- Isabel, já te pedi desculpa,
estávamos só a conversar. - disse pela centésima vez.
- A partir de agora se queres
conversar, conversas comigo! - gritou descontrolada batendo a porta
com demasiada força e fazendo João encolher-se com medo de que ela
lhe espatifasse o motor do vidro do carro.
- Devagar! - ralhou chateado. - E não
é preciso a vizinhança toda ouvir a nossa conversa.
- Ai não gostas de escândalos, é? -
ironizou, olhando-o provocadora. - Pois talvez comece a fazer umas
peixeiradas para vizinhança saber quem tu és!
João deu meia volta e entrou
novamente no carro. Mais um bocado e dava-lhe uma galheta. Estava a
perder a paciência e não queria ser preso por violência doméstica.
Acelerou no carro e deixou-a a esbracejar no meio da rua, colocando o
som do rádio bem alto e avançando em direção à liberdade e paz
de espírito. Conduziu sem destino, andando sem nexo pela cidade
quase vazia, acalmando-se à medida que diminuía a velocidade e
aumentava a distância de casa. Parou num semáforo e distraiu-se a
explorar o GPS do monitor, ainda não tinha tido tempo para tentar
perceber como funcionava aquilo. Procurou o Menu e encontrou Últimos
Destinos, carregando curioso. A última morada aparecia-lhe tão
clara que não teve qualquer dúvida. Era a morada dela. Carregou em
Ir e deixou-se guiar pelas informações do GPS, com as mãos a suar
de excitação. Iria só espreitar o local, decidiu, tinha imensa
curiosidade por satisfazer. Avançou por ruas que não se recordava
de conhecer, uma zona da cidade já afastada, e que parecia demasiado
inóspita. Para sua surpresa estava recentemente alcatroada, o que o
descansou, aquele carro era pouco prático para caminhos menos
recentes. A excitação que crescia dentro de si deixava-o como um
miúdo, e não conseguia acreditar na explicação dela de que tinha
enviado as fotos por engano. Sentia-se sempre demasiado entusiasmado
quando o assunto era Ganesha, ou melhor, Marta. Parou o carro no
portão e ficou sem saber o que fazer. Já não eram horas para
visitar ninguém, e certamente que ela já estaria a dormir. Uma luz
acendeu na casa e João aproveitou a deixa e saiu do carro,
trancando-o. Abriu o portão, certificando-se de que não ouvia cão
nenhum e encaminhou-se devagar até à porta, respirando cada vez
mais dificilmente. Já ali tinha estado, sabia-o, e mesmo sem
recordações, sabia que gostava daquele local. Bateu à porta e
ficou à espera, respirando profundamente, enquanto aguardava
nervoso. Uma fresta abriu e Marta surgiu do outro lado, tão bela e
infantil, com um robe e chinelos abonecados e fofos, olhando-o
nervosa.
- João?... O que é que fazes aqui?
- Posso entrar? - perguntou, já
entrando, sem lhe dar hipótese de responder negativamente.
- Mas.. eu já estava deitada. -
gaguejou, a sentir-se amolecer com a energia vinda dele.
- Não me convenceste, eu sei que
gostamos um do outro. - agarrou-a, apertando-a, como no poliban, era
ela, aquele corpo tão natural, Marta agarrou-lhe nos cabelos
possessivamente e beijou-o, cegando-o. Um chiar estridente fê-los
soltarem-se abruptamente, e João viu um pequeno cachorro debaixo dos
pés deles, aflito. Sorriu-lhe e pegou-lhe, abrançando-a com o braço
livre. Continuaram o beijo, mais calmo e Marta tirou-lhe o cachorro
da mão, poisando-o na cozinha por trás de uma grade que lhe
restringia os movimentos e o condicionava ao espaço. Abriu o robe e
deixou-o abraçá-la por dentro do tecido, mais junto ao seu corpo,
sentindo-o melhor e mais profundamente. Tinha sonhado tanto com
aquele momento... João tirou os sapatos, o casaco e retomou o
abraço, beijando-a com mais paixão ainda. Sim, aquele era o seu
sítio. Porque aquilo fazia todo o sentido, era o seu sítio, a
mulher que desejava nos seus sonhos noturnos e diurnos. Pegou-lhe em
peso e libertou-se, amando-a toda naquele beijo, como se precisasse
dela para respirar. Marta amolecia vencida nos seus braços, como se
também ela esperasse há muito por aquele momento. Só podiam ser
amantes, pensou, ligeiramente incomodado. Olhou-a curioso, seria
sempre assim tão forte entre os dois? - Porque é que não somos
namorados? - perguntou-lhe, abraçando-a com força. Marta não
respondeu, ficando em silêncio, pensativa. Algo mudou na energia que
os unia e João ficou confuso, olhando-a à espera de uma explicação.
- Diz-me, sempre fomos amantes?
Ela libertou-se, fechou o robe e
deixou-o sem resposta, o que lhe provocou uma fúria crescente, não
entendia porque é que ela se mantinha tão secretista. - Não
entendes que estou confuso? Podes explicar-me por favor o que se
passa aqui? Quem és tu afinal? - o telemóvel começou a tocar
dentro do bolso das suas calças, e João verificou com ansiedade que
era Isabel a ligar-lhe. Desligou a chamada e concentrou-se novamente
na mulher amargurada e triste que o olhava em silêncio. O telemóvel
retomou o som de chamada e João atendeu, nervoso. - Sim? - lançou
bruscamente, sempre sem tirar os olhos dela, tão bela e desiludida.
Uma dor quente invadiu-lhe o peito, - Já vou. Não se passa nada. -
respondeu ao questionário da namorada – Vim dar uma volta, a ver
se te acalmavas. - Marta olhava-o sem reagir, virou-lhe as costas e
abriu-lhe a porta de casa, convidando-o em silêncio a sair. -
Isabel, agora não posso falar. Já conversamos. Até já. - desligou
o telefonema e dirigiu-se à porta, fechando-a com estrondo. - Não
vou sair assim.
Marta apanhou os seus sapatos e o
casaco do chão e devolveu-lhos, abrindo novamente a porta, sempre em
silêncio. João fechou-a novamente, sentia-se a perder o norte,
desorientado com o que sentia por ela. Como podia gostar tanto de uma
pessoa que nem conhecia, ou se recordava...
- Sai. E não voltes. Por favor. -
abriu-lhe a porta – Esquece-me.
O telemóvel tornou a tocar no seu
bolso, e João saiu, de sapatos na mão, ficando do lado de fora da
porta, a olhar para o escuro da noite, a sentir-se miserável e
humilhado. Calçou-se quase em andamento, mantendo-se firme na ordem
que recebera. Vestiu o casaco, acelerou o passo e pontapeou uma pedra
que se lhe atravessou no caminho. Abriu o portão e deu de caras com
Janota, dentro do carro estacionado, ao escuro, como se estivesse à
espera que ele saísse da casa para entrar. Quis ir partir-lhe a
cara, precisava de andar à porrada, pensou, enquanto decidia se
entrava no seu próprio carro ou enfrentava o segurança. Ficou uns
momentos a medir o homem que saía do carro nas calmas e caminhava na
sua direção em desafio. Seria uma luta desigual, lamentou-se, ao
comparar os físicos dos dois, mas o que lhe faltava em músculo
sobrava-lhe em fúria e ódio. Odiava aquele Janota e o facto de ele
ter aquela mulher, que devia ser dele. O segurança parou bem perto
de si, e ficaram a olhar-se uns segundos, só a mostrar o quanto se
detestavam mutuamente. Janota sorriu provocadoramente, entrou no
portão, fechou-o e disse: - Então adeusinho!
João cerrou os punhos com toda a
força que tinha, sem se virar para trás, apanhando coragem para
desistir e dar-se por vencido. Entrou no carro e acelerou derrapando
com o carro ao estilo dos policiais americanos.
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(imagem, internet)
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