terça-feira, 22 de outubro de 2019

1969 - Capítulo 1


Um dia perguntei à minha mãe se se podia sonhar acordado, expressão que ouvira já não sei onde. Ela respondeu-me que sim, o que me espantou, e explicou-me que era quando imaginávamos coisas e não estávamos a dormir. Nunca me esqueci disto, não sei porquê, recordo-me até do local onde lhe fiz esta pergunta, só não podia imaginar que iria sonhar tanto acordada, ao longo da vida. Como qualquer história que me vai surgindo na cabeça, esta começou por ser um conjunto de personagens que me apareceram quando deixava a mente vaguear por esse limbo de quem não está a dormir, mas também não está propriamente com os pés assentes na terra. Desta vez andei por Tomar, passeei pela Mata dos Sete Montes, vi a festa dos Tabuleiros e comi Fatias de Tomar. O resto foi tudo vivido pelos personagens! ;)

Boa viagem!



Capítulo 1

1968
Dentro da camioneta vivia-se um clima abrasador, numa mistura de cheiros intensificados pelos 35 graus daquele dia de verão, lugares lotados e todo o tipo de trabalhadores rurais das redondezas entusiasmados com a visita à famosa festa dos Tabuleiros. Um cortejo que Ricardo Maria nunca tinha visto ao vivo, mas do qual já tinha visto fotografias e reportagens. Sentia-se a derreter dentro do fato, com suor a escorrer pelo pescoço a empapar o colarinho da camisa, imaculadamente engomado pela irmã mais velha nessa manhã. Iria ser difícil encontrar em Tomar alguém com mãos sensíveis para a roupa como Manuela. Sorriu com ternura ao recordar a despedida das suas mulheres, seis irmãs e a mãe, que o encheram de mimos e prendas para a sua nova jornada como Professor da Instrução Primária tão longe de casa. Tecnicamente ainda nunca trabalhara um ano lectivo completo e sozinho, essa responsabilidade tinha sido sempre dividida com a irmã mais nova, que o ajudava sempre às escondidas do Diretor do Colégio Progresso, mas estava na hora de assumir que conseguiria ensinar tão ou melhor sem ela, a sua "namorada" secreta, como gostavam de a apelidar na brincadeira, visto que andavam sempre aos cochichos e segredos, como dois miúdos cúmplices. Tinha com cada uma das irmãs uma relação diferente, mas sendo o mais novo de todos, aprendera desde cedo a entender cada uma delas, os seus temperamentos, defeitos, virtudes, adaptando-se inteligentemente ao complicado mundo feminino e seus mistérios. Era um homem de 30 anos solteiro, mas com mais experiência em mulheres que qualquer cinquentão a celebrar bodas de prata. Essa convivência extrema era na realidade a causa de nunca se ter enamorado o suficiente de nenhuma outra mulher, pois tinha elevados padrões de beleza e intelecto. Seria impossível encontrar uma rapariga bela como Manuela, inteligente como Isabel, cozinheira como Luísa, doce como Laura, divertida como Margarida, dedicada como Diana e claro, que cantasse melhor que Maria, a mãe. Muitos diziam nas suas costas que ele era mais Maria que Ricardo, brincando com o terrível facto de que o seu nome era estranho e híbrido, e com o seu aparente desprezo pelo sexo feminino. Só ele, e todas lá em casa sabiam como isso era mentira, Ricardo amava as mulheres, mas era dominado desde pequeno por sete, que lhe consumiam todo o tempo do mundo, e ele adorava. Receava as saudades que iria ter do barulho que uma casa cheia conseguia ter, das confusões entre elas, das alegrias das horas das refeições, de toda aquela energia com que vivia há 30 anos. Tinha ido mais cedo para Tomar para encontrar uma casa, recusando a companhia do seu harém, que iria certamente assustar a pequena vila ribatejana. Queria chegar discretamente, sem rótulos, para se adaptar e conhecer tudo com calma. Se era uma aventura, iria vivê-la à sua maneira.
Ouviu um travar esforçado e estridente e a populaça entusiasmou-se automaticamente ao pararem finalmente no destino, levantando uma euforia desenfreada, como se tivessem vindo todo o caminho a poupar as energias para a festa. Ricardo deixou que todos passassem, para esticar as longas pernas com calma e restituir aos joelhos rígidos a circulação sanguínea que lhe permitisse andar sem parecer coxo. Fechou os botões do casaco, depois de se sacudir energicamente para retirar as dobras da viagem, e tratou de encontrar os seus pesados malões, para os quais teria de arranjar ajuda no transporte, pois traziam todo o tipo de necessidades primárias sabiamente empacotadas pelas irmãs. Rapidamente surgiu um voluntário desejoso de ganhar uns escudos, e encaminharam-se para a casa do Diretor da Escola Primária de Tomar que lhe iria dar estadia nos primeiros tempos, caminhando com dificuldade pela multidão entusiasmada que já se juntava no início da rua.
- Escolhi mal o dia para chegar com estes malões. - comentou com o rapaz que se esforçava para equilibrar o retângulo gigante e pesado na cabeça, passando estrategicamente pelo meio de participantes do cortejo, músicos de banda, e todo o tipo de curiosos que se amontoavam nas imediações da estrada.
- Hoje é o dia mais lindo do ano! - respondeu, sorrindo com um ar meio tonto. - Veio ver os tabuleiros? - gritou-lhe por debaixo do braço, olhando-o com dificuldade.
- Sim, e não. - e ia começar a explicar a sua resposta vaga, quando o rapaz pareceu conformado e esclarecido, virando-lhe as costas e continuando feliz a caminhada mais rápido que o que seria desejável, para quem transportava à cabeça um malão no meio de tabuleiros que se alinhavam para o início do cortejo. Parecia ele uma das raparigas de branco, orgulhosas na sua tarefa de carregar um monstruoso conjunto cilíndrico de flores e pão, com o tamanho de uma pessoa, que, segundo tinha lido, simbolizava o agradecimento ao divino pelas colheitas que sustentariam a população durante o ano.
- Não caminhe tão depressa... olhe que se alguém se desequilibra damos cabo da festa! - gritou, tentando acompanhar o ritmo decidido do rapaz, quando o pobre desmiolado se virou para trás para lhe acenar afirmativamente e bateu com uma das pontas do malão num cotovelo de uma rapariga que sustentava um tabuleiro. Ricardo gelou, ao ver a cena em câmara lenta, e num ato que viria mais tarde a ser aclamado como heróico, salvou a festa dos Tabuleiros ao se estatelar no chão de terra batida para receber o monstro cilíndrico que se desfaria em mil pedaços se embatesse no chão de chofre, desamparado. Quando abriu os olhos, uma nuvem de pó tirava-lhe a visibilidade, e o peso do tabuleiro não lhe permitia limpar a terra que lhe cobria a cara, ficando momentaneamente cego, à espera que alguém o viesse socorrer e tirar o objeto pesado de cima. Vários gritos o rodeavam, e ao mesmo tempo que homens erguiam o tabuleiro, uma mão fresca e molhada lhe restituiu a visão. Uma mulher entre as idades de Manuela e Isabel, de aliança, viu de logo de relance, ajudava-o a limpar a cara, sorrindo-lhe como se estivesse mais divertida que grata, o que o surpreendeu.
- Está bem? Não se magoou? - perguntou-lhe, olhando-o maternalmente.
- Sim, sim, muito obrigado. - olhou-se de alto a baixo, analisando o estado em que ficara a sua roupa, o melhor fato que tinha trazido propositadamente vestido no corpo, com medo que os mimos das irmãs dentro do malão o destruíssem. - Este fato é que já era... - lamentou-se, visivelmente chateado com aquele contratempo. Olhou o rapaz duramente, estava capaz de o desfazer, por sua culpa iria andar vestido como um simplório até que conseguisse encontrar um alfaiate em condições.
- Não se preocupe, o meu tio é alfaiate, pode ser que ainda hoje consiga remendar alguma coisa... - disse, satisfeita por tentar ajudar.
- Remendar?! - olhou-a escandalizado com aquela proposta. Se Manuela ali estivesse tinha um chilique, ao vê-lo todo amarfanhado de horas sentado numa camioneta e puído da queda no chão de terra. - A culpa é toda tua, atoleimado! - berrou ao rapaz que olhava o chão submissamente sem conseguir falar.
- Não precisa de ser bruto! O Toninno não fez por mal! Ele estava a ajudá-lo. - insurgiu-se a mulher, ofendida, como se defendesse um filho - Não fiques assim querido, - consolou-o, abraçando o rapaz que parecia ainda mais tonto - o Sr está só nervoso, não fizeste de propósito. Já passou. - Fez-lhe uma leve festa na cara e virou a Ricardo uns olhos mortais, puxando o rapaz para longe dele, deixando os malões espalhados na estrada. Ricardo suspirou, levemente culpado com a sua reação exagerada, e tratou de apanhar os seus pertences e procurar outro ajudante, preferencialmente que não sofresse de distúrbios mentais, pensou. A menina do tabuleiro prontificou-se a ajudá-lo, como pagamento pelo salvamento do seu precioso cilindro de flores, que levara meses a construir e encontrou prontamente outro voluntário.


Descobriu que a casa do Diretor Sidónio Silva era bem perto dali, na Avenida Cândido Madureira, e foi com grande alívio que pôde finalmente refrescar-se e compor a sua figura, limpando-se o melhor que conseguiu, depois de uma efusiva receção com honras de Estado que o deixaram desconfortável. O desânimo que sentia por conta do seu desalinho no fato amarrotado e sujo tirava-lhe a vontade de assistir o cortejo, mesmo que da janela, engalanada com todo o preceito para o convidado especial, mas não poderia fazer a desfeita ao seu novo chefe, e enquanto não alugasse uma casa, o seu senhorio. Aceitou um refresco de limão e uma fatia de Tomar, uma iguaria conventual que o animou ligeiramente e colocou-se estrategicamente no local indicado pelos donos da casa, orgulhosos da sua posição privilegiada na rua, de onde se via o cortejo "como um Rei"!, comentara o Diretor ruborizado dos quilos a mais e do calor abrasador que se sentia. Queria mesmo era retirar-se para o seu quarto, despir aquela roupa e sentir a brisa do fim de tarde que se adivinhava. Encostou-se à janela, onde batia um sol abrasador, e já o cortejo desfilava devagar, colorido e definitivamente belo, constatou, impressionado com a resistência daquelas mulheres a carregar na cabeça os tabuleiros gigantes e pesados que davam todo o sentido à festa. As ruas de Tomar pareciam pintadas com milhares de cores e desenhos, feitos com flores de papel, mas eram aqueles breves momentos de desfile que simbolizavam para os tomarenses o orgulho da festa. Uma música ouvia-se no fim do cortejo dos mordomos, e Ricardo animou-se com a cadência certa com que a banda parecia tocar. Era raro encontrar músicos amadores bem comandados, e para um ouvido absoluto como o dele, um suplício ouvir música arrastada e desafinada. Cada vez se abstraía mais dos sons externos e se concentrava na música que caminhava na direção da casa do Diretor, trazendo com ela uma brisa mais fresca que denunciava o início do fim de tarde. Um clarinete dançava em cima dos outros instrumentos, brincando com as harmonias e Ricardo esticou-se para conseguir descobrir o músico brilhante que ali andava escondido numa banda filarmónica, excitado por saber que havia dotados por ali. A sua boca abriu involuntariamente quando percebeu que era uma mulher, a que o tinha ajudado a limpar a cara e lhe tinha prestado o primeiro auxílio depois de ter caído estatelado no chão. Não se espantava por uma mulher saber tocar, em sua casa todas eram instrumentistas de alguma coisa, mas pelo facto de ir vestida como um homem, de calças, com as formas delineadas e expostas, numa tentativa nada conseguida de se misturar no meio dos outros músicos masculinos. Aquele pormenor parecia não chamar a atenção de mais ninguém a não ser ele, e Ricardo não fez qualquer comentário, limitando-se a captar com luxúria disfarçada os contornos voluptuosos da mulher, em silêncio, procurando fugazmente sinais de um marido que parecia não se importar com a partilha das nádegas da esposa com a população, enquanto fumava calmamente uma cigarrilha aromática.
- Linda a festa!, não é? - perguntou Sidónio entusiasmado com aquela vista privilegiada de todos os acontecimentos do cortejo - Este é ou não é o melhor lugar da vila? - insistiu fanfarrão.
- Linda... Uma verdadeira luxúria! - comentou, divertido, ainda impressionado com as formas da clarinetista.
- Pois bem, tenho a dizer-lhe que já aqui estiveram centenas de individualidades, nesse mesmo lugar onde o Professor está! - explicou, com orgulho - Até um Ministro! - acrescentou arregalando os olhos.
- Só tenho a agradecer-lhe a honra e o prazer de me ter proporcionado esta vista! - exclamou, animado com a música e a visão.
- Venha, venha, que os tabuleiros já lá vão e a minha esposa já nos aguarda para a ceia! - disse Sidónio, cravando uma frustração aguda em Ricardo, que relutantemente obedeceu e deixou a janela, seguindo o homem esfomeado que já tinha enfardado quatro fatias de Tomar e três brancos fresquinhos. - O Professor senta-se aqui, à minha direita, a Tininha ao lado do Professor, a mãe ao meu lado esquerdo e a Lucinda a seguir! - distribuiu os lugares sem hipóteses, tomando as rédeas da sala de jantar abafada. Tininha era a única filha do casal, uma bela rapariga ainda na flor da idade, constatou Ricardo, ainda não deveria ter 18 anos, mas olhava-o como mulher, o que o deixou apreensivo. Não queria problemas com o chefe, que parecia não perceber nada de mulheres, ao sentá-la tão perto do convidado, remoeu, tendo o cuidado de se colocar afastado o suficiente para que não houvesse necessidade da miúda se roçar nele. A mãe, Lucinda, era de sorriso fácil e pareceu-lhe agradada com o seu posicionamento estratégico junto da adolescente, mais esperta que o marido e genuinamente afável, feliz por ter companhia para conversar, o que parecia ser raro às refeições naquela casa. A avó era um autêntico vegetal, quase que Lucinda lhe dava a comida na boca, orientando-a durante todo o tempo, carinhosamente, Sidónio era daquele tipo de chefes de família que só gastava latim com outros homens, e Tininha olhava-o embevecida e levemente excitada, sempre que Ricardo lhe dirigia perguntas de ocasião. Teria de aguentar aquilo durante uns dias, resignou-se, dando graças por no entanto ter tido o acolhimento naquela casa e não ser necessário sujeitar-se a uma residencial, ou coisa pior, onde duvidava que escaldassem os lençóis depois de usados. Tinha regras e hábitos de higiene rigorosos, incutidos pela mãe e postos em prática por Manuela e Laura, as responsáveis pelas roupas da casa e ciosas higienizadoras de todos os tecidos que tocassem o corpo. Imaginar-se numa cama deitado nuns lençóis anteriormente utilizados para o coito dava-lhe calafrios e comichão.

Depois de uma ceia faustosa que parecia nunca mais terminar, desculpou-se ao dono da casa e restantes familiares e pediu licença para se retirar e descansar. Sidónio ansiava por visitar um ou dois cafés com o convidado, mas Ricardo não bebia quase nada comparado com ele e já lhe turvava o olhar, depois da aguardente caseira que fora obrigado a engolir. Ainda sentia o ardor da bebida no esófago, a queimar-lhe as entranhas, quando se deitou, e esperou que o sono viesse. Fazia-lhe falta o chá de Tília de Diana, antes das boas noites, e o rosário de despedidas que se alinhavam quando Ricardo deixava as mulheres na sala ao final do dia e se isolava no quarto. Hábitos que teria de perder, mas que naquela noite pareciam não lhe sair da cabeça. No dia seguinte iria telefonar-lhes e sossegá-las de que o quarto era asseado e minimamente confortável, estava bem instalado, pelo menos enquanto ali estivesse na casa do Diretor.
Adormeceu já altas horas da noite, incomodado com as melgas e a digestão difícil daqueles novos temperos e iguarias fortes demais para uma ceia. Pensou em variadas formas educadas de recusar alimentos tão fortes nos próximos jantares, e sugerir refeições leves e frescas, como fazia Luísa durante os meses quentes de verão. Eram demasiadas mudanças para alguém que vivia há 30 anos no meio de mulheres solteiras e com uma adoração e dedicação exclusiva ao irmão mais novo, desde que nascera, pensou, desculpando-se pelas críticas e reclamações que lhe surgiam. Perderam o pai quando Ricardo era ainda bebé, e pareciam devotadas a manter o único espécime masculino vivo e nas melhores condições possíveis. Tinha por isso de admitir que era o que vulgarmente chamavam de mimado.



- Muito bom dia, Professor. - exclamou educadamente Lucinda, que o encaminhou para a mesa do pequeno-almoço - Queira fazer o favor de se sentar. Vou buscar o café, o Sidónio ainda dorme, mas faço-lhe companhia à mesa.
Ricardo detestava café, mas receou ofender a mulher e como ainda se sentia dormente da aguardente decidiu fazer um esforço e beber o estimulante a que não estava habituado. Tinha que procurar o tal alfaiate, ir conhecer as casas que já tinha em vista e analisar bem o estado de cada uma antes de se decidir pela sua futura morada, a cafeína seria necessária, concluiu, sorrindo à dona da casa quando esta voltou da cozinha animada.
- Está tudo com ótimo aspeto, obrigado. - agradeceu, lançando-se ao pão fresco que ainda fumegava - Não queria que se sentissem na obrigação de me tratar com cerimónias. Podem tratar-me como se fosse da casa. - acrescentou, lembrando-se de que teria de sugerir comeres menos pesados para a noite. - Não estou acostumado a comer muito à noite, por isso, qualquer caldinho me basta.
- Oh, caldinho..., o Sidónio exige uma refeição completa, seja ao almoço, seja ao jantar. Se lhe desse caldinho estava o caldo entornado! - respondeu, com suspiros de mulher frustrada e incompreendida.
- Bem, sendo assim, terei de fazer umas caminhadas depois do jantar. - disse, concluindo a conversa. - Preciso de ir mandar fazer um ou dois fatos antes do ano letivo começar. Aconteceu-me um pequeno acidente à chegada, caí no meio da estrada a tentar salvar um tabuleiro que o desmiolado do meu carregador mandou ao chão. - bufou, recordando a situação e o ar de estúpido do rapaz. - Sabe dizer-me onde fica um alfaiate em condições? - perguntou, colocando os punhos em cima da mesa e esfregando os dedos uns nos outros, num tique que ganhara por conta das aulas de piano.
- Aqui na nossa rua há um!, - respondeu, notando o tique e disfarçando logo de seguida - O Sidónio só manda fazer as suas roupas no Sr. Abel! - acrescentou, dando como prova de qualidade o facto do marido ser cliente do artesão. - Diga-lhe que vai recomendado por ele, pode ser que consiga apressar o serviço, ele tem sempre imenso trabalho, mas para os clientes mais fiéis nunca atrasa um fato!
- Excelente! Vou fazer isso. - sorriu em agradecimento, quando Tininha surgiu afogueada à mesa, colocando-se rapidamente no lugar indicado na noite anterior pelo pai, quando Lucinda lhe arregalou os olhos e ordenou que se colocasse junto dela, como uma moça deveria fazer. - Bom dia, menina Tininha. - cumprimentou a terminar o café.
- Bom dia Professor... Ouvi que precisa de ir ao alfaiate!, Posso acompanhá-lo e indicar-lhe a loja, preciso mesmo de ir falar com a Madrinha, - acrescentou, olhando a mãe em súplica - ela disse que ia começar a dar-me aulas de canto para preparar a atuação na festa de Natal, e assim combinava já com ela.
- Há aqui professoras de canto? - exclamou curioso - A minha mãe é professora de canto, sustentou-nos a todos a dar aulas em casa depois do nosso pai falecer. – comentou com orgulho.
- Lamento imenso, - disse a rapariga que o olhava profundamente - a morte do seu paizinho, claro. A minha Madrinha é quem me vai ensinar, - continuou, com pressa de manter a conversa - ela canta muito bem, mas não vive disso, ela também é... - Sidónio entrou na sala, sorrindo orgulhoso e interrompeu a filha sem cerimónias.
- Bom dia! Vejo que já se adiantou, eu estava com alguma preguiça para acordar, confesso. O dia de ontem foi exaustivo. Até tive de tomar um tónico para a dor de cabeça. É demasiado calor, muito barulho... - lamentou-se, enchendo o prato com bolo.
- Bom dia Diretor. Sim, também tive alguma dificuldade em adormecer ontem. Estava mesmo a comentar isso com a senhora Lucinda, falávamos que o jantar era pesado e talvez eu tenha de caminhar à noite, para facilitar a digestão. - explicou Ricardo, ignorando a miúda e fugindo da conversa dela.
- Pois terei todo o gosto de o acompanhar mais logo, assim as mulheres podem arrumar a cozinha e a sala sem empecilhos masculinos. - regozijou-se com a sua súbita ideia prática, que lhe daria imenso prazer, pois todos os motivos eram bons para espairecer.
- Combinado. Agradeço-lhe imenso o pequeno almoço, Sra Lucinda, vou então tratar de encontrar o alfaiate. Não virei almoçar, como pela vila, porque também espero conseguir ver as casas que tenho apalavradas e decidir-me por uma. - levantou-se e desviou o olhar de Tininha que o observava ansiosa.
- Deixe-me ir com o Professor até ao tio Abel... - pediu com manha ao pai, que raramente lhe negava fosse o que fosse - A Madrinha está lá hoje e tenho de combinar com ela as aulas. Quero ganhar o prémio musical, papá!
- Claro Tininha, se o Professor não se importar, vai lá ter com a Madrinha e diz-lhe que depois passo para acertar os valores com ela. - rematou, colocando na voz algum rancor que não passou despercebido a Ricardo. Outra reação que não lhe escapou também foi a mulher do Diretor não ter ficado agradada com os modos do marido, nem da sua filha se ter colado ao convidado de forma intrusiva.
- Bem, - suspirou resignado - se está tudo certo, então, vamos, Tininha?
A miúda saltou da cadeira energicamente, com um entusiasmo juvenil de quem tinha tido autorização para sair sem ser com a mãe e Ricardo recordou-se brevemente de Margarida, a sua irmã mais namoradeira, e de que tinha de telefonar para casa a dar notícias. - Sr Sidónio, por acaso importava-se se utilizasse o telefone? Ainda não informei as minhas mulheres de que cheguei bem, - e sorriu divertido ao ver o ar perplexo do Diretor, - as minhas irmãs e a minha querida mãe. - esclareceu, aliviando o semblante do chefe que expirou aliviado.
- Com certeza, o telefone é seu!
- Então Tininha, espero na entrada. Vou fazer o telefonema e assim tem tempo de se arranjar. Com licença. - retirou-se e revirou os olhos para o corredor vazio. Que grande chatice aquela, ter de levar atrelada a miúda, pensou contrariado. Nem teriam tema de conversa, só futilidades e risinhos, lamentou-se, marcando o número de casa e suspirando.

Depois de ter assegurado sete vezes de que estava bem, comera o pequeno almoço e de que não se esqueceria de não apanhar demasiado sol na cabeça, como se ainda tivesse 10 anos de idade, desligou o telefonema e dirigiu-se à porta, onde Tininha já o aguardava exultante, de vestido rodado e fresco e chapéu de palha na cabeça. Vestiam-na como se fosse ainda uma criança, mas a mulher dentro dela não se deixava ignorar. Ricardo lamentou momentaneamente que a miúda fosse filha do chefe e moça de respeito, pois teria todo o prazer de dar longos passeios com ela e conhecê-la melhor. Fisicamente, claro, porque intelectualmente já percebera que Tininha não tinha nada a acrescentar à sua vasta cultura e interesses. Adolescentes não faziam o seu género, mas se o corpo de Tininha o tentasse, não diria que não, se ela não fosse filha de Sidónio, claro. Caminharam apenas alguns passos e a miúda rodou nos calcanhares e indicou-lhe a porta de entrada do alfaiate, bem mais perto do que imaginara, e Ricardo abriu-lhe a porta que fez soar um sininho a indicar o artesão de que tinha clientes.
- Olá Madrinha! - exclamou Tininha satisfeita por vir acompanhada por um homem, o que a fazia sentir-se adulta.
Ricardo entrou e viu um escadote que se apoiava numa parede cheia de rolos de tecidos variados, onde se equilibrava uma mulher de costas, que se esforçava por arrumar um rolo pesado num buraco onde originalmente deveria caber. Esta olhou de esguelha para a afilhada, como se o rodar da cabeça a fosse mandar ao chão e nem se apercebeu da companhia da miúda, continuando a sua tarefa e esticando-se.
- Ah, olá Tininha. Espera que já desço. - deu uma série de empurrões no rolo, sem qualquer sucesso, quando Ricardo se esticou ao seu lado, do lado de fora do escadote e a auxiliou, levantando o enorme rolo e enfiando-o corretamente no estreito espaço da prateleira. - Obrigada.... - olhou surpreendida para o homem que surgira do nada e reconheceu-o imediatamente, ficando pouco agradada com a visita.
- De nada, sempre às ordens. - sorriu-lhe satisfeito, ignorando o olhar duro que ela lhe lançava, assim que o reconhecera.
- Madrinha, este Sr é o novo Professor da escola!, Ricardo Maria, está na nossa casa a morar. Veio pedir ao tio Abel que lhe faça uns fatos. - enumerou descontextualizadamente.
- Prazer, Maria Helena. - estendeu-lhe a mão, sem vontade, mas cumprindo as regras da educação. Ficou ainda mais desagradada ao saber que uma pessoa que tinha sido tão dura com o Toninho iria ser o seu novo colega na escola e teria de conviver com crianças. Não tinha demonstrado uma faceta nada simpática com os mais vulneráveis, como o pobre Toninho, um rapaz com um atraso intelectual de quem gostava particularmente por ser ingénuo e desprotegido.
- Ricardo Maria, um seu criado. - aquele ar desconfiado fê-lo lembrar-se de Isabel, a sua segunda irmã mais velha, que nunca abria um sorriso a nenhum homem desconhecido, mas que ele sabia que quando cedesse, seria a mais arrebatada de todas, porque era uma romântica incurável, inteligente e de compleição física invejável, que levaria qualquer homem aos céus, tal como a luxuriante clarinetista deveria levar o marido sortudo.
- Vou chamar o tio Abel, ele foi lá acima a casa tomar o café. Com licença. - saiu rapidamente da loja e subiu a escadaria até ao primeiro andar onde morava o alfaiate, certificando-se de que tinha a saia bem composta, pois notara os olhares dengosos do Professor Ricardo, e sabia bem quando a estavam a medir e tirar moldes. Felizmente nunca tirava a aliança do dedo, mantendo os impulsos masculinos refreados e minimamente controlados, e assim conseguia paz e sossego, desde que ficara viúva, dez anos antes.
- Madrinha!, tenho de lhe falar! - abriu um sorriso a Ricardo e subiu as escadas sem os pudores da familiar mais velha, mostrando as pernas até um ângulo quase escandaloso. - Já volto!, não se vá embora sem mim! - lançou, virando-se e rodopiando no alto da escadaria íngreme, e Ricardo ficou sem perceber se a miúda era apenas descuidada, ou lhe mostrara tudo com algum propósito macabro. Tinha de se precaver de situações como aquela, e deixar de ser curioso. Conhecia a anatomia feminina de trás para a frente, mas tudo o que fosse pernas e mamas de mulheres fora de casa traziam-lhe um mistério difícil de resistir. O Diretor Sidónio não gostaria certamente que ele lhe apalpasse a filha roliça e seguisse a sua vida depois de consolado. Noites de angústias calorosas iriam persegui-lo, lamentou-se, analisando a pequena loja e as fotos de modelos diversos que ilustravam o trabalho do alfaiate, para se distrair.
Passos apressados surgiram e Tininha voltava, saltitante, seguida de um senhor de meia idade, de óculos fundos e olhar curioso.
- Bom dia!, Abel, muito prazer. - cumprimentou-o com um aperto de mão caloroso.
- Bom dia, Ricardo Maria. - apresentou-se, apreciando o aperto vigoroso de mãos fortes.
- Então, o Professor vem trabalhar e viver para Tomar? Muito bem, - apressou-se a resumir a conversa - e em que lhe posso ser útil? - perguntou, pegando logo na fita métrica, num bloco e num lápis, como se todos os minutos contassem na árdua tarefa de alfaiate numa vila com demasiados homens vaidosos.
- Bem, queria encomendar-lhe, para já, dois fatos de verão, e depois outros de meia estação e mais uns de inverno...
- Comecemos pelo verão!, - interrompeu, indicando-lhe com a mão um local resguardado onde Ricardo iria ser medido e fechando a cortina que os separou do resto da loja. - Pode tirar o casaco e vou medi-lo, para começar já a fazer a sua ficha e depois é só escolher o modelo, os tecidos, e deixe tudo comigo. - resumiu, ajeitando os óculos, quando o tilintar da porta soou e Abel teve de se retirar momentaneamente para cumprimentar um cliente.- Volto já!
Ficou em mangas de camisa a olhar-se no espelho que abrangia toda a parede em frente, analisando o estado do seu colarinho, que parecia encardido. A clarinetista entrou, esticando a fita métrica visivelmente encavacada, com um rubor delicioso nas faces.
- O meu tio não pode vir medi-lo. - explicou, aproximando-se dele - Vire-se. - ordenou-lhe, com a voz colocada. - Levante os braços, por favor. - acrescentou duramente. - Muito bem... - escrevinhou o mais rápido possível no bloco e colocou o lápis na boca, depois da última ordem - Vire-se de frente. - ajoelhou-se, colocando-se de lado e medindo a altura das pernas, corada até às orelhas. Ricardo ficou imóvel, com a respiração suspensa, olhando-a no espelho. Uma mulher na posição mais submissa que podia haver, agachada aos seus pés, mas que o aterrorizava de uma forma inexplicável. Mantinha os braços estupidamente no ar, como se pedisse clemência, sem notar na sua figura, concentrado nela. Maria Helena colocou-se na sua frente, medindo o entre-pernas, e do espelho surgia a imagem mais erótica que tinha alguma vez visto. Desviou o olhar do espelho, com pudor, enquanto aquela tortura não acabava. Ela levantou-se num pulo ágil e rodeou-lhe a cintura, chegando-se indecentemente a ele e respirando-lhe no ouvido, ao tentar encontrar as suas mãos atrás dele. Ricardo mantinha os braços no ar, em súplica, como se sentisse vulnerável aos movimentos decididos da ajudante do alfaiate. Não poderia contar aquele escândalo em casa, as suas mulheres teriam certamente muito má opinião de Maria Helena, uma clarinetista dotada, de formas luxuriantes, que media o entre-pernas de homens desconhecidos, e casada. 
- Pronto! Pode vestir o casaco. - saiu apressadamente de detrás da cortina, poisando o bloco com as mãos trémulas, pegando no seu casaco e carteira e fugindo da loja do tio Abel. Como iria encarar o homem na escola, diariamente, depois de lhe ter tocado nas partes íntimas, mesmo que só de raspão, e o ter desejado daquela forma violenta e animal, em silêncio e segredo. Felizmente iria no final da semana passar a época balnear na Nazaré, onde anualmente ia a banhos terapêuticos e não o iria ver até quase ao início das aulas, pensou aliviada. Quando voltasse já se teria esquecido do aroma doce do seu colarinho imaculado que denunciava uma esposa dedicada e tudo voltaria a ser como antes. 

(direitos reservados, AFSRosa)

segunda-feira, 25 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Final



César e Elisabete chegaram interrompendo o momento e transformando-o na festa de aniversário que realmente deveria estar a acontecer, acalmando os ânimos com a serenidade madura que os caracterizava. Só Elisabete transparecia uma leve excitação quando João cruzava o olhar com o dela, garantindo-lhe em linguagem muda que tudo estava pronto para a surpresa final.
- Permitam-me que diga umas palavrinhas, enquanto todos estamos sóbrios e capazes de testemunhar no futuro, se necessário! - gracejou, colocando-se de pé e abraçando Isabel, ligeiramente desconfortável com declarações públicas. - O ano passado foi um dos melhores e piores da minha vida, encontrei o amor da minha vida e perdi-o, e os pormenores vocês todos já sabem. - despachou, com pressa para chegar à parte importante - Mas o mais incrível de tudo o que vivi foi a descoberta de que o João não existia na realidade. Nunca fui psiquiatra, nem mulherengo, muito menos um ricalhaço cheio de mordomias. O meu nome é João, mas sou jardineiro a aprender agricultura, só amo a Isabel e gosto de casas pequenas e de madeira. Desculpa, querida, se te desiludi. - brincou, olhando-a - Nunca foi minha intenção enganar-te. E agora que já me confessei, queria agradecer-vos a todos o que fizeram por mim e pela Isabel, nunca vos vou conseguir pagar a amizade que me dedicaram. - levantou a cerveja em gesto de brinde - Mas, e agora vem o mais importante, - disse, com um tom misterioso que deixou Isabel ligeiramente ansiosa. Tinha a sensação de que ele andava a tramar alguma, e secretamente desejava que fosse um pedido de casamento para acabarem de vez com o celibato - A minha Isabel faz hoje anos, e é a ela que devemos fazer o verdadeiro brinde! Parabéns amor! - beijou-a, deixando-a ligeiramente frustrada. Tinha sido a altura ideal, ali junta de todos os amigos, para lhe fazer a proposta romântica, pensou abatida. Porque deixava ele arrastar aquele sofrimento físico?
A noite já ia longa, quando João se decidiu a ir para casa com Isabel, que desfalecia de sono. Dançaram quase até já não sentirem os pés, num frenesim de festejo que não combinava com aquilo que Isabel sentia, depois do brinde. Não podia dizer que estava triste, João dedicara-se toda a noite a adorá-la de todas as formas e feitios, mas o corpo pedia cama e descanso, para conseguir absorver a frustração de ter pensado que ele não queria casar. Talvez esse fosse o limite dele, depois de tudo o que tinha vivido com a morte do irmão, da mãe e depois da primeira mulher. Isabel era uma romântica, no fundo imaginava-se a vestir-se de branco e casar com um príncipe, para apagar finalmente da memória o seu casamento com o demónio. Dizer que sim a João era o seu desejo mais profundo, mas nunca lho diria. No caminho para casa pouco falou, fingindo-se dormitar, mas os seus pensamentos giravam e traziam-lhe dúvidas que não facilitariam o resto da noite. Estava implícito que acabaria naquele dia o celibato, mas Isabel não se sentia propriamente excitada com isso, o que a deixava receosa de o magoar. O carro parou e João saiu, pensando que ela dormia, abriu a porta do lado de Isabel devagar e chamou-a, ajudando-a a sair, com um abraço que a fez amolecer ainda mais.
- Estás muito cansada? - perguntou-lhe, ansioso com o que tinha ainda por fazer. Sabia que ela estava desiludida com o seu discurso, conhecia-a bem, e custara-lhe não revelar a surpresa que a esperava.
- Hum, hum... - Isabel abriu os olhos, caminhando abraçada a João, quando este parou à entrada da casa, e ligou as luzes do alpendre, que abriram uma fiada de gambiarras que iluminaram o espaço, transformando-o num local idílico.
- Isabel... ainda falta a minha prenda. - sussurrou-lhe ao ouvido de forma sensual, acordando todas as células do corpo dela. - Precisas de estar acordada... - respirou-lhe desde o ouvido até à boca, beijando-a com intenção e sentindo-a a desfalecer, pronta. Olhou-a. - Nunca tive tanta vontade de fazer isto, e tenho aguentado até hoje, para que este fosse o teu momento. - tirou a caixa do bolso e mostrou-lhe um anel simples, com uma beleza igual à dela, verdadeira - Isabel, queres casar comigo? Ter filhos comigo? Ou cães, ou o que gostares mais?
Isabel olhava-o sem falar, completamente rendida ao romantismo delicioso dele, do qual duvidara horas antes, a sentir um calor que subia e descia do chakra Muladhara ao Anahata, numa espiral de prazer quase idêntico ao orgasmo. Seria quilo possível?
- Isabel... não dizes nada? - perguntou confuso com o ar de prazer dela e o silêncio. Percebeu que algo se passava dentro dela, algo estranho, e abriu a porta, puxando-a levemente para dentro de casa, orientando-a em transe até à sala de prática. Fechou a porta, num impulso, selando-os naquele local espiritual, colocou as luzes em modo baixo e levou-a até ao centro da sala. Os olhos de Isabel emitiam um brilho que já tinha visto antes, e como ela parecia noutra dimensão, decidiu ouvir a sua intuição e não esperar por ordens. Despiu-se totalmente, despiu-a a seguir, sem pressas, beijando-a em todos os locais possíveis e imaginários, e deitou-a, ficando a pairar por cima dela, que continuava em transe, como se apenas ali estivesse o corpo, que o reclamava cada vez mais. João esperou que Isabel voltasse, e assim que percebeu nos olhos dela que chegara o momento, consumou a união entre os dois.
Milhares de estrelas rodopiavam à volta dos dois, soprando cânticos de louvor e êxtase, enquanto Isabel atingia o clímax e o chakra Sahastrara abria um feixe de várias cores em direção ao céu. Chegara, finalmente, pensou, sentindo-se ainda a levitar, com a respiração violenta a normalizar. Recuperou a visão, e João olhava-a divertido, com um sorriso vitorioso, como se sentisse orgulhoso de qualquer coisa.
- Isto foi um sim?


FIM

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quinta-feira, 21 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Final (1ª parte)




- De quarentena?! - Salvador explodiu a rir com os lamentos de João, que lhe confidenciava as exigências de Isabel depois de ele ter voltado do Gerês e terem reatado a relação interrompida pelos acontecimentos dramáticos.
- Mais alto, que ali ao fundo ainda não perceberam... - resmungou, meio dividido entre a vontade de rir e o amuo. - Há uma semana que me anda a pôr doido... e não desiste dessa ideia. Estou aqui, estou a ser preso por violação consumada ao mais alto nível! - engoliu o resto do fino de um trago, sorrindo no final, induzido pelas gargalhadas do amigo que já limpava os cantos dos olhos de chorar a rir.
- E a louraça? Nunca mais a viste? - perguntou respirando fundo e tentando acalmar a risota.
- Claro que vi, foi um escândalo... apareceu-me lá no apartamento, histérica e pronta a matar. - explicou - A minha sorte é que a Isabel tinha ido dar aulas e não estava, senão, em vez de quarentena era ano sabático! - comentou, com um ar genuinamente preocupado. - Fui levá-la a casa da tia, a Rosário, que ficou destroçada, coitada da mulher. Tem ali muito com que se preocupar. Eu devia era ter ido à polícia fazer queixa da tipa, mas a Isabel pediu-me para não o fazer. Assim acabou de vez a história e pronto. - resumiu, pedindo mais um fino num gesto.
- Ah pois, nunca mais te livravas desse fantasma, a Isabel tem razão. - comentou entregando a bebida a João. - Agora não afogues as carências físicas no álcool!, bebe devagar que já vais no quarto.
- Não é nada disso... - bufou constrangido - Estou a ganhar coragem para fazer uma coisa mais logo, quando a Isabel chegar. - confessou, tirando do bolso uma caixa pequena.
- E vais pedi-la em casamento aqui no bar? Isso não é nada romântico, pá! - insurgiu-se Salvador, chocado com aquela insensibilidade.
- Achas? Eu tinha preparado um discurso e tudo... - gozou - Claro que não vai ser aqui!, já tenho tudo pensado. Durante a festa de anos vou fingir que tenho a prenda dela em casa, o que na realidade é verdade, só que não é uma prenda física, é o pedido. A Lisa está a ajudar-me e já lá deve estar a preparar o cenário romântico. Eu disse-lhe para não se poupar, queria mesmo uma coisa exagerada, já não aguento mais dormir com uma almofada entre nós os dois...
- Portanto, a prenda és tu que a recebes?, Está certo, isso é tão romântico que até eu já me estou a apaixonar por ti! - gozou.
- Menino, vou-lhe dar presentes a noite toda, se ela aceitar o pedido, claro. - acrescentou, já a duvidar do seu esquema infalível. - Salvador, pára de me colocar macaquinhos na cabeça. Tu não a conheces. Tenho de a surpreender de forma excêntrica, para ela ceder da sua teimosia. Eu sei que anda a esforçar-se por não quebrar o “celibato pascal”, também tem sofrido, mas quer marcar uma posição. E eu acho sinceramente que está à espera do pedido, ela não liga nenhuma a prendas, das que as mulheres normalmente gostam. Tem de ser “tchanam!” - exibiu um sorriso orgulhoso nas suas intenções.
- Bem, tu lá sabes. Mas eu, no teu lugar, arranjava uma mala ou uma echarpe só em caso de o plano A não funcionar. - opinou sabedor.
- Olha, ela vem aí. Agora cala-te. - João ficou sentado a admirá-la, enquanto Isabel cumprimentava Janota, e uma ponta de ciúmes abrasou-o, terminando o fino fresco de uma assentada. O segurança parecia conformado com a amizade que ela lhe reservava, mas João conseguia ver nos olhos do gigante a mágoa de um homem não correspondido. Era notória a frustração, mesmo que bastante dissimulada. Era a sua pequena vingança pessoal, nunca lhe conseguiria bater a ponto de o magoar, bem pelo contrário, por isso gozava secretamente da vantagem que tinha em ser o escolhido dela. Levantou-se quando ela chegou perto dele e Janota desapareceu dos seus pensamentos. Toda aquela energia sexual reprimida subia-lhe à cabeça como fogo de artifício e cegava-o. João sabia que Isabel fazia de propósito, para o ter na mão, mas ele adorava ser o seu fantoche. Agarrou-a e beijou-a de tal forma que se fosse necessário iria com ela para os lavabos, como dois adolescentes no pico das hormonas.
- Ó Isabel, por favor, olha que o homem rebenta! - gozou Salvador, expondo as confidências do amigo.
- Olá, então, somos os primeiros? - perguntou, libertando-se dele e sentindo a cabeça à roda. Sexo tântrico era uma disciplina exigente e difícil, que apenas com muita prática se conseguia dominar. Iria aguentar aquilo só enquanto João não lhe parecesse magoado. Mas estranhamente ele parecia andar entusiasmado com os travões que ela lhe punha, o que a intrigava durante horas, enquanto não conseguia adormecer a senti-lo em alerta à espera de um movimento em falso que denunciasse o fim da lei seca. Não queria ser cruel, apenas dar uns dias para que estabilizassem e recomeçassem tudo sem a lembrança de Nélia ainda fresca na memória.
- O César e a Lisa devem estar mesmo a chegar. - respondeu, olhando-a apaixonado - Estás muito bonita. - sussurrou-lhe ao ouvido.
- Obrigada, também estás muito bonito. - respondeu-lhe de volta, na mesma moeda, certa de que ele ficaria muito mais incomodado com um bafo quente junto ao ouvido.
- Olhem, até eu já estou a ficar com os calores, por favor, não nos martirizem mais. Acabem lá com isso e voltem a ser pessoas normais, pode ser? - rugiu Salvador, afastando-se do casal que se espremia um no outro junto ao balcão.
- 30 anos... estás oficialmente a ficar no ponto! - brincou, sentando-se e puxando-a para perto de si.
- Velha, queres tu dizer!, - resmungou, afastando-se e sentando-se no banco ao lado - Mas ok, ainda me falta 10 para ficar acabada, ainda há tempo. - sorriu-lhe feliz como já não se sentia há muito tempo. João estava com um brilho nos olhos diferente, misterioso. - O que foi? Porque é que me estás a olhar assim?
- Amo-te, sabias?
- Sim. - conseguiu dizer, depois de alguns segundos de paralisia vocal. Ele desmontava-a com uma facilidade que a deixava incapaz de pensar.

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terça-feira, 19 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 26 (4ª parte)



Ouviu o despertador ao longe, com grande dificuldade, e durante alguns minutos não conseguiu levantar-se nem desligar o aparelho. Sentia-se ainda derrotada e com sono, precisava de mais umas horas de descanso, pensou, abrindo os olhos pesados e procurando com a mão pelo cachorro, que estranhamente não se encontrava na cama. Levantou-se, vestiu o robe, foi à casa de banho e ficou horrorizada com o seu aspecto. Olheiras fundas e negras faziam um contraste ainda maior aos olhos inchados. Como poderia encarar a aula de yoga e as suas alunas com aquele aspecto?, perguntou-se desanimada. Teria de colocar maquilhagem, o que detestava, para parecer humana. Saiu do quarto, dirigiu-se à cozinha para fazer café, procurando com o olhar pelo cão, que parecia ter desaparecido. Encheu a cafeteira com água e procurou pelo pacote do café no armário, quando um vulto a fez virar-se repentinamente. A cafeteira caiu ao chão com estrondo, quando as mãos ficaram amolecidas com a visão de João com Filipe ao colo, que se debatia a tentar lambê-lo, histérico.
- Não te quis acordar antes, cheguei durante a noite.
- Como assim, chegaste durante a noite? - conseguiu dizer, com a garganta seca.
- Ontem lembrei-me de tudo, Isabel. - largou o cão e tentou puxá-la para si, mas Isabel cruzou os braços, fugindo-lhe. Em vez disso apanhou a cafeteira do chão e deu-lhe algum espaço. Já tinha imaginado que ela fosse reagir mal e não queria magoá-la mais.
- O que aconteceu ontem? Tentei ligar-te centenas de vezes... não imaginas as coisas que me passaram pela cabeça... - o choro rebentou-lhe atrapalhando-lhe as palavras - ... pensei que tinhas morrido... Disseste o meu nome. - João tentou abraçá-la novamente, mas ainda era cedo, não queria que ele lhe tocasse.
- Desculpa Isabel, é uma longa história, - não queria perturbá-la com o afogamento evitado pelo Filipe, o rapaz da receção - O telemóvel caiu e estragou-se e não tinha forma de te ligar de volta. Por isso vim embora.
- E a Nélia? Veio também? Levaste-a a casa, antes de aqui vires arrombar a minha porta? - bradou a sentir-se colérica, continuando a chorar sem parar. Agarrou num maço de guardanapos e limpou-se furiosamente, evitando novamente as mãos dele.
- Não... ela ficou lá. Deixei-a lá... mas não quero falar sobre essa tipa. Isabel, por favor, eu quero saber de ti. O que aconteceu contigo depois da morte do Filipe? - perguntou emocionado ao relembrar momentaneamente o dia em que encontrou o cão pendurado na sala de yoga, como um animal de abate, e que o levou a um esgotamento. - O Tiago? Ele atacou-te? O que aconteceu depois?
- Eu matei-o. - disse friamente, enquanto algumas lágrimas lhe desciam pela cara e pescoço. - Não é preciso ficares preocupado. Está tudo resolvido.
- Mataste-o? - bradou, agarrando-a à força. Sabia que ela nunca iria correr-lhe para os braços, estava demasiado magoada com ele. - Desculpa, eu devia ter feito isso, devia ter sido eu a acabar com ele...
- Fiquei louca quando acordaste na clínica e não me conheceste... - gemeu, agarrando-se finalmente a João, que a apertou com força contra si - , atraí-o para aqui e espetei-lhe uma faca da cozinha no peito...- concluiu, chorando o que restava para chorar.
- Isabel... vamos sair da cozinha... - conseguiu dizer, depois de alguns minutos de silêncio e lágrimas - Aqui há muitas facas... - sorriu-se com a piada que lhe surgia inesperadamente.
- Parvo... - Isabel soltou uma gargalhada, sem conseguir largar o abraço apertado. Limpou a cara à t-shirt dele, escondendo-se no seu peito, sentia-se com pouca coragem para o olhar. Estava feia, inchada e ranhosa.
- Anda, vamos sentar-nos aqui na poltrona. - arrastou-a suavemente para o cadeirão fofo e sentou-a ao seu colo. Amava-a tanto que só lhe apetecia gritar de euforia. Finalmente sentia a sua respiração acalmar, mesmo sem a olhar nos olhos sabia que sorria. Beijou-lhe o alto da cabeça, repetidamente, e esperou que Isabel o quisesse enfrentar. Ela foi gradualmente inclinando a cabeça até os olhos dos dois se encontrarem. João beijou-a e todo o seu mundo voltou a girar na rotação certa. Queria amá-la ali mesmo, mas Isabel separou-se do beijo olhando-o duramente por uns segundos.
- Quando foi a última vez que estiveste com ela? - perguntou-lhe secamente. - Não mintas.
- Isabel... o que interessa isso? - aquilo não ia dar bom resultado, pensou, engolindo em seco.
- Responde.
- Ontem. - disse envergonhado.
- Vou fazer o café, queres torradas? - perguntou sem denunciar qualquer tipo de emoção negativa, o que o confundiu.
- Sim..., pode ser... mas, não estás zangada? - perguntou a medo a sentir-se desorientado.
- Não posso estar zangada, não eras tu. Mas vais ficar de quarentena.
- Como? - sorriu-lhe, divertido com a piada.
- É isso mesmo... ainda ontem aquela... pessoa esteve contigo. Não esperas que me vá deitar hoje contigo, pois não?
- Isabel... Isabel... - olhou-a divertido. 

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segunda-feira, 18 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 26 (3ª parte)



- César, estou-lhe a dizer... ele telefonou-me e chamou-me pelo meu nome verdadeiro... depois pediu-me desculpa e calou-se! Ficou tudo em silêncio! Aconteceu alguma coisa, eu sei! - bradou Isabel desesperada ao telefone, já a imaginar o pior. - Já liguei centenas de vezes e vai sempre para a caixa de correio. Ele está no Gerês, enviou-me hoje cedo uma foto do hotel onde tínhamos estado os três no verão... - gemeu, deitando uma lágrima que desencadeou um choro compulsivo que tentava segurar há muito tempo.
- Isabel, tem calma. Não podemos pensar em desgraças. Pode haver uma explicação lógica para isto tudo. Como se chamava o hotel onde estiveram?, recordas-te? Telefonamos para lá e tiramos a limpo se aconteceu alguma coisa. - disse o psiquiatra pragmaticamente.
- Sim, tem razão... - soluçou com força, tentando estacar o choro, e procurando na memória o nome do hotel - ...era qualquer coisa “amigo dos patudinhos”... não sei bem mais o quê...
- Vou desligar e tentar descobrir onde é esse hotel. Calma... tenta beber um chá e acalmar-te. Já torno a ligar para te dar mais informação. - suspirou alto, largando parte da preocupação que o começava a invadir. Lisa olhava-o de lágrimas nos olhos, visivelmente emocionada com a teoria que todos pensavam mas não verbalizavam. João poderia ter cometido o suicídio, e isso era impossível de aceitar. Pegou no pc e começou à procura no google de hotéis no Gerês onde houvesse alguma indicação de aceitarem animais de companhia ou alguma descrição parecida com o que Isabel tinha dito. Era preciso manter a sanidade mental antes de qualquer atitude drástica ou desespero, disse a si mesmo em auto-controle. A mulher mantinha-se nas suas costas, agarrada a si, em tensão, dando-lhe inconscientemente algum apoio físico. Colocou a mão por cima da dela e Lisa gelava. Pegou nela e deu-lhe um beijo, agradecendo-lhe. Rapidamente encontrou meia dúzia de números de possíveis hotéis que cabiam na descrição e ligaram para todos, acabando por acertar no último, tinha lá estado de facto um cliente chamado João Marques, mas saíra há pouco mais de meia hora. O rapaz que atendeu César parecia desconfiado com as perguntas, e não deu muita informação adicional, mas algo se tinha passado. O importante era que ele estava vivo, e de volta. Recompuseram-se do susto e telefonaram a Isabel, descansando-a. Nada de grave acontecera, teriam de aguardar até que João contactasse um deles, pois o telemóvel não funcionava por algum motivo.

Isabel chorou de alívio até o cansaço a derrotar. Coisas horríveis tinham-lhe passado pela cabeça, cenários de tragédias às quais não saberia sobreviver. Um breve momento de terror, que felizmente não tinha passado de imaginação, disse a si mesma, lavando a cara com água fria. Sentia-se miserável, cansada e com sono. De manhã cedo teria de ir dar aulas e já devia algumas horas à cama, precisava de descansar. Deitou-se por cima das cobertas, tapando-se com uma manta, sem forças para desfazer a cama. Parecia-lhe que um trator a tinha atropelado, tudo lhe doía, da cabeça aos pés. Filipe Jr enroscou-se timidamente nela, ainda amedrontado com a cena dramática, cheio de sono e frio, obrigando-a a levantar um dos braços para ele se colocar por baixo à procura do calor. Finalmente a respiração de Isabel permitia ao pequeno cão acalmar-se e render-se ao cansaço, adormecendo quase em simultâneo, cão e dona, como se um feitiço os tivesse tocado. Nenhum dos dois acordou, quando a meio da noite João entrou em casa usando a chave guardada no vaso e se deitou junto deles, adormecendo também instantaneamente, sem pensar.

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sexta-feira, 15 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 26 (2ª parte)



- Senhor!!!!, o funcionário do hotel gritou, descalçando-se rapidamente e lançando-se à água completamente vestido. Mergulhou para o alcançar, mas o corpo parecia fazer força na direção do fundo da piscina, obrigando-o a vir à tona ganhar ar para outra tentativa.

Sempre que a via sentia-se assim, parvinho de todo, sem saber como lhe dizer todas aquelas coisas inteligentes que pensara no dia anterior. Era impossível ser natural e descontraído quando ela estava por perto, lamentava-se. Naquele dia combinaram ir beber um café ao Samambaia, sentaram-se um em frente ao outro, pediram café, depois água, um bolo, uma torrada, dois finos, tremoços, e acabaram a tarde a serem repreendidos pelo empregado de mesa para pararem com os beijos, havia clientes incomodados. Invejosos, dissera ela divertida.

.....

Agora que já somos namorados oficialmente, temos de pensar num assunto de extrema importância, João! – disse muito séria, deixando-o alarmado. Sentou-se para a olhar melhor, ali deitada na relva de braços atrás da cabeça parecia-lhe a coisa mais bonita que já vira.
- Diz lá, então. – sorriu-lhe acendendo um cigarro.
- De que cor é que compro a minha mala? – continuou séria, a esforçar-se para não se rir – É que vamos andar sempre juntos, e preciso de saber qual a cor que vai ficar melhor com as tuas roupas!
- Estás a brincar, ou a falar a sério? – perguntou meio aparvalhado.
- Palerma! – disse-lhe rindo agarrada à barriga – Achas mesmo que ia querer combinar a carteira contigo? Adoro esta, só me separo dela quando uma de nós morrer! – profetizou, continuando a rir do ar apalermado com que João tinha ficado.

.....

- Não sejas teimosa, isso não combina, fica horrível! – exclamava já enervado com a insistência de Isabel em querer ir ao jantar de Natal da Clínica com o vestido de gala e aquela mala desgastada e berrante. – Não te sabia tão conhecedor de moda… - ironizava, sabendo que o iria irritar ainda mais. – Se levas isso ao ombro, então não vamos! – berrava já a perder as estribeiras com aquele comportamento da mulher. – Eu não vou, pronto, se te incomodo assim tanto. – bateu a porta do quarto e trancou-se novamente. – Isabel, por favor, deixa-te de palermices.

.....

   A casa estava escura e silenciosa, João tinha bebido um pouco demais por se sentir chateado com a mulher, e tentava encontrar o caminho até ao quarto sem fazer barulho. Percebeu com alívio que ela destrancara a porta, entrou e sentou-se na beira da cama a olhá-la. Continuava bonita, como sempre, mas algo tinha mudado entre os dois. Não sabia bem quando acontecera, mas a dada altura dera por si a deixar-se levar pela conversa dengosa da sua secretária, que o assediava sem culpas desde o primeiro dia. Quando a olhava assim tinha remorsos, muitos remorsos, pois apenas a contemplava, como se ela ainda fosse a antiga Isabel, doce, alegre e divertida. Depois ela acordava e todos os fantasmas se erguiam com ela, os filhos que ele ainda não tinha vontade de ter, por sentir que a iriam roubar dele, a mágoa que ela trazia desde então… Não tinham ainda bebés, e eles já lhes tinham destruído o casamento, pensava rancoroso. Detestava-os, os seus filhos por nascer. E isso não o deixava em paz. Filipe era um dos motivos, mas não lho podia dizer, jurara nunca falar sobre isso. Aquele irmão pequeno, sorridente, o primeiro “filho” que a vida lhe tinha trazido, e que ele tinha deixado afogar-se…

.....

- A Eduarda vai ser mãe. – comentou Isabel, animada com a notícia de que a melhor amiga conseguira finalmente realizar o seu sonho de engravidar, depois de alguns anos de dificuldade e sofrimento. – Ai sim?, que bom. – disse sem sequer a olhar. Aquele tema surgia de tempos a tempos como uma sombra a pairar sobre os dois, dissipando-se depois com as distrações do dia-a-dia das suas carreiras absorventes. – João, podíamos pensar nisso também. Não para já, que estás a iniciar o trabalho na Clínica e precisas de te dedicar a isso, mas daqui a um, dois anos. – sugeriu Isabel a medo. Sabia que o marido fugia do assunto, mostrando-se muito pouco interessado em ser pai, mas ela adorava um dia engravidar, ser mãe, cuidar de um bebé, e se para isso, tivesse que deixar a carreira, não pensaria duas vezes. – Isabel, ainda é cedo, e não tenho a certeza de que isso seja uma boa ideia. - tentou desculpar-se, sem conseguir ser honesto com a mulher, que o olhara magoada. Depois da morte de Filipe, o seu primeiro “filho”, não teria capacidade emocional para passar por tudo de novo. A cara do irmão a desaparecer na água do rio ainda o assombrava em algumas noites. Não, ser pai nunca.

.....

- Podíamos ir dar uma volta, estamos aqui sempre enfiados… - perguntou aborrecido por ultimamente passarem os fim-de-semana encafuados em casa. – Não tenho vontade, vai tu. – respondeu Isabel voltando para a sua leitura, sem sequer o olhar. – Dar um passeio de bicicleta? Ir à Figueira comer um gelado? Qualquer coisa? Podes largar a porra do livro e olhar para mim quando falo? – perguntou quase aos gritos, irritado com o desprezo dela. – Tens de ser malcriado? Deixa-me em paz! – gritou de volta, levantando-se e deixando-o sozinho na sala, furioso. João apertou a cana do nariz com os dedos e desistiu, saindo porta fora. Pegou no telefone e ligou-lhe, ao menos aquela tinha sempre uma palavra simpática.
.....

-Odeio-te, deixa-me em paz! – gritou Isabel, fechando a porta do quarto na cara de João. – Deixa-te de histerismos! – berrou-lhe de volta, dando uma palmada na porta. Aquele casamento estava a ir por água abaixo, pensou, farto de tudo aquilo. – Eu só queria um filho, egoísta de merda! – exclamou descontrolada de dentro do quarto. João sabia que um dia ela lhe iria atirar aquilo à cara. Agora era tarde demais, Isabel não poderia engravidar nos próximos anos, teria de tratar o cancro primeiro. Era óbvio que ela temia morrer, sabia-o, e ele não lhe tinha concretizado o sonho antes disso. Engoliu em seco, pegou nas chaves e saiu. Se ela morresse não teria hipótese de se redimir. Mais uma culpa para juntar ao rol.”


......

Filipe olhou-o amuado, a fazer aquele beicinho adorável, pensou, divertido. Sempre que não lhe faziam as vontades ficava impossível, até conseguir o que pretendia. Não percebia bem o que mais queria o irmão, já tinha cedido e entrado na água com ele, mesmo com frio e pouca vontade de brincar. Mandou-lhe água para a cara em provocação, rindo descontraído, e Filipe desatou a chorar ruidosamente. Tentou alcançá-lo, não gostava de o ver magoado, mas tinha sido só uma brincadeira. O menino agarrou-se com força num abraço, como se nunca mais o quisesse largar. João comoveu-se e deixou-se ficar a sentir a pele quente e fofa de Filipe, dando-lhe colo. “Desculpa mano...”, disse o menino, dando-lhe um beijinho no ombro, mas sem o olhar, envergonhado. “A mãe disse-me que tinha de te vir pedir desculpa... Ela está muito zangada, só me dá mais chocolates se eu te abraçar com muita força!”, explicou, apertando-o ainda mais, o que surpreendeu João. Como podia o irmão ter tanta força... “Agora já passou, e eu quero voltar para o colo da mãe, ela tem chocolates, ok?”, disse, olhando-o e segurando a cabeça de João com as mãos. “Tudo bem, mas tu não sabes nadar...”, respondeu preocupado, olhando em volta e vendo a distância a que ainda estavam da terra. “Não é preciso, ela leva-me, mas tens de me largar.”, explicou, apontando para cima. João olhou e viu a tona da água, como se estivessem os dois submersos de repente. Algas altas e largas ladeavam-nos escurecendo a água, e João agarrou Filipe com força, batendo os pés furiosamente, na tentativa de os salvar aos dois do afogamento eminente. “João!, não ouviste?, a Mãe tem chocolates, deixa-me ir!”, pediu Filipe obrigando-o a olhar nos seus olhos. “Vem para a toalha, já acabou, está frio. Eu quero que vás secar-te, ainda não podes vir connosco, e não há chocolates suficientes para os dois.” João parou bruscamente, e sentiu o irmão soltar-se devagar e subir sem esforço, a rir na sua direção, dizendo-lhe adeus. A sua mão gordinha girava e desapareceu sem que isso o angustiasse. Uma sensação de paz invadiu-o, fazendo-o boiar calmamente até à tona da água, estava livre, pensou, e tossiu violentamente, cuspindo a água que lhe bloqueava a respiração e deixando o oxigénio entrar.

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quarta-feira, 13 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 26 (1ª parte)



- João, eu amo-te... - Isabel beijou-o, depois de o olhar profundamente, cravando-lhe uma angústia quente e funda no esterno, que o sufocou. A garganta seca dificultava a respiração e levantou-se, fingindo um mal estar repentino provocado pelo jantar sumptuoso que tomaram no quarto do hotel. Ela queria privacidade, intimidade, cumplicidade, e João tentou até não aguentar mais. “Amo-te...” era o limite da sua capacidade, pensou, molhando a cara com água fria na casa de banho, onde se refugiou. O pânico começava a alastrar-se na sua mente, e o corpo reagia como uma bomba. Recordava-se daquilo, pensou, obrigando-se a respirar fundo. Picadas leves percorriam-lhe os braços lentamente em direção às mãos, uma sensação de leveza nos joelhos parecia retirar-lhe as forças das pernas, o que disparou o pânico. Tinha de sair daquele quarto rapidamente, apanhar ar, já não suportava o perfume dela, que o estrangulava desde que fechara a porta do quarto mais cedo. Todo o corpo de Isabel estava envenenado com o cheiro agressivo a flores, e tinha-o beijado durante horas, lembrou-se assustado, estava contaminado, iria morrer. Abriu a porta da casa de banho e precipitou-se à procura do telemóvel, vestiu uma t-shirt, calçou-se e disse-lhe que ia tentar comprar champanhe. Foi o que lhe surgiu no momento. Precisava de se afastar dela, sem levantar suspeitas. Correu pelo corredor até encontrar a porta que dava acesso à zona exterior da piscina. Respirou como se estivesse submerso há alguns minutos, com os pulmões a exigir oxigénio furiosamente. Colocou-se de cócoras, para poupar as pernas que pareciam ceder com o peso da sua angústia. Precisava de a ouvir, de ouvir aquele mantra que só ela sabia, pensou, carregando no número dela, tinha de a gravar a cantar aquilo, acalmava-o. - Estou, Isabel? - João?, o que aconteceu? O que se passa? João?... - Desculpa. - João?...


De todos os meninos, aquele era o mais bonito e mais bem comportado. Diziam que parecia um anjo, de cabelo claro, olhos azuis, bochechas vermelhas… Mas um dia, veio uma fada e quis fazer-lhe uma marca, para o nomear anjo de Deus. O menino gritou, esperneou, tinha medo de ficar feio e que já não gostassem dele! Os pais, tristes com aquela reação, deixaram de lhe fazer as vontades, e o menino deixou de acreditar de que era o preferido. O seu cabelo escureceu, os dentes pequeninos e imaculados começaram a cair, aparecendo outros no seu lugar, maiores e estranhos, borbulhas vermelhas encheram as suas bochechas, e o menino começou a perder a alegria da primeira infância. O seu irmão mais novo, transformou-se num menino ainda mais bonito do que ele fora um dia, e ao contrário de si, ficou muito feliz quando a fada lhe fez a mesma proposta. Deixou que ela lhe fizesse a marca dos anjos, mas como pagamento, teria de voltar com ela para o céu. Os pais e o primeiro menino choraram muito, suplicando para que ela lhe retirasse a marca e o devolvesse à terra, mas ela não quis saber. Aquele menino queria ser anjo, e os anjos só podiam viver perto de Deus.

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… quem está livre és mesmo tu! O menino ria, deitando a cabeça para trás, em provocação, mas adorava-o, não conseguia sentir raiva dele. Tão bonito quanto atrevido, sempre a sorrir a cada partida, sem nunca perder a energia infantil, como um pião giratório, que enlouquecia tudo e todos. Anda cá! Gritou, correndo no seu encalço, excitado com a fuga. Queria ver-lhe o rosto, perceber porque se sentia tão feliz perto dele. Sabia que o conhecia, só queria apanhá-lo a tempo de o olhar, pois sentia-se a acordar, estava quase lá, a pequena mão escapava-se-lhe como se estivesse besuntada de manteiga, mas nesse momento percebeu que não, era geleia, de marmelo, que a avó fizera de manhã e lhes dera dentro de um pão, que cheirava a amor e felicidade, o cheiro dos lanches da avó Lena…

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Com mais força! – gritava-lhe o irmão mais novo, a pedir que João lhe empurrasse o baloiço. – Daqui a nada sais a voar! – respondeu, dando um impulso ainda maior e rindo com o espírito corajoso de Filipe. – Meninos! Venham jantar! – chamou a mãe naquele tom melodioso característico das horas de comer. Correram os dois para ver quem chegava primeiro. Filipe detinha o recorde, orgulhoso e fazia sempre uma festa quando atingia a porta mais depressa que o irmão mais velho. A casa cheirava a assado, o prato preferido dos dois. Continuaram a corrida para ver quem lavava as mãos mais depressa, mas o pequeno Filipe sorria-lhe esticando-se a pedir ajuda para chegar ao sabonete. – Dá cá esses dedinhos marotos!

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- Vens comigo, mano? - perguntou-lhe uma voz mimada, puxando-lhe pela mão. Queria acabar de ler aquele capítulo, pensou aborrecido. Mas só ele é que tinha a obrigação de aturar o miúdo?, resmungou frustrado, levantando-se. - Depois vamos pedir à mãe os chocolates? Sabias que ela trouxe duas tabletes escondidas? Eu vi-as! - riu-se, com os olhos a brilhar de contentamento. - És um safado... se ela descobre que andaste a mexer na mala vais ficar de castigo! E depois os chocolates são todos para mim! - provocou-o, aproveitando-se da ingenuidade dele para o chatear. - Não!, são meus! - gritou, tentando dar-lhe uma canelada furioso. - Se tornas a fazer isso mando-te para a água e deixo-te lá ficar, e sabes porque é que a cor da água é tão verde? São as algas... que te vão agarrar num pé e puxar, e nunca mais sais! - Mãaaaae.... - fugiu a choramingar, procurando o consolo da mãe e fazendo-lhe queixas. - Sim, sim, já vou... - bufou, sabendo que já ia ouvir um ralhete. Aquele chato conseguia tudo o que queria, não o deixava ler em paz deitado na toalha, e agora ainda ia pô-lo de castigo... nunca mais chegava o dia em que ia estudar longe de casa... suspirou, imaginando-se um engenheiro agrónomo, como o avô, todo o dia a passear pela produção, de chapéu estiloso e botas de borracha. - Sim, mãe...
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Quem está livre és mesmo... tu! - o menino desatou a rir provocadoramente, fez-lhe uma careta e fugiu – Não m'apanhas! - João aceitou o desafio e seguiu-o, sem conseguir alcançar a passada do menino, que ria e olhava para trás divertido. Olhou para a direita e viu a água cristalina a brilhar - Vamos ao banho?Por favor... eu quero ir ao banho... mano, anda... vem comigo... - suplicava o menino, puxando-lhe por um braço, sem desistir – Tu prometeste... - fez beicinho, largando-o e correndo na direção da água. Um medo apoderou-se do seu corpo, queria dizer-lhe que era perigoso, mas a voz não lhe saía, tentou correr, mas os pés enterravam-se na areia rija, sugando-o lentamente, enquanto o menino desaparecia na água, dizendo-lhe adeus.

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- Não… não pode ser… não… - dizia com a cabeça nas mãos, sentado no chão e balouçando-se ritmadamente. Sentia-se a enlouquecer, não queria aceitar aquilo, porque se o fizesse cairia no desespero, e não sabia se conseguiria voltar de lá inteiro. – Desculpa filho… - disse o pai que parecia um fantasma. – Agora somos só nós os dois. – concluiu sem emoção, como se falasse de algo trivial. João levantou-se e repeliu-o, aquela figura patética e inútil que a tinha deixado sucumbir à doença, porque não fora ele em vez da mãe? Gritava interiormente revoltado. Naquele dia jurou não permitir que outras pessoas se matassem de tristeza, iria ser Psiquiatra, curá-la-ias daquela doença e conseguiria fazê-las ver o lado bom da vida. João não carregaria para sempre a culpa de ter deixado Filipe afogar-se, e com ele, ter morrido uma parte da sua mãe.

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terça-feira, 12 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 25 (8ª parte)




Um hotel despertou-lhe a atenção, e decidiu ir saber informações sobre condições e vagas, estacionando o carro e deixando Isabel a retocar a maquilhagem que parecia nunca ser suficiente. Entrou na receção e um funcionário animado cumprimentou-o com algum à vontade, como se já se conhecessem antes.
- Bom dia! Em que posso ajudar? - perguntou o rapaz alegre.
- Olá bom dia, tem vagas? Queria ficar uns dias aqui pelo Gerês, precisava de um quarto com cama de casal. - explicou, sem perceber o sorriso demasiado franco do outro.
- Ah, sim, claro. Penso que temos um excelente quarto ainda disponível, deixe-me só confirmar. - disse, concentrando-se no computador. - Sim, temos, também vai precisar da cama extra para o “Filipe”? - perguntou, satisfeito consigo mesmo e a sua memória prodigiosa.
- Não... - balbuciou - Desculpe, eu já aqui estive antes? - perguntou confuso.
- Sim, não se recorda? Veio com uma senhora bonita e um cão. O Filipe. - explicou, a sentir-se baralhado. Teria feito confusão e estaria a cometer uma indiscrição?
- Ok, não interessa. - concluiu, tentando concentrar-se no que ali tinha ido fazer. - Vou ao carro buscar as malas, reserve então esse quarto. - Tirou da carteira o cartão de cidadão e estendeu-lho para formalizar a reserva. Isabel entrou nesse momento na receção e agarrou-se à cintura de João possessivamente, olhando depois em volta e dirigindo-se ao WC sem sequer dar os bons dias. - Não era esta a senhora bonita da outra vez, pois não? - perguntou ao rapaz corado.
- Não...
- E como era a outra senhora bonita?
- Morena, mais pequena, não tão... - pigarreou desconfortável - Bem, mais magra, mais sorridente, assim um tanto, vá, digamos, excêntrica.
- Excêntrica? - perguntou divertido com a descrição de Ganesha.
- Sim, sabe, roupas largas, tipo hippie, mas não da forma maltrapilha, se é que me entende.
- Claro, compreendo. Completamente diferente desta senhora que veio hoje comigo. - acrescentou.
- Sim, completamente diferente... - confirmou, corando violentamente assim que Isabel reapareceu na receção.
- Então? Ficamos aqui? - perguntou, tornando a enlaçá-lo e deixando-o embaraçado.
- Sim querida, estamos só a terminar o pagamento, podes ir até ao bar, se quiseres, tomar qualquer coisa. Eu trato de tudo. - disse-lhe, fingindo-se descontraído com aquelas demonstrações de afecto..
- É só assinar aqui, senhor. - pediu profissionalmente o rapaz. - Precisa de ajuda com as malas?
- Não, obrigado. E diga-me uma coisa, esse tal cão, como era? Pequenino? - continuou o questionário assim que Isabel se retirou.
- Não! Era enorme! Mas muito bem comportado. Coitadinho, depois daquele acidente lá nas piscinas naturais só queria comer e dormir. E recuperou bem? A pata ficou boa?
- Não me recordo. Fiquei amnésico há uns tempos atrás. - confessou, sem complexos. - E por falar nisso, confirme-me só o nome da minha companhia nessa altura. Deve ter aí registado, não?
- Sim, claro. - disse prestativo - Mas não se recorda de nada? Extraordinário... nunca tinha ouvido falar de uma coisa assim... - percorria os registos do verão enquanto falava - Aqui está!, Dr João Marques e Marta, mais extra de cama de cão “Filipe”, obrigou-me a menina Marta a acrescentar. Ela não queria que o tratassem por cão. - sorriu divertido.
- Vou então ao carro, obrigado pela ajuda. - caminhou pensativo, meio perdido nos seus quebra-cabeças, cabisbaixo, de volta ao carro. Seria assim tão complicado perceber o que tinha acontecido a Marta? Se ali tinha estado no verão com ela, e com o cão, onde encaixava Isabel naquilo tudo? Fechou a mala e olhou o hotel que parecia mais familiar, agora que descobrira que não era a primeira vez que o visitava. Parecia que o seu subconsciente o levava pela mão e direccionava a locais e pessoas que já tinham feito parte da sua vida. Tirou uma foto à fachada do hotel e enviou-lhe sem legenda. Não sabia o que haveria de dizer, ficaria à espera do seu contacto para ir percebendo o que ela queria. Desejava que o quisesse, como Isabel, por quem não conseguia sentir nada. Uma azia subiu-lhe à garganta quando o verbalizou a si mesmo em confirmação. Todo o seu corpo lhe dava alertas sobre o que era certo e errado, e enganar Isabel não iria ser certamente fácil.

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