá, como vai? - decidiu naquele
instante deixá-la perceber apenas que reconhecia a enfermeira. -
Também por aqui?
- Já se conheciam? - perguntou Janota
dissimulado. - Não sabia que conhecias o Dr João, querida!
- Sim.... do hospital. - explicou a
corar ligeiramente.
João percebeu que ela também não
ficava indiferente à sua presença ali, e gostou da sensação de a
ter incomodado. Aquele segurança não fazia nada o género dela, tão
delicada e com um ar tão fresco. Até o cheiro a sabonete que vinha
do cabelo dela o começava a deliciar. Sim, aquela era uma mulher que
poderia facilmente ser o seu tipo, concluiu. - Sente-se aqui um
pouco, para falarmos, o seu namorado deve ter que voltar para o seu
trabalho. - sorriu vitorioso ao segurança que ficou furioso com as
manobras educadas com que ele lhe tinha "roubado" a
namorada. A enfermeira obedeceu e sentou-se ao seu lado,
desconfortável com a altura do banco e a saia tão curta. - Podemos
ir para ali, - apontou para o canto dos engates – vamos, se temos
de esperar, que seja bem sentados. - conduziu-a até à mesa mais
discreta e piscou o olho a Salvador, que sorria bem disposto. Sim,
ele sabia que aquilo não estava certo, mas dentro de si estava
corretíssimo. Tinha de conseguir perceber que tipo de relações
cruzadas ali existiam entre eles todos. - Quer beber alguma coisa? -
perguntou-lhe.
- Sim, um chá, por favor. - respondeu
quase em surdina.
Deixou-a e apressou-se a fazer o
pedido a Salvador. - Faz-me um grande favor, ok? Vai dando vodkas
laranja à Isabel, e não lhe digas onde estou.
Voltou rapidamente para o canto
discreto e colocou-se de forma a que a namorada não o conseguisse
ver. - Marta, não é? - começou, enfrentando-a sem a deixar falar.
- Primeiro, desculpa a cena do telemóvel, por favor, não fui eu que
telefonei. - confessou corando. - Eu nem sei o que pensar... não
entendo nada do que se está a passar aqui. Podes por favor
explicar-me quem és, ou melhor, o que é que nós somos um ao outro?
- Desculpa João, devo ter-te dado a
impressão errada. Nós não temos nada de íntimo um com o outro, o
meu namorado é o Janota, como pudeste ver. - explicou, sorrindo-lhe
só com a boca. - Foste meu aluno de yoga, sim, por isso te dei o
Ganesha, a estátua do elefante, mas não temos nada um com o outro.
- mentiu, colocando açúcar no chá mecanicamente.
- Bem... desculpa, não queria
insinuar nada... só me pareceu que... - gaguejou constrangido.
- Não há nada a desculpar. - mentiu
novamente – É compreensível que andes baralhado, claro. E a
orelha? Ficou boa? - desconversou.
- Sim. - mexeu-lhe instintivamente,
sentindo a pequena cicatriz – Desculpa, mas porque é que no
hospital não me disseste que eras minha professora de yoga? - voltou
à carga – E estas fotos? Que conversas são estas que mantivemos pouco tempo antes de ficar internado? - pegou no telemóvel e
percorreu os sms, mostrando-os rapidamente - E o que é que me
aconteceu, caramba? Quem é aquela mulher ali? - apontou para a pista
– Porque é que estás a chorar? - pegou-lhe nas mãos, nervoso.
Nada daquilo fazia sentido. - Por favor, explica-me o que somos um do
outro. Se não quiseres mais nada comigo, eu compreendo, mas diz-me o
que já tivemos,... quem sou eu? - suplicou-lhe, apertando-lhe mais
as mãos.
- João.... - gemeu, tentando
soltar-se das suas mãos. O seu orgulho não a deixava escancarar
toda a verdade como queria. Aquela mulher ali por perto, com a chave
de casa dele na carteira e ar arrogante tirava-lhe a coragem. Não queria tê-lo de volta assim, a ter de pedinchar ou provar quem era. Estava a sentir-se cada vez mais frustrada. -
Desculpa, mas estás a confundir tudo. Eu tenho de ir, o Janota está
à minha espera, pode não gostar de me ver aqui sozinha contigo. -
tentou levantar-se, sempre de mãos dadas, quase a ceder à força
que João fazia no sentido contrário.
- Diz-me porque é que me mandaste as
fotos das tuas pernas? Achas que eu sou parvo? Eu sei que tínhamos
um caso. Porque é que eu traía a minha namorada contigo?
- Achas-me com cara de amante de
alguém? - respondeu-lhe enraivecida com aquelas insinuações
despropositadas. - Larga-me já as mãos. - ordenou. - Não temos
nada um com o outro. Mandei-te as fotos por engano, pensava que
estava a mandá-las para o Janota. Pronto, está explicado. - mentiu,
quase a explodir de raiva e tristeza.
- Não foi isso que eu quis dizer!
Ninguém me diz nada! - gritou de volta, enfurecido consigo mesmo ao
perceber a tristeza dela.
- É preciso ter muita lata! - berrou
Isabel de pé, olhando-os furiosa, e interrompendo o momento dos
dois.
- Ainda bem que chegou, o seu namorado
precisa de respostas! - enfrentou-a levantando-se e colocando-se bem
perto de Nélia. - Talvez esteja na hora de se sentarem e conversarem
sobre quem são, como se conheceram, etc. - escarneceu – Boa noite.
Pegou na carteira e saiu disparada. Péssima ideia, péssima
ideia, recriminou-se, nunca
aqui devia ter vindo. E aquele Janota, atrevido, a beijar-me assim em
público sem me ter pedido autorização... Parvalhão... Passou
pela porta sem sequer abrandar o passo. - Parvalhão! - berrou-lhe,
sem lhe dar hipótese de conversa e dirigindo-se ao carro, recuperando aos poucos o oxigénio à medida que se afastava de tudo aquilo.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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