quinta-feira, 15 de novembro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 22 (4ª parte)




- Isabel, já te pedi desculpa, estávamos só a conversar. - disse pela centésima vez.
- A partir de agora se queres conversar, conversas comigo! - gritou descontrolada batendo a porta com demasiada força e fazendo João encolher-se com medo de que ela lhe espatifasse o motor do vidro do carro.
- Devagar! - ralhou chateado. - E não é preciso a vizinhança toda ouvir a nossa conversa.
- Ai não gostas de escândalos, é? - ironizou, olhando-o provocadora. - Pois talvez comece a fazer umas peixeiradas para vizinhança saber quem tu és!
João deu meia volta e entrou novamente no carro. Mais um bocado e dava-lhe uma galheta. Estava a perder a paciência e não queria ser preso por violência doméstica. Acelerou no carro e deixou-a a esbracejar no meio da rua, colocando o som do rádio bem alto e avançando em direção à liberdade e paz de espírito. Conduziu sem destino, andando sem nexo pela cidade quase vazia, acalmando-se à medida que diminuía a velocidade e aumentava a distância de casa. Parou num semáforo e distraiu-se a explorar o GPS do monitor, ainda não tinha tido tempo para tentar perceber como funcionava aquilo. Procurou o Menu e encontrou Últimos Destinos, carregando curioso. A última morada aparecia-lhe tão clara que não teve qualquer dúvida. Era a morada dela. Carregou em Ir e deixou-se guiar pelas informações do GPS, com as mãos a suar de excitação. Iria só espreitar o local, decidiu, tinha imensa curiosidade por satisfazer. Avançou por ruas que não se recordava de conhecer, uma zona da cidade já afastada, e que parecia demasiado inóspita. Para sua surpresa estava recentemente alcatroada, o que o descansou, aquele carro era pouco prático para caminhos menos recentes. A excitação que crescia dentro de si deixava-o como um miúdo, e não conseguia acreditar na explicação dela de que tinha enviado as fotos por engano. Sentia-se sempre demasiado entusiasmado quando o assunto era Ganesha, ou melhor, Marta. Parou o carro no portão e ficou sem saber o que fazer. Já não eram horas para visitar ninguém, e certamente que ela já estaria a dormir. Uma luz acendeu na casa e João aproveitou a deixa e saiu do carro, trancando-o. Abriu o portão, certificando-se de que não ouvia cão nenhum e encaminhou-se devagar até à porta, respirando cada vez mais dificilmente. Já ali tinha estado, sabia-o, e mesmo sem recordações, sabia que gostava daquele local. Bateu à porta e ficou à espera, respirando profundamente, enquanto aguardava nervoso. Uma fresta abriu e Marta surgiu do outro lado, tão bela e infantil, com um robe e chinelos abonecados e fofos, olhando-o nervosa.
- João?... O que é que fazes aqui?
- Posso entrar? - perguntou, já entrando, sem lhe dar hipótese de responder negativamente.
- Mas.. eu já estava deitada. - gaguejou, a sentir-se amolecer com a energia vinda dele.
- Não me convenceste, eu sei que gostamos um do outro. - agarrou-a, apertando-a, como no poliban, era ela, aquele corpo tão natural, Marta agarrou-lhe nos cabelos possessivamente e beijou-o, cegando-o. Um chiar estridente fê-los soltarem-se abruptamente, e João viu um pequeno cachorro debaixo dos pés deles, aflito. Sorriu-lhe e pegou-lhe, abrançando-a com o braço livre. Continuaram o beijo, mais calmo e Marta tirou-lhe o cachorro da mão, poisando-o na cozinha por trás de uma grade que lhe restringia os movimentos e o condicionava ao espaço. Abriu o robe e deixou-o abraçá-la por dentro do tecido, mais junto ao seu corpo, sentindo-o melhor e mais profundamente. Tinha sonhado tanto com aquele momento... João tirou os sapatos, o casaco e retomou o abraço, beijando-a com mais paixão ainda. Sim, aquele era o seu sítio. Porque aquilo fazia todo o sentido, era o seu sítio, a mulher que desejava nos seus sonhos noturnos e diurnos. Pegou-lhe em peso e libertou-se, amando-a toda naquele beijo, como se precisasse dela para respirar. Marta amolecia vencida nos seus braços, como se também ela esperasse há muito por aquele momento. Só podiam ser amantes, pensou, ligeiramente incomodado. Olhou-a curioso, seria sempre assim tão forte entre os dois? - Porque é que não somos namorados? - perguntou-lhe, abraçando-a com força. Marta não respondeu, ficando em silêncio, pensativa. Algo mudou na energia que os unia e João ficou confuso, olhando-a à espera de uma explicação. - Diz-me, sempre fomos amantes?
Ela libertou-se, fechou o robe e deixou-o sem resposta, o que lhe provocou uma fúria crescente, não entendia porque é que ela se mantinha tão secretista. - Não entendes que estou confuso? Podes explicar-me por favor o que se passa aqui? Quem és tu afinal? - o telemóvel começou a tocar dentro do bolso das suas calças, e João verificou com ansiedade que era Isabel a ligar-lhe. Desligou a chamada e concentrou-se novamente na mulher amargurada e triste que o olhava em silêncio. O telemóvel retomou o som de chamada e João atendeu, nervoso. - Sim? - lançou bruscamente, sempre sem tirar os olhos dela, tão bela e desiludida. Uma dor quente invadiu-lhe o peito, - Já vou. Não se passa nada. - respondeu ao questionário da namorada – Vim dar uma volta, a ver se te acalmavas. - Marta olhava-o sem reagir, virou-lhe as costas e abriu-lhe a porta de casa, convidando-o em silêncio a sair. - Isabel, agora não posso falar. Já conversamos. Até já. - desligou o telefonema e dirigiu-se à porta, fechando-a com estrondo. - Não vou sair assim.
Marta apanhou os seus sapatos e o casaco do chão e devolveu-lhos, abrindo novamente a porta, sempre em silêncio. João fechou-a novamente, sentia-se a perder o norte, desorientado com o que sentia por ela. Como podia gostar tanto de uma pessoa que nem conhecia, ou se recordava...
- Sai. E não voltes. Por favor. - abriu-lhe a porta – Esquece-me.
O telemóvel tornou a tocar no seu bolso, e João saiu, de sapatos na mão, ficando do lado de fora da porta, a olhar para o escuro da noite, a sentir-se miserável e humilhado. Calçou-se quase em andamento, mantendo-se firme na ordem que recebera. Vestiu o casaco, acelerou o passo e pontapeou uma pedra que se lhe atravessou no caminho. Abriu o portão e deu de caras com Janota, dentro do carro estacionado, ao escuro, como se estivesse à espera que ele saísse da casa para entrar. Quis ir partir-lhe a cara, precisava de andar à porrada, pensou, enquanto decidia se entrava no seu próprio carro ou enfrentava o segurança. Ficou uns momentos a medir o homem que saía do carro nas calmas e caminhava na sua direção em desafio. Seria uma luta desigual, lamentou-se, ao comparar os físicos dos dois, mas o que lhe faltava em músculo sobrava-lhe em fúria e ódio. Odiava aquele Janota e o facto de ele ter aquela mulher, que devia ser dele. O segurança parou bem perto de si, e ficaram a olhar-se uns segundos, só a mostrar o quanto se detestavam mutuamente. Janota sorriu provocadoramente, entrou no portão, fechou-o e disse: - Então adeusinho!
João cerrou os punhos com toda a força que tinha, sem se virar para trás, apanhando coragem para desistir e dar-se por vencido. Entrou no carro e acelerou derrapando com o carro ao estilo dos policiais americanos.

(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)

Sem comentários:

Enviar um comentário