Então era assim
que se sentiam os presos..., pensou, amargurado com a sensação de
não saber o que iria acontecer. Por muito que pensasse, não
compreendia porque ela tinha feito queixa de si à polícia. Era
óbvio, mesmo na sua cabeça, que o seu comportamento era excêntrico,
mas não se sentia criminoso, afinal só tratava do jardim, e da
casa... sim, dormira lá um par de vezes, mas sem intenção de
invadir nada, apenas se sentia bem ali, e inconscientemente
desculpava-se por estar a ocupar a cama dela. Pensara várias vezes
na hipótese de ela voltar de repente a Coimbra e o encontrar a babar
a sua almofada... mas isso só o divertia, nunca pensou que fosse
crime. Imaginara uma mulher que não existia, uma relação e
intimidade que não eram a realidade. A realidade era aquela cela,
aquele silêncio, o cheiro a bebedeiras mal curadas e cigarros.
Estava na altura de aceitar a sua miserável condição de amnésico
insatisfeito com a vida e resolver o que era possível resolver.
Esquecer a quinta da Marta, talvez pudesse vender o seu apartamento e
comprar para si mesmo uma casa com espaço, terreno, as suas próprias
enxadas e regadores. Ainda não sabia o que fazer com a namorada,
duvidava que ela quisesse viver ao estilo fazendeiro, mas isso seria
um ponto de viragem, uma possível solução para aquela vida que não
lhe dizia nada.
- João, o que
aconteceu? - Isabel apareceu repentinamente terminando abruptamente
as suas teorias, visivelmente preocupada, o que o alegrou.
- Bem, acho que o
meu trabalho de jardinagem não era propriamente legal... - explicou
encavacado. Levantou-se e aceitou a mão que entrava fraternalmente
pelas grades, era boa aquela sensação de que alguém se importava
com ele.
- Mas já te
disseram mais alguma coisa? Vais ficar aqui muito tempo? O Dr César
está a conversar com o Comandante, acho que se conhecem, não te
preocupes.
- Obrigada... e
desculpa. - confessou, sentindo uma necessidade estranha de a
abraçar.
- Querido, o que
importa agora é que saias daqui. - Aquela prisão tinha-a
sobressaltado mais do que imaginara. Para além dos problemas
logísticos que certamente teria com o namorado longe e apenas
contactável em horas e dias determinados, tinha ficado preocupada
com ele. Podia ser uma porcaria de homem, mas era tudo o que tinha.
- Ainda não veio
aqui ninguém falar comigo, sinceramente não faço ideia do que se
vai passar... - esticou-se o mais que conseguiu e espremeu-se contra
as grades, abraçando-a, consolando a sua amargura e medo. Isabel
parecia diferente, mais doce e confortável com ele. Seria o facto de
estar preso e vulnerável que a amolecia? Talvez, ela era uma mulher
difícil, pouco carinhosa e distante, e aquele abraço era uma boa
surpresa.
- Se quiseres vou
lá falar com o guarda. Alguém tem de nos dizer alguma coisa! -
Aquele momento cúmplice tinha de ser fechado com chave de ouro,
pensou. Se não aproveitasse a vulnerabilidade dele ali, preso e
amedrontado, perderia uma oportunidade brilhante de o conseguir
agarrar emocionalmente. Olhou-o bem perto, não seria um sacrifício
assim tão grande beijá-lo, passou-lhe a mão nos cabelos
carinhosamente e ficou à espera que ele o fizesse. Estava na cara
que ele a desejava naquele momento, e tal como ela pensara, João
deu-lhe o beijo possível no meio das grades frias. Um beijo que
podia amolece-la e transformar as suas intenções, pensou
angustiada. Tentou libertar-se gentilmente, mas ele queria mais,
sentiu, deixando-se levar. Conseguia perceber porque a outra tonta o
amava, ele era irresistível quando estava empenhado em alguma coisa.
Seria difícil pará-lo, se não estivessem barrados e talvez fosse
isso o que a estivesse a excitar. Um calor começava a invadi-la,
amolecendo-lhe os membros, que começavam a pender dormentes,
enquanto João assumia a dominância, beijando-a com demasiada
vontade. Não podia perder o controlo daquilo, pensou, logo perdendo
o raciocínio outra vez. Queria-o preso a si, sem dúvida, mas sem
gostar dele. Aquilo é que não podia estar a acontecer... separou-se
ligeiramente dele a ofegar, engolindo em seco e fugindo com o olhar.
João pegou-lhe gentilmente no queixo e tornou a apertá-la contra
si, obrigando-a a esticar o momento. Não queria olhá-lo, era
demasiado bonito assim apaixonado por si. Pela primeira vez
sentira-se amada e era intenso.
- Então?...
porque é que estás a chorar? - limpou-lhe uma lágrima que caía
devagar pela cara de Isabel.
- Por nada... -
fungou, tentando separar-se e fugir daqueles braços.
- Não te
preocupes... não torno a magoar-te, prometo. - sentiu aquelas
palavras verdadeiramente, beijando-a novamente. Aquela cumplicidade
aquecia-lhe o peito quase tanto como quando abraçara Marta. Podia
ser feliz, decidiu.
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