quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 25 (2ª parte)



- Olá César... - cumprimentou Isabel, sem grande entusiasmo ao ver chegar o psiquiatra. Nunca mais acabava aquela novela na sua vida, remoeu, guardando no jipe as caixas de frutas e legumes metodicamente ordenados com um sentido estético que a deixava enternecida. - Vou vender isto ao Botânico, há lá uma feira de produtos biológicos... - explicou.
- Curioso... - sorriu na direção das caixas - Ele é mesmo artista, não é? E mais curioso, sabes que ele deu-se a este trabalho todo para ir a essa mesma feira?
- Onde queres chegar com essas “curiosidades”? - lançou a sentir-se enfurecer com aquelas insinuações. - Eu sei perfeitamente quais são as qualidade dele! Mas caso seja necessário lembrar-te, ele vive com a “Isabel”! Está mais feliz que nunca, segundo o Comandante Santos, aquele baboso com quem tive de falar. Ele estava particularmente enfeitiçado pela “mulheraça” do João! - bateu a porta da mala do jipe com força.
- Isabel, não fiques zangada, por favor. O Santos é um tolo, - explicou paternalmente - e o João ficou cheio de medo de se encontrar preso, está momentaneamente esperançoso com a segunda oportunidade que a vida lhe deu. - ironizou.
- Então que faça bom proveito. - rematou - Eu estou momentaneamente em Coimbra, e só aqui vou ficar hoje porque tenho pena de deitar tudo isto para o caixote do lixo, que era o que devia fazer, se tivesse juízo. - encarou-o, continuando os seus lamentos catárticos - Mas sou uma parva, cada vez mais me convenço disso. Devia estar furiosa porque o João me sujou a casa toda e desarrumou mais que trinta miúdos deixados à solta num quarto de brinquedos. Tenho tudo de pantanas, a cama revoltada, é preciso lavar os lençóis, tirar a presença dele ali de dentro, aspirar, limpar o pó, e em vez de ir formalizar a queixa na PSP para ele aprender, só quero enfiar-me ali dentro e chorar agarrada à almofada! - berrou.
- É por isso que te vou pedir um último favor. - agarrou-lhe nas mãos frias - Não vás já embora para Castelo Branco. Ele vai voltar, garanto-te. Eu conheço-o, não vai aguentar a rapariga muito tempo. Até acho que é agora, quando ele baixar a guarda com ela que tudo vai terminar. - sentia-se ligeiramente carrasco a dizer aquilo, mas era o que sentia verdadeiramente.
- Então devo aqui ficar à espera que ele ande às cambalhotas com ela e se recorde de mim? - gemeu incrédula.
- Não... - mentiu - Aguarda só uns dias. Ele fugiu para aqui porque só se sentia bem neste local, sem saber porquê. A vida no seu apartamento era-lhe insuportável. Inconscientemente ele recorda-se do que passou aqui contigo, entendes? Quando descobri que era aqui que ele fazia a jardinagem secreta de que nos falou a mim e à Lisa fiquei felicíssimo. - explicou carinhosamente.
- César... eu sei que gostas dele como um filho, e por um filho fazemos coisas impensáveis. O que me estás a pedir é mais que isso, é cruel e impossível. Não vou sacrificar a minha felicidade por ele, por muito que me custe, desta vez vou pensar primeiro em mim. - entrou dentro do jipe e despediu-se com vontade de lhe passar com o carro por cima dos pés. Os homens conseguiam ser brutais, mesmo sem lhe bater.

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(imagem, internet)

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