Margarida tinha ainda revelações a
partilhar com Ana, era agora ou nunca, decidira ela,
- É possível que o Nuno não seja
filho de Afonso? – perguntou um pouco a medo, depois de a ver mais recomposta.
- Como assim? – Ana ficou vermelha.
Margarida desconfiou que aquilo não era
assim tão surpresa para ela.
– O Nuno desconfia? – acrescentou em
pânico.
- Não, ele não desconfia de nada. Eu
é que descobri. Naquela noite, na fábrica, o Álvaro disse várias coisas, que na
altura me pareceram não ter nexo, pensava que ele apenas estava louco. No
entanto, - Margarida andava de um lado para o outro, nervosa – logo quando ele
me falou pela primeira vez, me fez lembrar o Nuno. Hoje de manhã tive a
certeza, eu era Catarina e ele, ali de pé, gigante, o mesmo olhar, a mesma
fúria, como na fábrica… ele era Álvaro. Enorme, atraente, com os mesmos olhos.
Numa situação normal, não nos apercebemos, porque o Nuno é alegre, brincalhão,
tem o sorriso da mãe, mas quando está furioso, é o pai autêntico, o Álvaro.
Ana ouvia a explicação de Margarida
de lágrimas nos olhos, perturbada e resignada.
- Mas que coisas é que o doido te
disse na fábrica? Ele revelou alguma coisa sobre o Nuno? – perguntou curiosa.
- Disse várias coisas,… que andavam
todos a gozar com ele, ele tinha direitos, que a “Puta egoísta” o tinha
obrigado a vê-lo durante aqueles anos todos… - e aquele nome odioso com que
Álvaro se referia à mãe de Jorge e de Nuno deixou-a envergonhada. – Agora
sabendo que o Nuno é filho dele, tudo faz sentido. – Margarida ainda tinha mais
suspeitas, mas eram de tal forma graves que não teve coragem de as dizer
naquele momento. Ana já estava perturbada o suficiente.
- Eu também desconfiei durante
muitos anos, - confessou Ana – havia qualquer coisa de estranha na forma como o
Álvaro se comportava com Nuno. Era natural um certo paternalismo, um sentimento
de proteção, afinal ele tinha-o visto nascer e cresceu bem perto dele. Mas
parecia obcecado, não sei. Depois, um dia, o Nuno zangou-se com Álvaro, aqui em
casa, e chamou-o a atenção para que não se intrometesse na sua vida, que não
era seu pai, e saiu furioso, batendo a porta. – adolescência, pensou Margarida
– O Álvaro ficou sozinho na sala, eu ia a entrar, mas ele não me viu. Fervia de
raiva, zangado com Nuno e ouvi-o dizer entre dentes: “Sou teu pai, sim senhor!”.
Saí o mais rápido possível dali, para que não me visse e fiquei de rastos. Tal
como tu, sondei, junto do Jorge, uma pergunta aqui, outra ali, e descobri que o
Afonso traía Manuela. Tudo se clarificou, percebi que Manuela e Álvaro deviam
ter tido um caso, e Nuno seria fruto dessa relação. Mas nunca abri a boca para
revelar nada, há coisas que devem morrer connosco.
Margarida compreendia-a, talvez isso
fora o que a mantivera segura aqueles anos todos, pensou. Álvaro poderia ter
atacado Ana, como fizera com ela, naquela noite. Recordava-se perfeitamente de
Álvaro lhe perguntar que mais sabia ela, enlouquecido pela ideia de que
Margarida tivesse descoberto alguma coisa. Não compreendera na altura, mas tudo
ficava bem claro agora, pensava. “Com que então a menina descobriu que eu fui
paciente da Puta egoísta?”, aquela pergunta não a tinha deixado em paz desde a
noite do ataque, e era o motivo pelo qual ela estivera na fábrica, para morrer.
Para se calar de vez. Nuno não sabia de nada, e Álvaro não queria que soubesse.
Revolvera-se na cama durante várias noites, sem entender. Agora sabia, Álvaro
era pai de Nuno, ninguém desconfiava, e não deveria saber.
Mas só isso não era motivo para Álvaro a
querer matar, concluía ela; a podridão não acabava ali, na verdade sobre a
paternidade. Álvaro tinha de ser culpado em mais alguma coisa, algo mais grave
que facilmente pudesse ser relacionado se se descobrisse que eram pai e filho…
arrepiou-se dos pés à cabeça, Ana tinha razão em não querer remexer no passado…
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(imagem, internet)
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