sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 24 (7ª parte)




- É como te digo, Santos, o rapaz não é perigoso, apenas anda baralhado, e tem tido alguma dificuldade em recuperar a memória. Não há necessidade de formalizar a queixa, pois não?
- Eu não tenho intenção nenhuma de arrastar isto, já tenho processos que cheguem que nunca vão dar em nada. - confessou – Mas a proprietária fez queixa, só se ela desistir é que posso deixá-lo ir. - mentiu, tentando encontrar argumentos para a detenção.
- Eu acho estranho ela ter telefonado para a polícia, eles conhecem-se, isso não é nada típico da Isabel... - matutava em voz alta – Tens a certeza de que foi ela?
- Bem, não vais abrir a boca sobre isto,... mas eu precipitei-me um bocado, digamos. - confessou, coçando a cabeça preocupado - Passei por cima de algumas etapas, para fazer o favor ao Fontes, o pai dela, - acrescentou – foi meu colega. Como não sabia de nada do que se estava a passar, nem conheço o João, pareceu-me apenas um pai preocupado com a integridade física da filha. Mas ela não formalizou a queixa, de facto...
- Ah, então está tudo resolvido. Eu falo com ela, não te preocupes. Tens a minha palavra de que ele nunca mais volta ao local do "crime". - disse com humor – Ele precisa é de retomar as consultas e passar uns tempos longe de Coimbra, desanuviar a cabeça. Afinal não fez nada de mal, concretamente.
- Quer dizer, invadiu uma casa sem autorização... - acrescentou com alguma preocupação.
- Pronto, mas já devolveu a chave, não foi? Eu mantenho-o afastado. Tens a minha palavra!
- Só não quero o Fontes a chatear-me porque soltei o rapaz. - confessou preocupado, enquanto eliminava os papéis na destruidora de papel, formalizando o fim do processo.
- A Isabel fala com o pai, eu certifico-me de que o faz. - sorriu, satisfeito com o poder de persuasão que o estatuto de antigos vizinhos de infância lhe dava ali no gabinete do Comandante da PSP. O João tinha muita sorte, pensou, se não fosse o Santos teria sido impossível resolver aquela salganhada sem tribunal nem advogados. - Posso ir lá vê-lo?
- Claro, vamos buscá-lo, sendo assim já não há motivo para ele estar preso... - suspirou, aliviado com menos um suspeito sob a sua alçada.
- Obrigado Santos, - deu-lhe uma leve palmada fraterna nas costas enquanto se encaminhavam para o interior da esquadra – agora outra coisa, também recebeste aquele convite para o jantar dos antigos moradores do "Bairro"? Acho que desta vez vou, e levo a Lisa.
- Recebi, sim. Mas não devo levar companhia... - confessou abatido – A Manuela deixou-me.
- Deixou-te? Eh pá, não sabia... lamento. Mas isso foi há pouco tempo? Ainda noutro dia a Lisa me disse que a encontrou não sei onde e estiveram a tomar café. Não comentou nada disso...
- Pois, foi o mês passado... ainda nem acredito que ela teve coragem de cumprir as ameaças. - sorriu envergonhado, assumindo a culpa das suas fraquezas físicas. - As mulheres são tramadas...
- Pois são... por isso é que eu nem sequer penso certas coisas, a Lisa lia-me logo os pensamentos e matava-me durante a noite. - brincou, desanuviando a conversa, mas agradecendo interiormente ser tão bem casado. Se tivesse vontade de trair a mulher sentir-se-ia um miserável, como o amigo lhe parecia naquele momento. - Pede-lhe desculpa e apanha juízo, já estás a ficar velho, pá! Já viste o que era teres de aturar uma daquelas? - sussurrou apontando para Nélia, que enlaçava o João como uma lapa. Sabia que um dia o João ia acabar por ceder, aquilo era muita mulher para não se reparar.
O Comandante olhou-o com humor, era de facto perigoso haver mulheres daquelas. Devia ser crime usar roupas sugestivas com um físico daqueles. - Já não tinha capacidade para isto... - gozou – Sr João Marques, vai ser solto, afinal houve uma desistência da queixa. - mentiu, abrindo a porta – Está tudo resolvido, mas está proibido de se aproximar da quinta da D. Isabel Fontes Pereira e Melo.
- Sim, claro. Obrigado. - deu a mão a Isabel, sorrindo-lhe, esperançoso com aquele recomeço e súbita liberdade, depois de algumas horas de medo. Isabel Fontes Pereira e Melo... registou o nome na memória, mais tarde iria pesquisar sobre aquele nome tão pomposo. Mas antes, queria chegar a casa depressa e aproveitar o presente. Acabava de ter uma nova oportunidade de ser amado e amar.

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(imagem, internet)

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