- É como te digo,
Santos, o rapaz não é perigoso, apenas anda baralhado, e tem tido
alguma dificuldade em recuperar a memória. Não há necessidade de
formalizar a queixa, pois não?
- Eu não tenho
intenção nenhuma de arrastar isto, já tenho processos que cheguem
que nunca vão dar em nada. - confessou – Mas a proprietária fez
queixa, só se ela desistir é que posso deixá-lo ir. - mentiu,
tentando encontrar argumentos para a detenção.
- Eu acho estranho
ela ter telefonado para a polícia, eles conhecem-se, isso não é
nada típico da Isabel... - matutava em voz alta – Tens a certeza
de que foi ela?
- Bem, não vais
abrir a boca sobre isto,... mas eu precipitei-me um bocado, digamos. -
confessou, coçando a cabeça preocupado - Passei por cima de algumas
etapas, para fazer o favor ao Fontes, o pai dela, - acrescentou –
foi meu colega. Como não sabia de nada do que se estava a passar,
nem conheço o João, pareceu-me apenas um pai preocupado com a
integridade física da filha. Mas ela não formalizou a queixa, de
facto...
- Ah, então está
tudo resolvido. Eu falo com ela, não te preocupes. Tens a minha
palavra de que ele nunca mais volta ao local do "crime". -
disse com humor – Ele precisa é de retomar as consultas e passar
uns tempos longe de Coimbra, desanuviar a cabeça. Afinal não fez
nada de mal, concretamente.
- Quer dizer,
invadiu uma casa sem autorização... - acrescentou com alguma
preocupação.
- Pronto, mas já
devolveu a chave, não foi? Eu mantenho-o afastado. Tens a minha
palavra!
- Só não quero o
Fontes a chatear-me porque soltei o rapaz. - confessou preocupado,
enquanto eliminava os papéis na destruidora de papel, formalizando o
fim do processo.
- A Isabel fala
com o pai, eu certifico-me de que o faz. - sorriu, satisfeito com o
poder de persuasão que o estatuto de antigos vizinhos de infância
lhe dava ali no gabinete do Comandante da PSP. O João tinha muita
sorte, pensou, se não fosse o Santos teria sido impossível resolver
aquela salganhada sem tribunal nem advogados. - Posso ir lá vê-lo?
- Claro, vamos
buscá-lo, sendo assim já não há motivo para ele estar preso... -
suspirou, aliviado com menos um suspeito sob a sua alçada.
- Obrigado Santos,
- deu-lhe uma leve palmada fraterna nas costas enquanto se
encaminhavam para o interior da esquadra – agora outra coisa, também
recebeste aquele convite para o jantar dos antigos moradores do
"Bairro"? Acho que desta vez vou, e levo a Lisa.
- Recebi, sim. Mas
não devo levar companhia... - confessou abatido – A Manuela
deixou-me.
- Deixou-te? Eh
pá, não sabia... lamento. Mas isso foi há pouco tempo? Ainda
noutro dia a Lisa me disse que a encontrou não sei onde e estiveram
a tomar café. Não comentou nada disso...
- Pois, foi o mês
passado... ainda nem acredito que ela teve coragem de cumprir as
ameaças. - sorriu envergonhado, assumindo a culpa das suas fraquezas
físicas. - As mulheres são tramadas...
- Pois são... por
isso é que eu nem sequer penso certas coisas, a Lisa lia-me logo os
pensamentos e matava-me durante a noite. - brincou, desanuviando a
conversa, mas agradecendo interiormente ser tão bem casado. Se
tivesse vontade de trair a mulher sentir-se-ia um miserável, como o
amigo lhe parecia naquele momento. - Pede-lhe desculpa e apanha
juízo, já estás a ficar velho, pá! Já viste o que era teres de
aturar uma daquelas? - sussurrou apontando para Nélia, que enlaçava
o João como uma lapa. Sabia que um dia o João ia acabar por ceder,
aquilo era muita mulher para não se reparar.
O Comandante
olhou-o com humor, era de facto perigoso haver mulheres daquelas.
Devia ser crime usar roupas sugestivas com um físico daqueles. - Já
não tinha capacidade para isto... - gozou – Sr João Marques, vai
ser solto, afinal houve uma desistência da queixa. - mentiu, abrindo
a porta – Está tudo resolvido, mas está proibido de se aproximar
da quinta da D. Isabel Fontes Pereira e Melo.
- Sim, claro.
Obrigado. - deu a mão a Isabel, sorrindo-lhe, esperançoso com
aquele recomeço e súbita liberdade, depois de algumas horas de
medo. Isabel Fontes Pereira e Melo... registou o nome na memória,
mais tarde iria pesquisar sobre aquele nome tão pomposo. Mas antes,
queria chegar a casa depressa e aproveitar o presente. Acabava de ter
uma nova oportunidade de ser amado e amar.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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