quinta-feira, 20 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 12 (2ª parte)

         


Largou o primeiro livro e continuou a sua análise nos álbuns seguintes. Gravidez, nascimento, Jorge era um bebé enorme! Estremeceu com a ideia de parir um “bezerro” daqueles numa época em que não havia epidural. Afonso estava exultante com o primeiro filho, era visível a alegria e orgulho nos seus olhos. Manuela, desfeita na cama do hospital, (mais um arrepio de medo), era uma mistura de felicidade e alívio por tudo ter terminado e o seu lindo “bezerro” ser saudável. Sentimentos maternais, concluía Margarida, cada vez menos convencida de que um dia estaria em semelhante situação. Nascimento de Sara, linda e perfeita, e um pai babado, de uma forma devotada pela sua menina loirinha. Manuela mais recomposta do que no anterior filho, mas com olhos tristes. Hum… estranho, não lhe parecia que uma mãe ficasse assim por ter tido uma bebé perfeita. Talvez o casamento dos dois já sofresse com a falta de caráter de Afonso, remoía ela incomodada. Álvaro aparecia agora nos momentos familiares mais marcantes, jovem, muito menos assustador que o que as recordações de Margarida descreviam. Gigante, obviamente, pensava ela, robusto, atraente, com um sorriso de gozão… Margarida engoliu em seco, as semelhanças deste com Nuno eram demasiado evidentes, ali Álvaro deveria ter quase a mesma idade que ele. Não pôde deixar de notar a forma como em algumas fotos Álvaro olhava na direção de Manuela, o que sugeria um pouco mais que amizade. Constatou com alívio que, no entanto, a mãe de Nuno não retribuía os sentimentos, era apaixonada por Afonso, ironias do destino que por vezes não acertava com as setas do Cupido, lamentou. Mais uma gravidez, filhos pequenos e traquinas, mas nada de Afonso, parecia ter sumido, talvez estivesse destacado em algum sítio a trabalho, pensava Margarida. Manuela não sorria, parecia deprimida até, com olheiras, talvez não dormisse o suficiente, ou sofresse calada com aquele segredo que Margarida também conhecia. Teve pena dela, uma vida com tudo para ser perfeita, e tão amargurada.
Uma festa de anos de Jorge e.. Álvaro, sentado ao lado de Afonso, com cara de poucos amigos. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. O mesmo olhar furioso que vira de manhã no seu escritório e semanas antes, na fábrica. Manuela de olhos baixos, submissa, gravidíssima, com filhos no colo. Precisava descobrir o que unia Álvaro à família Santos, para além do filho clandestino, pensou abatida. Ana era perspicaz e muito astuta, talvez soubesse de tudo mas preferisse não partilhar aquelas revelações tristes, matutava Margarida. Continuou a sua análise indiscreta, visualizando com calma o crescimento de Nuno, lindo e grande, demasiado grande, pensava angustiada. Se tivessem filhos, a genética de Nuno não seria gentil com ela, iria morrer no parto, pensava aterrorizada.
A partir do nascimento de Nuno, Álvaro aparecia regularmente nas recordações da família, como uma sombra negra, furioso, carregado de uma energia assustadora, saberia já na altura que ele era seu filho? Margarida estava convencida que sim. Recordou as confissões lunáticas que ele lhe fizera naquela noite na fábrica. Fazia sentido pensar que Manuela lhe tivesse contado, mas porquê? Como? Quando? Teve uma ideia repentina e resolveu sondar com Ana, ela saberia algum passado de Álvaro, com certeza.
            Arrumou os álbuns, mas não resistiu a guardar uma foto de Nuno com a mãe, tão lindo e feliz. Não havia recordações dele com Manuela na sua casa, o que a perturbava. Tentaria trazer, com calma e paciência, a lembrança da mãe para o coração dele, daquela forma, alegre, feliz e inocente, sem mágoa.
            Dirigiu-se à cozinha onde Ana continuava embrenhada nas tarefas culinárias e resolveu atacar de forma direta, sem rodeios,
            - Ana, precisava de saber alguns pormenores do passado do Álvaro. Ajudas-me? – lançou sem piedade.
            - Ham? – Ana deixou cair um tabuleiro no chão, com a surpresa daquele tema na sua casa.
            - Há qualquer coisa de errada na presença daquele homem na família do teu marido e de Nuno. – explicou sem papas na língua.
            - Querida, por favor, o Nuno já te pediu que não mexas mais nesses assuntos. – suplicou aflita, tentando fugir à pergunta inicial.
            - Não posso esquecer este assunto Ana! Esse homem quase me matou, e eu nem sequer o conhecia, tem de haver uma explicação. Tenho algumas teorias na cabeça, mas preciso de ajuda. Por favor, faremos tudo sem que nenhum deles desconfie. Um doido anda à solta e o Nuno precisa de paz.
            Aquela preocupação por Nuno amoleceu Ana, que se manteve em silêncio durante um bom bocado. Margarida sabia que teria de aguardar, Ana estava a processar, mas ela tinha a certeza de que a convencera.
            - Fecha a porta, por favor. – ordenou Ana, abatida, talvez chegara a altura de enfrentar os velhos fantasmas, e Margarida oferecia-se para a ajudar nessa batalha, o que lhe parecia ser a melhor hipótese de todas.
            Ana contou tudo o que sabia do passado de Álvaro, que era colega e o melhor amigo de Afonso, frequentava a casa dos pais de Jorge e de Nuno, por vezes até passava férias com eles. Tivera um acidente qualquer em casa. Em 1980, explodira uma botija de gás e ficara sem os pais nesse acidente, para além de que fora internado durante uns meses. Manuela cuidara dele, como uma boa amiga. Estivera quase a morrer numa noite, mas sobreviveu. Diziam as más línguas que morrera qualquer coisa com ele no hospital, pois o seu temperamento mudara radicalmente. Aquela observação deixou Margarida curiosa, não era natural que um sobrevivente se revoltasse com o facto de se salvar. Em 1985 dera-se a tragédia, Manuela e Afonso foram atacados por um dos suspeitos de um crime que os dois colegas andavam a investigar, vingança, concluiu Ana. Foram mortos quando voltavam do hospital, pararam o carro num semáforo e balearam-nos. Margarida arrepiou-se com a violência do crime, morrer assim devia ser horrível. Ana suspirou longamente, ainda não tinha terminado, concluiu Margarida, curiosa. Nuno estava com eles no carro, tinha cinco anos e viu tudo. Álvaro foi o primeiro a chegar ao local do crime e levou-o para sua casa, a criança estava em choque. As lágrimas escorreram-lhes pelas faces e Margarida abraçou Ana. O amor e compaixão que sentia pelo cunhado eram verdadeiros. Um menino vira o assassínio dos pais e testemunhara tudo. Ficaram as duas a consolar-se mutuamente durante uns minutos, cada uma amava Nuno à sua maneira, e tinham consciência daquele amor que as unia mais que nunca.

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