quinta-feira, 21 de março de 2019

"A Mala Vermelha" - Final (1ª parte)




- De quarentena?! - Salvador explodiu a rir com os lamentos de João, que lhe confidenciava as exigências de Isabel depois de ele ter voltado do Gerês e terem reatado a relação interrompida pelos acontecimentos dramáticos.
- Mais alto, que ali ao fundo ainda não perceberam... - resmungou, meio dividido entre a vontade de rir e o amuo. - Há uma semana que me anda a pôr doido... e não desiste dessa ideia. Estou aqui, estou a ser preso por violação consumada ao mais alto nível! - engoliu o resto do fino de um trago, sorrindo no final, induzido pelas gargalhadas do amigo que já limpava os cantos dos olhos de chorar a rir.
- E a louraça? Nunca mais a viste? - perguntou respirando fundo e tentando acalmar a risota.
- Claro que vi, foi um escândalo... apareceu-me lá no apartamento, histérica e pronta a matar. - explicou - A minha sorte é que a Isabel tinha ido dar aulas e não estava, senão, em vez de quarentena era ano sabático! - comentou, com um ar genuinamente preocupado. - Fui levá-la a casa da tia, a Rosário, que ficou destroçada, coitada da mulher. Tem ali muito com que se preocupar. Eu devia era ter ido à polícia fazer queixa da tipa, mas a Isabel pediu-me para não o fazer. Assim acabou de vez a história e pronto. - resumiu, pedindo mais um fino num gesto.
- Ah pois, nunca mais te livravas desse fantasma, a Isabel tem razão. - comentou entregando a bebida a João. - Agora não afogues as carências físicas no álcool!, bebe devagar que já vais no quarto.
- Não é nada disso... - bufou constrangido - Estou a ganhar coragem para fazer uma coisa mais logo, quando a Isabel chegar. - confessou, tirando do bolso uma caixa pequena.
- E vais pedi-la em casamento aqui no bar? Isso não é nada romântico, pá! - insurgiu-se Salvador, chocado com aquela insensibilidade.
- Achas? Eu tinha preparado um discurso e tudo... - gozou - Claro que não vai ser aqui!, já tenho tudo pensado. Durante a festa de anos vou fingir que tenho a prenda dela em casa, o que na realidade é verdade, só que não é uma prenda física, é o pedido. A Lisa está a ajudar-me e já lá deve estar a preparar o cenário romântico. Eu disse-lhe para não se poupar, queria mesmo uma coisa exagerada, já não aguento mais dormir com uma almofada entre nós os dois...
- Portanto, a prenda és tu que a recebes?, Está certo, isso é tão romântico que até eu já me estou a apaixonar por ti! - gozou.
- Menino, vou-lhe dar presentes a noite toda, se ela aceitar o pedido, claro. - acrescentou, já a duvidar do seu esquema infalível. - Salvador, pára de me colocar macaquinhos na cabeça. Tu não a conheces. Tenho de a surpreender de forma excêntrica, para ela ceder da sua teimosia. Eu sei que anda a esforçar-se por não quebrar o “celibato pascal”, também tem sofrido, mas quer marcar uma posição. E eu acho sinceramente que está à espera do pedido, ela não liga nenhuma a prendas, das que as mulheres normalmente gostam. Tem de ser “tchanam!” - exibiu um sorriso orgulhoso nas suas intenções.
- Bem, tu lá sabes. Mas eu, no teu lugar, arranjava uma mala ou uma echarpe só em caso de o plano A não funcionar. - opinou sabedor.
- Olha, ela vem aí. Agora cala-te. - João ficou sentado a admirá-la, enquanto Isabel cumprimentava Janota, e uma ponta de ciúmes abrasou-o, terminando o fino fresco de uma assentada. O segurança parecia conformado com a amizade que ela lhe reservava, mas João conseguia ver nos olhos do gigante a mágoa de um homem não correspondido. Era notória a frustração, mesmo que bastante dissimulada. Era a sua pequena vingança pessoal, nunca lhe conseguiria bater a ponto de o magoar, bem pelo contrário, por isso gozava secretamente da vantagem que tinha em ser o escolhido dela. Levantou-se quando ela chegou perto dele e Janota desapareceu dos seus pensamentos. Toda aquela energia sexual reprimida subia-lhe à cabeça como fogo de artifício e cegava-o. João sabia que Isabel fazia de propósito, para o ter na mão, mas ele adorava ser o seu fantoche. Agarrou-a e beijou-a de tal forma que se fosse necessário iria com ela para os lavabos, como dois adolescentes no pico das hormonas.
- Ó Isabel, por favor, olha que o homem rebenta! - gozou Salvador, expondo as confidências do amigo.
- Olá, então, somos os primeiros? - perguntou, libertando-se dele e sentindo a cabeça à roda. Sexo tântrico era uma disciplina exigente e difícil, que apenas com muita prática se conseguia dominar. Iria aguentar aquilo só enquanto João não lhe parecesse magoado. Mas estranhamente ele parecia andar entusiasmado com os travões que ela lhe punha, o que a intrigava durante horas, enquanto não conseguia adormecer a senti-lo em alerta à espera de um movimento em falso que denunciasse o fim da lei seca. Não queria ser cruel, apenas dar uns dias para que estabilizassem e recomeçassem tudo sem a lembrança de Nélia ainda fresca na memória.
- O César e a Lisa devem estar mesmo a chegar. - respondeu, olhando-a apaixonado - Estás muito bonita. - sussurrou-lhe ao ouvido.
- Obrigada, também estás muito bonito. - respondeu-lhe de volta, na mesma moeda, certa de que ele ficaria muito mais incomodado com um bafo quente junto ao ouvido.
- Olhem, até eu já estou a ficar com os calores, por favor, não nos martirizem mais. Acabem lá com isso e voltem a ser pessoas normais, pode ser? - rugiu Salvador, afastando-se do casal que se espremia um no outro junto ao balcão.
- 30 anos... estás oficialmente a ficar no ponto! - brincou, sentando-se e puxando-a para perto de si.
- Velha, queres tu dizer!, - resmungou, afastando-se e sentando-se no banco ao lado - Mas ok, ainda me falta 10 para ficar acabada, ainda há tempo. - sorriu-lhe feliz como já não se sentia há muito tempo. João estava com um brilho nos olhos diferente, misterioso. - O que foi? Porque é que me estás a olhar assim?
- Amo-te, sabias?
- Sim. - conseguiu dizer, depois de alguns segundos de paralisia vocal. Ele desmontava-a com uma facilidade que a deixava incapaz de pensar.

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