segunda-feira, 11 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 25 (7ª parte)



Isabel parecia não querer ceder à monotonia da viagem, colocando o rádio na MegaFM, estação que João descobriu odiar, e cantando a plenos pulmões músicas agressivas, com batidas excessivas e letras de pouco conteúdo. Um pouco à sua própria imagem, concluiu resignado, enquanto se tentava abstrair de toda aquela energia cansativa. Estaria a ficar velho demais para aquela animação toda?, perguntou-se, quando o aviso de posto de gasolina próximo lhe trouxe uma alegria súbita. - Vamos parar agora a seguir, ok? Preciso de ir à casa de banho e beber uma água. - informou, sorrindo-lhe a contragosto.
- Fixe! Estou mesmo a precisar de um café! - exclamou animada.
João nem queria imaginar o que seria Isabel com mais cafeína..., suspirou, enquanto entrava na zona da restauração e procurava um lugar de estacionamento. Parou o carro e Isabel saiu disparada, deixando-o ligeiramente para trás, o que se mostrou útil, pois o seu telemóvel apitou em sinal de nova mensagem e João aproveitou a solidão para ver com calma o que diria Salvador sobre a dosagem dos comprimidos. Para seu espanto não era o amigo que o contactava, mas “Ganesha”, o que lhe provocou um estremecimento involuntário das pernas. Olhou nervoso em volta, para se certificar de que Isabel não estava por perto e limpou as palmas das mãos nas calças, sentindo um sorriso a florescer no rosto, pela primeira vez no dia. Abriu a mensagem e ficou alguns segundos a assimilar tudo o que sentia. Nunca uma foto de caixas de courgetes, tomates e alfaces lhe parecera tão entusiasmante. Ela tinha ido substituí-lo na feira, voluntariamente, e sem sequer terem combinado nada. O que significaria aquilo? Era ela, a Isabel Fontes Pereira e Castro, a Ganesha. Um barulho no vidro sobressaltou-o, e Isabel olhava-o amuada, aborrecida por estar à espera.
- Então? Vens ou não vens? - perguntou impacientemente.
- Sim, sim... - saiu do carro, colocou o telefone no bolso e caminhou obedientemente atrás dela, cheia de atitude.
- Pede um café para mim, vou à casa de banho! - mandou, dando-lhe um beijo em remissão pela rispidez e deixando-o só.
- Um café, uma água... e pode ser uma queijada daquelas, mas a mais queimada que tiver, por favor. - despachou a compra e tornou a olhar a foto que Ganesha lhe tinha enviado. Nesse momento recebeu outra, e abriu-a rapidamente, tornando a olhar em volta para se certificar de que Isabel ainda não estava por perto. Desta vez as caixas estavam vazias, e um boneco de smile simbolizava o sucesso das vendas, traduziu. Ficou estupidamente feliz, orgulhoso da jardinagem que andara a fazer e que produzira aquilo tudo. Aquele contacto dela só podia significar uma reviravolta na situação entre os dois. Não sabia bem o que deveria dizer em resposta, e num ímpeto, fotografou a queijada e escreveu “a celebrar” como legenda, adicionando um smile. Carregou no enviar e escondeu o telefone imediatamente, ao ver Isabel a aparecer ao longe. Comeu a queijada que lhe pareceu uma delícia, como nunca tinha provado na vida. A sua disposição melhorou significativamente, mas não durou muito tempo, depois de Isabel lhe dar a mão e o olhar apaixonada, cravando-lhe uma culpa funda que o acompanhou durante o resto da viagem.

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(imagem, internet)

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