Jorge
e Jaime conversavam em surdina isolados numa mesa do bar da PJ, evitando os
colegas que bebiam café e discutiam futebol animados. Tinham iniciado uma caça
ao homem secreta, mas o chefe parecia ter-se evaporado da face da Terra. Reviam
as teorias de cada um, frustrados por não terem avançado nada desde o dia em
que Nuno lhes contara todos os acontecimentos que envolviam Margarida e Álvaro.
Jorge revoltara-se com aqueles factos, soltando ameaças terríveis e promessas
de sangue se apanhasse o chefe pela frente. Jaime, por sua vez, ficara abatido,
simplesmente estupefacto com a ideia de que trabalhava com um louco e nunca
dera por isso. Nuno tinha um plano alinhavado, mas os três sabiam que, com
Álvaro, qualquer operação seria de risco. Ele era o cérebro da PJ.
-
O Nuno suspeita que o Álvaro sabe o que aconteceu aos nossos pais, à Sara e ao
Paulo. – comentava Jorge abatido, enquanto Jaime olhava fixamente o relatório
discriminado das escutas de telefone das últimas semanas.
Para
ele, teria de haver esturro naquelas informações secretas a que eles tinham
acesso, depois de autorizados por um superior.
Como
suspeitava, havia uma escuta ilegal no último mês, precisamente na altura em
que tudo se tinha sucedido. Os números de telefone requisitados eram cinco.
Precisava do seu computador para confirmar quais e onde era recebida a
transmissão das chamadas. Talvez fosse aquela a pista que eles precisavam.
-
Anda pá, acho que descobri alguma coisa! – Jaime saiu disparado em direcção à
sua sala, seguido por Jorge que esfregava as mãos de entusiasmo.
O
escritório de Jaime era escuro e bafiento, cheio de plasmas, teclados, e
aparelhos de gps, uma confusão onde só ele se entendia, matutava Jorge ao
entrar naquele «buraco negro», como gostava de se referir ao local.
-
Há um pedido de escutas que não me passou pelas mãos, e foi feito directamente na central. Só o Álvaro podia fazer isso, mais ninguém. Agora temos de
descobrir que números é que ele anda a espiolhar e onde recebe as transmissões.
Jaime
embrenhava-se naqueles milhentos
computadores e Jorge admirava os jovens com paciência para aquelas geringonças
que lhe davam sono. Para ele, um computador só prestava se servisse para ver gajas boas.
-
Não vais gostar disto. Tu, o Nuno, a Margarida e outros dois números estão a
ser ouvidos há três semanas. – Jaime lamentou aquela invasão de privacidade,
que todos os PJ sabiam bem como funcionava. Ouviam-se conversas do arco da
velha, segredos íntimos dos suspeitos do dia-a-dia, e era bastante útil na
maioria dos casos, mas um colega ser espiado era outra história.
-
Filho da Puta, quando o apanhar leva dois murros na tromba que o mato! –
vociferou Jorge enraivecido por se saber “escutado”.
Apercebeu-se
com horror de que Ana e Sofia também estavam na lista. Todos eles eram
monitorizados por Álvaro, essa era a explicação para o que Nuno lhes relatara
do comportamento do chefe. Ele era o melhor policial da Unidade, mas daí a ser
adivinho, a história mudava de figura, e Jorge recordava-se de estranhar o
facto de Margarida garantir que Álvaro sabia da conversa entre ele e o irmão
quando este lhe telefonou querendo saber se os pais eram felizes ou não. “Com
que então descobriu que eu fui paciente da Manuela” – Margarida tinha omitido o
facto de que Álvaro falava da mesma forma que Nuno e que tratava a mãe dos
polícias como «puta egoísta». Só podia ter sido o telefonema de Nuno a
denunciar Margarida, quando este o informou que ela reconhecera um paciente nas
fotos do relatório sobre Manuela, concluiu Jorge.
Ficou
subitamente branco, Sofia era “escutada”… O gajo não se atreveria… - constatou
horrorizado e saiu em direcção a casa de Nuno, deixando Jaime a esmiuçar mais pormenores agarrado aos teclados. Agora teriam de fazer as coisas à antiga,
pessoalmente. Estava farto da tecnologia, sempre soube que ainda lhe iriam dar
razão um dia, e ali estava a confirmação, as máquinas só lixavam a vida às
pessoas, pensava ele.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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