sexta-feira, 28 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 13 (3ª parte)



Já tinha conseguido reunir todo o material de que iria precisar. Aquilo ia ser de arromba!, pensava extasiado, enquanto arrumava o explosivo e o detonador moderno na sua mochila. Congratulou-se por nunca ter deitado fora aquelas provas. Era lamentável que aquela tecnologia ficasse inútil no seu gabinete, ele daria um bom uso a tudo aquilo.
O final aproximava-se e Álvaro precisava comemorar, a garganta estava seca e o seu corpo pedia uma bebida forte. Saiu descontraidamente do edifício, evitando os inspetores que ainda por ali andavam. Passou no bar do outro lado da rua e comprou uma garrafa para levar para casa, precisava de beber sem testemunhas.
  

Jaime ficara cismado com a cena do dia anterior. Não queria levantar grandes ondas, mas queria tirar a limpo com Margarida, ou Nuno, o que se passara, porque tinha ficado quase duas horas num ermo às escuras à espera de um dos dois. A rapariga garantira-lhe que deveria ter havido algum contratempo, mas o seu instinto de polícia começou a lançar-lhe alertas em Bold, assim que o feitiço do decote desapareceu.
Enviou um SMS para o novo telefone de Margarida, esperando que ela o contactasse. Como não tinha a certeza de que Nuno estivesse a par daquela reunião secreta, decidiu esperar pela resposta dela.

O telefone de Margarida tremeu em cima do móvel e Nuno que tinha ido beber água à cozinha, pegou-lhe, curioso. Talvez fosse Ana, ansiosa pela chegada dos dois, que deveria estar a pé desde cedo a iniciar os preparativos para a festa. Viu no visor a informação de um SMS de Jaime e ficou intrigado, o colega não costumava falar diretamente com ela… uma ponta de ciúme começou a ferver-lhe na nuca, deixando-o nervoso. Debateu-se com a decisão de abrir a mensagem, e não conseguiu resistir, lendo o SMS que lhe deu um nó no estômago vazio,

“Olá Margarida,
Porque não apareceste ontem?
Passou-se alguma coisa?
Jaime”

Que merda era aquela agora??, enfurecia-se Nuno, que apagou a mensagem automaticamente. Não compreendia aquela conversa, Margarida só estivera uma vez ou duas com Jaime, e sempre na sua presença. Mas eles encontravam-se? Ficou confuso e nervoso, sem saber o que pensar. Dirigiu-se ao quarto decidido a atirar aquilo a limpo, quando estacou, deu meia volta e pegou no telemóvel dela. Enviou um SMS a Jaime como resposta,

“Olá Jaime,
Não deu.
Podemos falar hoje?
23h00 no Pub perto de minha casa.
Margarida”

Apagou automaticamente a mensagem enviada e ficou revoltado consigo mesmo, que se deixava levar pelos ciúmes agoniantes, esperando ansioso pela resposta, que precisava de apagar urgentemente do telefone. Passado um minuto ela chegou, dando-lhe um frio na espinha,

“Ok,
Lá estarei,
O Nuno sabe?

Ah, ah!..., afinal o traidor confessava que havia ali tramóia entre os dois. Enfurecido, escreveu a resposta,

“Não,
Por favor não digas nada.
Até logo”

Enviou e imediatamente recebeu mais um SMS,

“Ok,
Até”


Apagou todas as mensagens, olhando furtivamente por cima do ombro, com receio de que Margarida ou Sofia o apanhassem a mexericar num telefone que não era o seu. Pousou-o na mesa e arrastou-se abatido para o quarto de banho. Olhou-se no espelho e rezou para que aquilo tivesse uma explicação. Das duas umas, ou mataria Jaime ali mesmo no Pub, ou teria de se explicar a Margarida porque invadira a sua privacidade, qualquer uma delas seria catastrófica.

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quinta-feira, 27 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 13 (2ª parte)




- Olá boa noite, em que possa ajudá-la? – Jaime ficou agradavelmente surpreendido com uma mulher tão bonita, ali, à sua procura.
- Olá senhor Jaime, sou amiga da Margarida, ela precisa falar consigo urgentemente, e não pode ser por telefone. – falava baixo, de forma cúmplice, aumentando a curiosidade da plateia masculina que observava a cena. – Pode vir comigo?
- Claro, vamos. – Jaime não desconfiou minimamente, o decote daquela mulher era convincente, e claro, só poderia ser amiga da Margarida, para saber do problema em utilizar telefones.
Saíram apressadamente do edifício, entrando no carro de Jaime, e Álvaro suspirou de alívio pela primeira parte do plano não ter sido destruída por aquela parva. Só precisava de mais um pouco de sorte e desta vez não o iriam lixar.



- Amanhã é o grande dia! – anunciava Ana, feliz por saber que teria um dia de folga das intenções de investigação ao passado que Margarida lhe propusera. – Vocês vêm cá ter logo de manhã, preciso da vossa ajuda. Há milhares de coisas por fazer! – enumerava mentalmente tudo o que era preciso para uma festa – E por favor não se zanguem novamente! – implorou a Margarida e Nuno, que sorriram envergonhados.
- Não te preocupes Ana, - respondeu Nuno – amanhã o dia é da Sofia! – olhou carinhosamente na direção da sobrinha, que sorriu orgulhosa por sentir-se especial e novamente prioritária para o tio.
- Ok, então até amanhã, durmam bem.
Despediram-se animados com aquela promessa de um dia descontraído e feliz na companhia uns dos outros, sem fantasmas nem passado.


Margarida pousou o telemóvel no móvel da entrada, como habitualmente, e foi animada preparar-se para dormir, ou não, pensava com os seus botões. Depois daquela introdução na varanda havia várias coisas que precisavam de ser resolvidas e Nuno olhara-a todo o caminho enviando sinais telepáticos bastante claros. Normalmente não falavam diretamente sobre as intenções um com o outro, era automático e físico. Quando ele queria, ela também e vice-versa. Não havia regras nem protocolos, e Margarida adorava não ter de verbalizar as suas intenções carnais, facto que a constrangia muito e que Nuno entendera logo, como um bom aluno. Teria de lhe dar um 20 na próxima avaliação, pensava divertida.
Nuno conversava com Sofia, um pouco ansioso por constatar que a sobrinha não tinha sono, gostava muito dela, mas o seu lado Margaridodependente fazia-o sentir-se ressacado, ansioso pela dose que não tomara no dia anterior, perdendo o fio à meada naquele monólogo irracional e longo da adolescente animada com a festa do dia seguinte. Ouvia fragmentos da voz dela, “vai ser lindo!”, “posso beber champagne ?”, “depois vou ter com a minha BFF!”, seguindo Margarida com o olhar, qual predador a estudar a presa que teimava em passear-se de forma descuidada pelo prado… Disse que sim a tudo, deixando a sobrinha em êxtase, tudo para que ela o largasse e fosse dormir!
Finalmente Sofia decidiu fechar-se no quarto, continuando a conversa infindável com os amigos pelo telefone, ficando naquele transe tecnológico ideal para que Nuno pudesse dedicar-se à outra mulher da sua vida.
Viu-a a entrar no quarto, distraída, sem notar que Sofia já se retirara. Agora estava em vantagem e aproveitaria esse facto da melhor maneira. Ela ia amaldiçoar a hora em que passara por ele na sala só de t-shirt e cuecas e esfregar os dentes com a escova, perdida nos seus pensamentos.
Entrou no quarto e Margarida encaminhava-se para a cama, desligou a luz repentinamente, o que a assustou, ficando o quarto totalmente negro.
- Nuno? – perguntou ansiosa.
- Não, o Nuno não está cá. – disse brincando – Hoje quem vem guardar-lhe o sono é o “Tó Nuno”!
- Ham? És mesmo parvo! – disse Margarida meio desconfortável com aquela abordagem assustadora.
Nuno chegou-se a ela o suficiente para a sentir gelada, estava assustada, pensava satisfeito.
- O Nuno mandou dizer que hoje está muito cansado, mas não se preocupe, ele ensinou-me tudo o que é preciso fazer. – provocou, estendendo a brincadeira enquanto podia.
- Ai sim? E quem disse a esse parvalhão do Nuno que eu preciso de alguma coisa? – começava a descontrair e entrar no jogo. Que raio de parvoeiras que aquele homem inventava, pensava divertida.
- Garantiram-me que adorava isto! - atacou sem dó nem piedade a pobre indefesa, jogando o mais baixo que sabia.

Margarida só teve tempo de respirar fundo e agradecer a Deus por ter inventado aquele homem. Automaticamente fez uma Promessa, no dia seguinte iria acender uma velinha em Santa Cruz. Depois deixou de pensar.

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quarta-feira, 26 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 13 (1ª parte)

            


A noite caía e Álvaro começava a sentir-se ansioso, a espera dentro do carro era difícil e dolorosa. Aquele cubículo fazia-o sentir-se claustrofóbico, com suores no pescoço e nas mãos. Catarina demorava-se, malditas mulheres, pensava furioso. Bebeu mais um gole da sua garrafa de bolso, que estupidamente não enchera convenientemente, e que agora tanta falta lhe fazia, constatava impotente. Não podia sair para apanhar um pouco de ar, os antigos colegas ainda não tinham saído todos do prédio e era vital que não fosse visto por Jaime, com quem dera de caras na fábrica, naquela noite de insucesso. Como não tinha a certeza de que este já não estava a trabalhar, Catarina era a sua única hipótese de não ser apanho em flagrante, pensou, frustrado por ter de depender daquela idiota para avançar no que tinha planeado.
            Finalmente!, pensou aliviado ao vê-la descer a rua na direção do seu carro.
            - Olá senhor Álvaro! Boa noite! – disse Catarina ao entrar sorrateiramente no veículo do polícia.
            - Olá querida! Obrigada por teres vindo, só tu me poderias ajudar hoje! – miou com dificuldade, odiava aquela parva, e já não tinha mais bebida, lembrou-se angustiado.
            - Então, diga-me o que tenho de fazer! – estava excitada com aquelas manobras secretas, ávida de vingança, e chegara o momento de passar à ação, dizia a si mesma.
            - Como te tinha explicado antes, o Nuno está muito revoltado comigo, não queria que me metesse na sua vida, preferia ser ele a resolver tudo com a Margarida, sozinho. Somos bastante parecidos, nesse ponto. – explicou – Mas agora que o mal está feito, não importa, é preciso resolver as coisas por ele. Aquela tipa é uma sonsa, finge que tem problemas respiratórios e ele sente-se culpado em deixá-la. – tinha pensado naquela desculpa momentos antes, era vital que Catarina estivesse convencida de que ainda teria alguma hipótese com Nuno – Temos de o ajudar a livrar-se dela, para o bem dele, e claro para o teu também! – sorriu.
            - Claro! Tudo o que for preciso! A Margarida é uma fingida, eu também já me tinha apercebido disso, fingiu que estava a morrer para o amolecer. – Catarina percebia agora porque Nuno voltara atrás na sua intenção de acabar o namoro com cabra da sua “chefe”.
            - Então ouve-me bem. Aqui é onde eu e o Nuno trabalhamos. Ele não está cá hoje, já me certifiquei, mas preciso de saber se o inspetor Jaime Ferreira ainda se encontra lá dentro. Ele é um bufo de primeira, tentei despedi-lo várias vezes, mas tem uma cunha qualquer e foi-se mantendo por cá. – mentiu – Só posso lá entrar dentro se o tipo já tiver ido para casa, entendes?
            - Sim, claro, então quer que lá vá e peça para falar com ele? Assim saberia na hora se ele estava ou não! Jaime Ferreira, certo? – queria resolver aquilo rapidamente.
            - Calma! – bolas que a parva era demasiado precipitada, lamentava-se. As pessoas instáveis nunca faziam um bom serviço… - Vais entrar, sorridente, e dizer que querias falar com o Jaime, não dizes o apelido, como se fosses íntima dele, uma amiga, namorada, enfim, alguém que ele conhecesse muito bem. Se ele estiver, dizes que és amiga da Margarida e que ela precisa de falar urgentemente com ele, sem ser por telefone, ele vai entender porquê! Sais com ele e vais até à outra ponta da cidade, finges que foi lá que ela marcou o local da conversa. Esperas com ele meia hora, e inventas uma desculpa qualquer pelo facto de ela não ter comparecido. Preciso de tempo para ir ao meu escritório. – era bastante fácil, mesmo uma burra daquelas conseguiria executar, pensava ele - Se não estiver, melhor, vens embora e entro eu. – rezou para que ela o tivesse compreendido, com gajas daquelas era sempre uma lotaria, constatava ansioso.
            - Ok, é fácil. Até já! – saiu sorridente e confiante, dirigindo-se à portaria, onde encontrou um grupo de homens que a olharam curiosos. Ela era vistosa, e não passava despercebida em lado nenhum, muito menos num local cheio de testosterona, pensava orgulhosa. – Boa noite, - disse com uma voz doce ao funcionário responsável – Poderia chamar-me o Jaime? Precisava de falar com ele.
            - Boa noite menina, quem devo anunciar? – o polícia fingia um profissionalismo exagerado, distraído com o decote da mulher.
            - Diga-lhe que é uma amiga! – mentiu sorrindo de forma insinuante.
            - Com certeza. – pegou no telefone e ligou para o gabinete de Jaime, que ficou surpreendido com uma visita daquele género.
- Amiga? - Ele não tinha “amigas”. – Diz-lhe que já vou, obrigada. - A curiosidade levou-o a apressar-se a desligar os seus computadores e dirigiu-se à entrada do edifício.

Catarina deslizava de um lado para o outro, mantendo os polícias demasiado concentrados nela, adorava aquelas cenas de filme, eram todos tão perigosos, pensava excitada. Viu um rapaz borbulhento avançar na sua direção e esperou que ele denunciasse ser ou não o tal Jaime, nunca o tinha visto.

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segunda-feira, 24 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 12 (4ª parte)



As crianças da casa chegaram da escola, com o tio Nuno, interrompendo a conversa das duas e Margarida foi obrigada a descer à Terra, travando os raciocínios que a levavam cada vez mais perto da verdade. Ela sabia que descobrira naquele momento o motivo da loucura de Álvaro. Ele tinha razões para andar tresloucado, e se ainda não tinha conseguido matá-la, fá-lo-ia com toda a certeza se ela fosse imprudente e demonstrasse saber de tudo.
Recordou-se angustiada daquele dia em que aceitara trabalhar com Nuno, os seus instintos tinham-lhe dito claramente que não era uma boa ideia, mas o seu coração ordenara-lhe dar a mão a Nuno, deixara-se convencer pelas emoções, e agora teria de lutar da forma mais inteligente que conseguisse para se manter viva, manter Nuno vivo, acabar com Álvaro. Bebeu um copo de água para esfriar o corpo de toda aquela tensão e afastou por momentos tudo aquilo dos seus pensamentos. Teria tempo para retomar aquele pesadelo.
            - Tanto tempo a cozinhar e ainda só fizeram isto? – perguntou Nuno surpreendido com a ineficácia das mulheres, ao entrar na cozinha.
            - Olha outro, armado em esperto! – reagiu Ana, disfarçando – Vá. Vão-se sentar que já levo o lanche. Empurrou Margarida e Nuno para fora da cozinha, precisava de uns momentos de solidão.
            - Não pareces muito animada por me ver... – lamentou-se Nuno, abraçando Margarida por trás dela.
            - Disparate, estive o tempo todo a chorar com saudades tuas. – brincou ela, recuperando a disposição.
            - Prometo que não vou mais às compras! – disse sorrindo. Tinha sentido a sua falta, era o primeiro dia desde que a conhecera que não tinham dormido juntos. Beijou-lhe o pescoço de forma provocadora, subindo até à orelha, apertando-a contra si, daquela forma sexy que ela adorava.
            - Vamos até à varanda! – Margarida reagia à abordagem “subtil” de Nuno, que já a conhecia bem demais, pensava ela. Um click no botão correto e o mundo deixava de ter fantasmas, insónias, psicopatas marados, apenas um gigante atraente e, o melhor de tudo, Seu.
            - Sim chefe! – respondeu ele prontamente, adorava aquelas ordens! Levou-a em peso, à sua frente, passando pela sala sem notar que a família os olhava espantada. Fechou a porta da varanda e encostou-se na parede, puxando-a contra si. Naqueles momentos ela permitia-lhe comandar, e como bom aluno, aprendera a dar a volta à professora, mandona, exigente, sisuda, mas terrivelmente deliciosa. Por ela escreveria trezentas vezes no quadro, “não torno a portar-me mal”, levaria reguadas no início, meio e fim das aulas, ficaria sentado no canto com orelhas de burro, tudo o que fosse preciso para que a sua ditadora privada estivesse satisfeita, a recompensa era tudo e mais o que nunca pensara existir.
Margarida amava-o cada vez mais e tinha necessidade de lho mostrar, ali mesmo. Aquele homem libertara-a da sua solidão, enchendo a sua vida de luz, e ela iria fazer de tudo para o curar também. Nuno nunca mais se sentiria amargurado, prometeu a si mesma.


            - Saiam já daí! – guinchou Ana do lado de dentro, arrancando as cabeças indiscretas dos gémeos que vibravam com a cena escaldante da varanda.

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sexta-feira, 21 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 12 (3ª parte)



Margarida tinha ainda revelações a partilhar com Ana, era agora ou nunca, decidira ela,
            - É possível que o Nuno não seja filho de Afonso? – perguntou um pouco a medo, depois de a ver mais recomposta.
            - Como assim? – Ana ficou vermelha.
Margarida desconfiou que aquilo não era assim tão surpresa para ela.
– O Nuno desconfia? – acrescentou em pânico.
         - Não, ele não desconfia de nada. Eu é que descobri. Naquela noite, na fábrica, o Álvaro disse várias coisas, que na altura me pareceram não ter nexo, pensava que ele apenas estava louco. No entanto, - Margarida andava de um lado para o outro, nervosa – logo quando ele me falou pela primeira vez, me fez lembrar o Nuno. Hoje de manhã tive a certeza, eu era Catarina e ele, ali de pé, gigante, o mesmo olhar, a mesma fúria, como na fábrica… ele era Álvaro. Enorme, atraente, com os mesmos olhos. Numa situação normal, não nos apercebemos, porque o Nuno é alegre, brincalhão, tem o sorriso da mãe, mas quando está furioso, é o pai autêntico, o Álvaro.
            Ana ouvia a explicação de Margarida de lágrimas nos olhos, perturbada e resignada.
            - Mas que coisas é que o doido te disse na fábrica? Ele revelou alguma coisa sobre o Nuno? – perguntou curiosa.
            - Disse várias coisas,… que andavam todos a gozar com ele, ele tinha direitos, que a “Puta egoísta” o tinha obrigado a vê-lo durante aqueles anos todos… - e aquele nome odioso com que Álvaro se referia à mãe de Jorge e de Nuno deixou-a envergonhada. – Agora sabendo que o Nuno é filho dele, tudo faz sentido. – Margarida ainda tinha mais suspeitas, mas eram de tal forma graves que não teve coragem de as dizer naquele momento. Ana já estava perturbada o suficiente.
            - Eu também desconfiei durante muitos anos, - confessou Ana – havia qualquer coisa de estranha na forma como o Álvaro se comportava com Nuno. Era natural um certo paternalismo, um sentimento de proteção, afinal ele tinha-o visto nascer e cresceu bem perto dele. Mas parecia obcecado, não sei. Depois, um dia, o Nuno zangou-se com Álvaro, aqui em casa, e chamou-o a atenção para que não se intrometesse na sua vida, que não era seu pai, e saiu furioso, batendo a porta. – adolescência, pensou Margarida – O Álvaro ficou sozinho na sala, eu ia a entrar, mas ele não me viu. Fervia de raiva, zangado com Nuno e ouvi-o dizer entre dentes: “Sou teu pai, sim senhor!”. Saí o mais rápido possível dali, para que não me visse e fiquei de rastos. Tal como tu, sondei, junto do Jorge, uma pergunta aqui, outra ali, e descobri que o Afonso traía Manuela. Tudo se clarificou, percebi que Manuela e Álvaro deviam ter tido um caso, e Nuno seria fruto dessa relação. Mas nunca abri a boca para revelar nada, há coisas que devem morrer connosco.
            Margarida compreendia-a, talvez isso fora o que a mantivera segura aqueles anos todos, pensou. Álvaro poderia ter atacado Ana, como fizera com ela, naquela noite. Recordava-se perfeitamente de Álvaro lhe perguntar que mais sabia ela, enlouquecido pela ideia de que Margarida tivesse descoberto alguma coisa. Não compreendera na altura, mas tudo ficava bem claro agora, pensava. “Com que então a menina descobriu que eu fui paciente da Puta egoísta?”, aquela pergunta não a tinha deixado em paz desde a noite do ataque, e era o motivo pelo qual ela estivera na fábrica, para morrer. Para se calar de vez. Nuno não sabia de nada, e Álvaro não queria que soubesse. Revolvera-se na cama durante várias noites, sem entender. Agora sabia, Álvaro era pai de Nuno, ninguém desconfiava, e não deveria saber.

Mas só isso não era motivo para Álvaro a querer matar, concluía ela; a podridão não acabava ali, na verdade sobre a paternidade. Álvaro tinha de ser culpado em mais alguma coisa, algo mais grave que facilmente pudesse ser relacionado se se descobrisse que eram pai e filho… arrepiou-se dos pés à cabeça, Ana tinha razão em não querer remexer no passado…

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quinta-feira, 20 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 12 (2ª parte)

         


Largou o primeiro livro e continuou a sua análise nos álbuns seguintes. Gravidez, nascimento, Jorge era um bebé enorme! Estremeceu com a ideia de parir um “bezerro” daqueles numa época em que não havia epidural. Afonso estava exultante com o primeiro filho, era visível a alegria e orgulho nos seus olhos. Manuela, desfeita na cama do hospital, (mais um arrepio de medo), era uma mistura de felicidade e alívio por tudo ter terminado e o seu lindo “bezerro” ser saudável. Sentimentos maternais, concluía Margarida, cada vez menos convencida de que um dia estaria em semelhante situação. Nascimento de Sara, linda e perfeita, e um pai babado, de uma forma devotada pela sua menina loirinha. Manuela mais recomposta do que no anterior filho, mas com olhos tristes. Hum… estranho, não lhe parecia que uma mãe ficasse assim por ter tido uma bebé perfeita. Talvez o casamento dos dois já sofresse com a falta de caráter de Afonso, remoía ela incomodada. Álvaro aparecia agora nos momentos familiares mais marcantes, jovem, muito menos assustador que o que as recordações de Margarida descreviam. Gigante, obviamente, pensava ela, robusto, atraente, com um sorriso de gozão… Margarida engoliu em seco, as semelhanças deste com Nuno eram demasiado evidentes, ali Álvaro deveria ter quase a mesma idade que ele. Não pôde deixar de notar a forma como em algumas fotos Álvaro olhava na direção de Manuela, o que sugeria um pouco mais que amizade. Constatou com alívio que, no entanto, a mãe de Nuno não retribuía os sentimentos, era apaixonada por Afonso, ironias do destino que por vezes não acertava com as setas do Cupido, lamentou. Mais uma gravidez, filhos pequenos e traquinas, mas nada de Afonso, parecia ter sumido, talvez estivesse destacado em algum sítio a trabalho, pensava Margarida. Manuela não sorria, parecia deprimida até, com olheiras, talvez não dormisse o suficiente, ou sofresse calada com aquele segredo que Margarida também conhecia. Teve pena dela, uma vida com tudo para ser perfeita, e tão amargurada.
Uma festa de anos de Jorge e.. Álvaro, sentado ao lado de Afonso, com cara de poucos amigos. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. O mesmo olhar furioso que vira de manhã no seu escritório e semanas antes, na fábrica. Manuela de olhos baixos, submissa, gravidíssima, com filhos no colo. Precisava descobrir o que unia Álvaro à família Santos, para além do filho clandestino, pensou abatida. Ana era perspicaz e muito astuta, talvez soubesse de tudo mas preferisse não partilhar aquelas revelações tristes, matutava Margarida. Continuou a sua análise indiscreta, visualizando com calma o crescimento de Nuno, lindo e grande, demasiado grande, pensava angustiada. Se tivessem filhos, a genética de Nuno não seria gentil com ela, iria morrer no parto, pensava aterrorizada.
A partir do nascimento de Nuno, Álvaro aparecia regularmente nas recordações da família, como uma sombra negra, furioso, carregado de uma energia assustadora, saberia já na altura que ele era seu filho? Margarida estava convencida que sim. Recordou as confissões lunáticas que ele lhe fizera naquela noite na fábrica. Fazia sentido pensar que Manuela lhe tivesse contado, mas porquê? Como? Quando? Teve uma ideia repentina e resolveu sondar com Ana, ela saberia algum passado de Álvaro, com certeza.
            Arrumou os álbuns, mas não resistiu a guardar uma foto de Nuno com a mãe, tão lindo e feliz. Não havia recordações dele com Manuela na sua casa, o que a perturbava. Tentaria trazer, com calma e paciência, a lembrança da mãe para o coração dele, daquela forma, alegre, feliz e inocente, sem mágoa.
            Dirigiu-se à cozinha onde Ana continuava embrenhada nas tarefas culinárias e resolveu atacar de forma direta, sem rodeios,
            - Ana, precisava de saber alguns pormenores do passado do Álvaro. Ajudas-me? – lançou sem piedade.
            - Ham? – Ana deixou cair um tabuleiro no chão, com a surpresa daquele tema na sua casa.
            - Há qualquer coisa de errada na presença daquele homem na família do teu marido e de Nuno. – explicou sem papas na língua.
            - Querida, por favor, o Nuno já te pediu que não mexas mais nesses assuntos. – suplicou aflita, tentando fugir à pergunta inicial.
            - Não posso esquecer este assunto Ana! Esse homem quase me matou, e eu nem sequer o conhecia, tem de haver uma explicação. Tenho algumas teorias na cabeça, mas preciso de ajuda. Por favor, faremos tudo sem que nenhum deles desconfie. Um doido anda à solta e o Nuno precisa de paz.
            Aquela preocupação por Nuno amoleceu Ana, que se manteve em silêncio durante um bom bocado. Margarida sabia que teria de aguardar, Ana estava a processar, mas ela tinha a certeza de que a convencera.
            - Fecha a porta, por favor. – ordenou Ana, abatida, talvez chegara a altura de enfrentar os velhos fantasmas, e Margarida oferecia-se para a ajudar nessa batalha, o que lhe parecia ser a melhor hipótese de todas.
            Ana contou tudo o que sabia do passado de Álvaro, que era colega e o melhor amigo de Afonso, frequentava a casa dos pais de Jorge e de Nuno, por vezes até passava férias com eles. Tivera um acidente qualquer em casa. Em 1980, explodira uma botija de gás e ficara sem os pais nesse acidente, para além de que fora internado durante uns meses. Manuela cuidara dele, como uma boa amiga. Estivera quase a morrer numa noite, mas sobreviveu. Diziam as más línguas que morrera qualquer coisa com ele no hospital, pois o seu temperamento mudara radicalmente. Aquela observação deixou Margarida curiosa, não era natural que um sobrevivente se revoltasse com o facto de se salvar. Em 1985 dera-se a tragédia, Manuela e Afonso foram atacados por um dos suspeitos de um crime que os dois colegas andavam a investigar, vingança, concluiu Ana. Foram mortos quando voltavam do hospital, pararam o carro num semáforo e balearam-nos. Margarida arrepiou-se com a violência do crime, morrer assim devia ser horrível. Ana suspirou longamente, ainda não tinha terminado, concluiu Margarida, curiosa. Nuno estava com eles no carro, tinha cinco anos e viu tudo. Álvaro foi o primeiro a chegar ao local do crime e levou-o para sua casa, a criança estava em choque. As lágrimas escorreram-lhes pelas faces e Margarida abraçou Ana. O amor e compaixão que sentia pelo cunhado eram verdadeiros. Um menino vira o assassínio dos pais e testemunhara tudo. Ficaram as duas a consolar-se mutuamente durante uns minutos, cada uma amava Nuno à sua maneira, e tinham consciência daquele amor que as unia mais que nunca.

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quarta-feira, 19 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 12 (1ª parte)

             


- Meninas!? Cheguei! – Jorge entrou entusiasmado em casa. Adorava festas e a casa cheia! Os últimos tempos tinham sido negros, o fantasma de Álvaro e todos os segredos que o ligavam à sua família ressuscitavam velhas recordações, que deviam estar enterradas, pensava ele, não havia nada de mais angustiante na vida que recordar. Não era um homem insensível, bem pelo contrário, mas preferia que nada daquilo o fizesse relembrar o passado triste da família Santos.
Enterrava a cabeça na areia, como Ana lhe dissera numa acalorada discussão. Jorge não apoiava a obsessão do irmão em descobrir porque morrera tanta gente da família, ele aprendera a viver com a dor e aceitara o destino de forma resignada, porque não conseguia o irmão fazê-lo?... Jorge sabia parte desse motivo, o que lhe dava calafrios e por vezes pesadelos, mas insistia em dominar os pensamentos, para se manter mentalmente estável. Ana, por seu lado, defendia maternalmente Nuno, sofria com a ideia de que o cunhado crescera sem pais, e desde os cinco anos tinha adormecido sozinho, sem a mãe para o aconchegar de noite. Talvez fosse esse o motivo porque Nuno se apegara de tal forma a Margarida, depois de uma juventude problemática e revoltada, com comportamentos insensíveis relativamente às centenas de namoradas que ia tendo sucessivamente. Margarida fazia lembrar a mãe, que Nuno não conhecera como ele, era inteligente, decidida, forte, mas ao mesmo tempo frágil, compreensiva, e bastante bonita. A mistura perfeita para domar um gajo daqueles, constatava Jorge. A chegada daquela mulher à família Santos trouxera algumas reviravoltas e emoções, mas só o facto de normalizar Nuno e o fazer amochar, já lhe valia a sua admiração.
            - Estamos aqui, na cozinha! – respondeu Ana, animadíssima com a organização da festa. – Agora vai aqui chegar e tentar meter o bedelho em tudo, vais ver! – sussurrava ela a Margarida que absorvia aqueles momentos domésticos com gozo.
            - Mas ainda não fizeram os folhadinhos? Caramba, venho a pensar neles desde de manhã! – resmungou Jorge impaciente.
            - Sai daqui, faz favor! Mas que homem tão guloso. – Ana adorava aquele marido esfomeado, sempre tão intenso, em todos os sentidos, pensava ela, sentindo-se atrevida.
            - Margarida, já te mostraram os álbuns de fotos da família? – Jorge tinha uma pequena vingança guardada para Nuno – Não? Ah, não podes perder isto! Anda lá comigo para veres o Nuno obeso! – sorria de orelha a orelha e Margarida ficou bastante interessada naquelas revelações cómicas, seguindo-o animada.
            Deixaram Ana entretida com os folhados e foram até à sala de estar, o local onde Jorge perdia eternidades a folhear antigos livros e recordações e onde resolvia sozinho a saudade de outros tempos.

            - Aqui estão os álbuns, vai-te entretendo, esqueci-me do espumante no carro e daqui a nada ela vai perguntar-me por ele e estou tramado! – saiu deixando-a sozinha com a família Santos.

 Havia fotos por todas as paredes, em retratos nas estantes e uma dúzia de álbuns. Animou-se com aquela investigação amadora e sentou-se confortavelmente numa das poltronas, escolhendo o álbum mais antigo, para dar uma sequência cronológica às fotos e poder perceber que tipo de gente era aquela, pensou com carinho.
            Manuela e Afonso pareciam felizes no casamento, pensou, mas também, toda a gente parecia feliz nesse género de fotos, concluía de forma prática. Se Nuno era filho de Álvaro, tinha de haver uma explicação lógica, Manuela teria de ter um motivo muito forte para ter traído o marido, justificava ela, não conseguia aceitar que aquela mulher fosse simplesmente uma dissimulada.
Deveria ter sido uma bela cerimónia, constatava, com classe e simplicidade, e o recente casal brilhava, tão diferentes, mas que se completavam de uma forma natural, pelo menos fisicamente, pensava Margarida. Manuela pequena, frágil, bela e com uma alegria inocente e Afonso gigante, robusto, atraente e sorridente, como se esperava, só que… Algo a fez voltar atrás na página do álbum, mas que raio!?! Afonso olhava de esguelha para uma mulher e Manuela fitava-o com amargura. Estaria a ver bem? O parvalhão mirava outras no dia do casamento? Margarida sentiu-se furiosa, e não era nada com ela, pensou. Como é que alguém se casava sem ter um homem devotado era uma questão que não conseguia compreender. Aquilo não poderia agourar nada de bom no futuro dos dois… lamentou. Nas fotos seguintes, durante o dia da festa de casamento a cena repetia-se umas quantas vezes, mas como é que ninguém tinha visto aquilo? Será que ali todos sabiam que Afonso casara sem amar Manuela? Seriam os filhos conscientes disso? Se Dinis olhasse para outra mulher como Afonso, Margarida furar-lhe-ia os olhos imediatamente, não permitiria que a mãe fosse enganada!

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terça-feira, 18 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 11 (3ª parte)



-Mas correu mal porquê? – gritou Álvaro ao telefone. Tivera um mau pressentimento quando lhe telefonou a primeira vez. Conversas patetas, risinhos histéricos, uma série de indícios que um polícia não desdenha, mas Catarina poderia ter sido perfeita, se colaborasse, e simplesmente executasse as suas orientações. Coordenar homens era mais simples e eficaz, não pensavam, não discutiam, não avaliavam prós nem contras, estavam treinados para obedecer e pronto! Álvaro sentia-se a explodir de raiva, perdera a melhor chance de os separar. Se aquela idiota não o conseguia fazer, ali, no local ideal, mais ninguém o faria.
            Um pequeno percalço, dizia a si próprio para se acalmar. Tinha tempo, não havia pressas, e ainda havia aquela pedra no sapato de Nuno, a linda Sofia. Se Margarida o amasse, faria tudo para o proteger, e muito mais ainda para salvar a adorada sobrinha, concluía satisfeito.
            - Então e agora? – Catarina insistia no plano, exasperando o polícia. Queria vingança. Perderia o emprego certamente, Nuno tratara-a como lixo e odiava Margarida ainda mais.
Álvaro podia ainda usar a tolinha, só precisava pensar como. Não fecharia aquela porta, por agora. Uma mulher despeitada era mais letal que um exército, concluía.
- Tem calma, querida, amanhã telefono-te. Não fiques preocupada. Tudo a seu tempo. – o estômago de Álvaro revolveu-se de nojo com os modos que era obrigado a utilizar com Catarina.
Desligou o telefonema e sentou-se no seu local de trabalho, encheu novamente o copo e dedicou-se ao seu trabalho de casa. As escutas eram cada vez menos úteis, pouco ou nada era dito, talvez andassem desconfiados de que ele os ouvia. Aquele Jaime era bom, mas não era um simples operador que lhe ia passar a perna, rosnava com ódio.
Olhou a sua agenda elaborada e relembrou-se de que Sofia fazia anos no dia seguinte, a família iria estar toda junta, era vital descobrir onde. Uma ideia surgiu-lhe, fazendo-o vibrar de excitação. Precisava de ir à Unidade sem que ninguém o visse.


- Posso entrar? – Ana temia que o ambiente na sala de Margarida ainda estivesse pesado, e suspirou de alívio ao vê-los sentados um no outro. Era estranho para ela assistir a cenas domésticas que envolviam Nuno, sempre tão contido e discreto nos seus relacionamentos. Margarida tinha-o na mão, pensava ela satisfeita. A sua experiência de vida tinha-a ensinado que, uma mulher que não é adorada pelo homem, sofria imenso. Vira isso de perto na família do marido. Manuela não fora a grande paixão de Afonso, e isso valera-lhe vários anos de traições e humilhações, relembrava com pesar. Mas ali a história era outra, Margarida era forte, decidida e tinha enfeitiçado Nuno a ponto de ele se ajoelhar e pedir perdão… Grande mulher!, observava, orgulhosa da sua melhor funcionária.
- Sim, entra. – respondeu Nuno – Desculpa a cena de há bocado aqui na tua editora, ando com os nervos em franja.
- Não é preciso pedires desculpa, querido. Se aquela bisca aprontou alguma entre vocês os dois vai ser posta a andar daqui para fora! Não posso ter a trabalhar connosco uma pessoa assim, para além de que as qualidades profissionais dela deixam muito a desejar. – confessou Ana.
- Coitada, - disse Margarida genuinamente – a rapariga não aguentou o charme aqui do senhor testosterona. – brincou.
- Coitada? Ela não teve aquilo que merecia! – bradou Nuno ainda colérico – Se tu não tivesses pedido para a largar, acho que lhe deixava um olho negro!
- Pronto, mas agora já passou. – disse Ana maternalmente, querendo rapidamente mudar o tema da conversa. Tinha preocupações diferentes, mas que não deixavam de ter o seu grau de importância! Era, por isso, essencial aproveitar o facto de que Margarida e Nuno já estavam bem para obter ajuda dos dois nos seus planos de coordenadora de eventos familiares – Há uma festa para organizar, e é já amanhã! Eu estou nervosíssima com aquilo que ainda há para fazer! Não é todos os dias que uma menina faz dezasseis anos, quero que tudo seja perfeito! – Ana vibrava com celebrações – Margarida, vamos tirar o resto do dia, os papéis podem esperar e preciso da tua ajuda. Nuno, tu vais fazer-me o favor de ir às compras, porque o teu querido irmão é um aselha que confunde tudo e passa o tempo todo a ligar-me. Não distingue alhos de bugalhos! Tenho aqui a lista. Nós as duas vamos para minha casa e esperamos-te lá. Ah, e depois trazes os meninos da escola! – distribuiu energicamente as tarefas, excitada com os preparativos.
Os dois obedeceram sem reclamar, uma festa iria distrair um pouco a cabeça e aliviar o ambiente. Porém, antes de sair da sala, Nuno retirou o casaco e colocou-o nos ombros de Margarida. - Deves pensar que, só porque ias morrendo, te deixava sair daqui com o rabo à mostra! – disse em tom de censura.
- Machão! – a cunhada adorava cada vez mais aquele Nuno, e piscou o olho a Margarida, satisfeita.

- Sim, paizinho. – disse Margarida ironicamente, feliz por ter de novo aquele gigante a seus pés.

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segunda-feira, 17 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 11 (2ª parte)



Ana entrou de repente na sala, carregada de manuscritos, e gritou ao ver Margarida arroxeada, caída no chão.
- Nuno! Rápido, acode aqui!! – berrou descontrolada.
Nuno, que chegara à editora minutos antes e ajudava Ana a transportar uma quantidade enorme de papéis para a sala de Margarida, largou tudo no chão do corredor, correndo em direção ao grito.
- O que foi? – disse ansioso, e estacou ao ver Margarida a sufocar. Levou a mão ao bolso e retirou a bomba de asma, que estranhara ver no móvel de entrada de casa, mas que lhe parecera uma deixa dela para que ele a procurasse no trabalho. – Ela não consegue respirar, merda! – ajoelhou-se junto dela e tentou reanimá-la o suficiente para conseguir dar-lhe o remédio. – Vá lá, querida, por favor, respira. Não me deixes, por favor. Respira. – suplicava aos seus ouvidos.
Ana chorava com os nervos e debatia-se com a dúvida de chamar uma ambulância, mas o telemóvel estava a ser vigiado e na sala de Margarida não havia telefone, o que a fez descontrolar-se ainda mais.
Margarida começava a receber ar nos pulmões que relaxavam com o Ventilan, e ouvia as súplicas apaixonadas de Nuno, que não batiam certo com as informações que Catarina lhe tinha dado momentos antes. Ele tinha-a repelido no confronto com Sofia, já não gostava dela, queria terminar e não sabia como, andava triste com isso, e o mais grave de tudo, estivera com Catarina, enumerava ela com tristeza.
- Por favor Margarida, não me faças isto!
Nuno pedia-lhe que não morresse, mas porquê? Seria possível que a quisesse viva?
Depois de alguns instantes começou a recuperar totalmente a consciência e sentiu-se desconfortável com aquele contacto físico com o homem que a renegara.
- Já me podes largar, obrigada. Já estou melhor. – disse secamente, esforçando-se por se por de pé sem ajudas. Não havia necessidade de prolongar aquela aproximação, pensava ela com mágoa.
- Estás melhor?! – vociferou.
Nuno perdia as estribeiras confundido com o comportamento frio dela e Ana arregalava os olhos amedrontada com os modos do cunhado.
- Sim, estou melhor! Obrigada por me teres trazido a bomba, foi uma parvoíce minha sair de casa sem verificar se a tinha comigo. – disse de forma impessoal, lutando contra a vontade de cair nos seus braços.
- Ana, por favor, preciso de falar com ela. – disse secamente.
Ordenou a saída de Ana, que fugiu sem hesitação. Algo de muito grave se estava a passar e quanto menos ela presenciasse melhor, pensava. 
- Preciso trabalhar, Nuno. – Margarida tentava encontrar firmeza na voz para encarar o gigante.
- E eu preciso de esclarecer uma coisa contigo. Senta-te. – mandou com firmeza.
Ela obedeceu, com os nervos à flor da pele, teria de ser forte para ouvir aquilo, engoliu em seco e encarou-o. Chegara o momento que receava, o fim.
- Diz, mas rápido.
Nuno estava desorientado com aquela mulher, não compreendia a amargura dela. O batom da noite anterior tinha sido grave, mas tinha explicação! Que raio de feitio, pensava ele mantendo um ar decidido.
- Ontem fui estúpido contigo e com a Sofia. Desculpa-me, não podia ter-te dito aquilo. É claro que tens de te meter, não és pessoa de ficar calada se vires uma injustiça, e esse é um dos motivos porque te amo. – esclareceu.
Margarida não percebia, mas afinal amava?
– Depois de teres ido embora com a Sofia para casa fiquei envergonhado com o meu comportamento – confessou ele – e não tive coragem de te encarar, precisava de beber uma cerveja e pensar a melhor forma de te pedir desculpa.
 E telefonaste à tua confidente para ir contigo, pensava enfurecida.
- Quando cheguei ao Pub, estava lá a parva da Catarina que, sem eu querer, se sentou na minha mesa a chatear-me com perguntas. Levantei-me para vir embora, mas ela pediu-me boleia. Estava sem carro, achei que não tinha mal. Deixei-a em casa e ela deu-me um beijo na cara. – Nuno sentiu a barriga torcer-se, se ouvisse aquele relato da boca de Margarida partiria tudo à sua volta, não era de facto uma situação agradável. – Compreendes?
Margarida olhava-o confusa. Nunca duvidaria da palavra dele, claro, mas então porque é que Catarina tinha confundido as suas tonturas com tristeza? Como é que ela suspeitaria que estavam chateados? Havia ali qualquer coisa que não batia certo.
- Não foi essa a versão que ouvi dela. – por muito que lhe custasse, teria de engolir o orgulho e contar-lhe a cena de novela mexicana que tinha vivido momentos antes. Noutros tempos, sairia porta fora e nunca mais atenderia o telefone ao tipo. Homem nenhum valia passar por humilhações semelhantes, relembrou-lhe a antiga Margarida.
- Versão? Não percebo. – estava confuso, mas queria esclarecer tudo de uma vez – O que te contou ela? – Nuno esperava que Catarina não fosse burra ao ponto de tentar magoar Margarida, sentia o sangue ferver.
- A Catarina disse que lhe telefonaste ontem, – aquelas palavras saíam-lhe dificilmente, a nova Margarida lutava por aquele homem! – estavas chateado e querias conversar. Depois foram beber uma cerveja, deste-lhe boleia e… - as lágrimas queriam cair, maldita dependência emocional, lamentava Margarida – aconteceu…
Nuno não disse nada. Hirto, abriu a porta e saiu disparado deixando-a sozinha e receosa de que afinal era mesmo verdade o que Catarina contara.
- Aiiiiiii – ouviu um grito vindo do fundo do corredor.
- Silêncio! – Nuno berrou e entrou pela sala com Catarina pelo braço, que se contorcia de dor com aquela mão gigante que a apertava. Fechou a porta e sentou-a violentamente na cadeira. Margarida sobressaltou-se com aquela visão, recordando a sua experiência com Álvaro e olhou Nuno com pânico, fez-se luz na sua mente e ali estava a resposta. Eram Pai e Filho. Conseguia ver nele os mesmos traços atraentes e duros de Álvaro, o ódio no seu olhar, a voz, engoliu em seco.
- Diz-lhe imediatamente que é tudo mentira! – Nuno explodia em direção a Catarina, que tremia na cadeira… como ela na fábrica… pensava angustiada, Margarida.
- É mentira… - sussurrou Catarina, chorando.
- Porque disseste tudo aquilo? – gritou novamente.
Catarina encolheu-se retesando todos os músculos do corpo, como se esperasse ser agredida. Margarida viu-se novamente sentada numa cadeira, um gigante, e o medo.
- Para! Para com isso Nuno, eu já percebi! – Margarida não aguentava ver a materialização das suas recordações, era demasiado violento tudo aquilo, mesmo em Catarina. – Deixa-a ir, por favor. – pediu, olhando-o em busca de um contacto visual que o trouxesse novamente à realidade.
Nuno largou a funcionária, que saiu da sala em choque com a reação violenta do polícia, e sentou-se com as mãos na cabeça, com a adrenalina a pedir-lhe mais.
Margarida abraçou-o e deixou-o acalmar-se. O seu gigante era seu novamente, e precisava dela, mais que nunca, agora que teria de enfrentar mais um fantasma que ainda não conhecia. A dificuldade seria dizer-lho, quando, como…
- Esquece a Catarina, por favor. Não vale a pena, temos mais coisas com que nos preocupar. – confessou.
- Desculpa-me. Não me tornes a escapar pelos dedos, por favor. – suplicou sentando-a no seu colo. Nuno transfigurava-se, num momento um gigante, noutro um rapazinho assustado com demasiadas perdas na vida.
Margarida beijou-o, e enroscou-se nele. Aquele era o melhor lugar do mundo, onde temera por instantes nunca mais poder estar e isso quase a matara de desgosto.
Ficaram naquela posição durante um tempo, recuperando as horas perdidas da noite anterior. Pela primeira vez o amor dos dois tinha sido testado, Margarida duvidara dos sentimentos de Nuno com demasiada facilidade, recriminava-se. Ainda não se tinha habituado totalmente a ser amada daquela forma, era demasiado bom para ser verdade e secretamente pensava que não o merecia. Talvez não merecesse, concluía, apenas vivesse um sonho, mas fosse qual fosse o motivo para aquela prenda do destino, Margarida nunca mais seria a mesma.
Nuno pigarreou, denunciando que a conversa ainda não tinha acabado.
- Que saia é esta?! – perguntou.
Dinis de braços cruzados a olhá-la de forma recriminadora, pensou ela.
- É uma saia que ainda não tinhas visto. – confessou divertida.
- É difícil de ver, sabes? Quase não existe! – gracejou em tom de censura.
Estava ciumento, constatou feliz da vida.

- Não vais gostar do vestido que comprei para usar amanhã na festa da Sofia – provocou ela.

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sexta-feira, 14 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 11 (1ª parte)



Margarida acordou uma hora mais cedo que o habitual, cheia de olheiras, e com um aspeto miserável.
Tinha tido bastante tempo durante a noite para, no meio das crises de choro e de fúrias, engendrar um plano de salvamento para o dia seguinte.
Ela suportava muita coisa, engolira o orgulho na noite anterior com a atitude agressiva e destemperada de Nuno, porque sabia que era o medo a falar, mas batom, não. NÃO!!! Berrava ela enraivecida na almofada. Queria partir o quarto todo, esfrangalhar a porca que se tinha esfregado nele, arrancar-lhe os olhos e pisar os restos mortais!
Deixou-se consumir pelo ódio dos ciúmes durante várias horas e quando conseguiu ficar mais calma, decidiu que sairia de casa antes dele, sozinha. Sabia que estaria a colocar-se em perigo, ainda havia um doido a querer matá-la, mas não conseguia encarar Nuno, estava demasiado magoada.
Tudo menos batom…

Arranjou-se em silêncio absoluto, escolhendo uma saia demasiado curta para uma mulher comprometida, pensava recriminando-se, mas que iria ajudá-la a sentir-se menos inferior junto de Nuno. Ele iria procura-la na editora, e devia ficar chateado quando a visse a mostrar mais do que devia à empresa toda. Tinha de o castigar, remoía ela. Ou talvez já não se importasse… lamentava ela sentindo a garganta secar. Sempre havia a hipótese de ele não a amar como lhe dissera no dia anterior depois do jantar, os olhos ameaçaram inundar-se e Margarida respirou fundo. Fosse qual fosse a explicação para a traição de Nuno, ela teria de lidar com isso de forma superior. Ah, e mudar-se para casa da mãe, lembrou-se angustiada.

Tal como previra, a sua entrada na empresa animara a maioria dos homens. Sexy e de óculos escuros, Margarida escondia a frágil rapariga destroçada, passando decidida pelos corredores, onde todos os olhares se voltavam para ela.
Abriu a porta da sua sala, entrou, fechou a porta e apercebeu-se de que vinha em apneia há demasiado tempo. Teve uma tontura provocada pela falta de oxigénio, ou por não ter conseguido comer nada, e procurou apoio na secretária, para evitar uma queda aparatosa. Respirava calmamente, recuperando os sentidos, quando Catarina entrou no escritório, sem pedir licença, e a viu naquela posição que sugeria algum mau estar.
Afinal ela tinha visto o batom, pensou triunfante. - Ó querida, eu peço desculpa, não queria que ficasses assim, - escarneceu Catarina miando – deverias ter sabido de tudo de outra forma.. – tentando não sorrir e manter um ar arrependido.
- Ham? Mas do que é que estás a falar? – Margarida não tinha paciência para aquela parva logo de manhã, e num dia difícil como aquele. – Senti-me tonta, apenas, mas está tudo bem, obrigada.
Recompôs-se e dirigiu-se à secretária para começar o trabalho. Desde o ataque de Álvaro que Nuno retirara toda a investigação da sua sala e Margarida assumira novamente o seu trabalho de editora, remetendo Catarina para a função de paquete/assessora de edição, o que tinha deixado a funcionária furiosa.
- Que olheiras horríveis! – guinchou Catarina assim que Margarida retirou os óculos – Eu disse ao Nuno que ele devia ia com calma. – lançou ela em desafio declarado.
- Tu disseste o quê, a Quem? – Margarida esperava ter ouvido mal, segurou-se na mesa antes de ceder ao impulso de a espancar, podia ser tudo um mal-entendido.
Catarina sentou-se, corajosa, mostrando que não iria fugir e que estava decidida a enfrentá-la, o que aumentou a raiva da “chefe”. Mas o prémio daquele confronto era um homem de 1,90m, musculado, atraente e que já pertencera a Margarida, pensou vingativa.
- Ontem o Nuno telefonou-me à noite, estava chateado e queria conversar, – iniciou ela sentindo-se poderosa.
Margarida ouvia aquelas palavras com zumbidos fortes dentro da cabeça, como se o cérebro reagisse repulsivamente às confissões de Catarina.
 – e fomos beber uma cerveja. Ele levou-me a casa, e aconteceu. Desculpa. – tinha saído melhor do que ela pensara, ensaiara um discurso mais longo, mas Margarida reagia bem ao resumo que inventara ali à pressão, pensou.
- Saia imediatamente da minha sala! – gritou com as forças que tinha no momento.
Margarida lutava internamente para não a matar, ali mesmo. Não conseguia raciocinar e começava a ver tudo vermelho, iria magoá-la se ela não desaparecesse da sua frente.
- Desculpa, não é nada contigo, ele é que deixou de gostar de ti. – E levantou-se calmamente, mantendo a voz submissa e fingida.

Margarida viu-a sair da sala e fechar a porta em fragmentos de lucidez, como se a realidade estivesse a combater a loucura. A garganta começava a fechar, sem controlo, e procurou a bomba de asma freneticamente, sentindo picadas no peito. Entrou em pânico quando se apercebeu que não trouxera a bomba com ela, caindo de joelhos. Iria morrer, e Catarina ficaria feliz abraçada ao seu gigante, ouvia o seu demoniozinho interior gritar. 

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