Margarida acordou uma hora mais
cedo que o habitual, cheia de olheiras, e com um aspeto miserável.
Tinha tido bastante tempo
durante a noite para, no meio das crises de choro e de fúrias, engendrar um
plano de salvamento para o dia seguinte.
Ela suportava muita coisa,
engolira o orgulho na noite anterior com a atitude agressiva e destemperada de
Nuno, porque sabia que era o medo a falar, mas batom, não. NÃO!!! Berrava ela
enraivecida na almofada. Queria partir o quarto todo, esfrangalhar a porca que
se tinha esfregado nele, arrancar-lhe os olhos e pisar os restos mortais!
Deixou-se consumir pelo ódio
dos ciúmes durante várias horas e quando conseguiu ficar mais calma, decidiu
que sairia de casa antes dele, sozinha. Sabia que estaria a colocar-se em
perigo, ainda havia um doido a querer matá-la, mas não conseguia encarar Nuno,
estava demasiado magoada.
Tudo menos batom…
Arranjou-se em silêncio
absoluto, escolhendo uma saia demasiado curta para uma mulher comprometida, pensava
recriminando-se, mas que iria ajudá-la a sentir-se menos inferior junto de
Nuno. Ele iria procura-la na editora, e devia ficar chateado quando a visse a
mostrar mais do que devia à empresa toda. Tinha de o castigar, remoía ela. Ou
talvez já não se importasse… lamentava ela sentindo a garganta secar. Sempre
havia a hipótese de ele não a amar como lhe dissera no dia anterior depois do
jantar, os olhos ameaçaram inundar-se e Margarida respirou fundo. Fosse qual
fosse a explicação para a traição de Nuno, ela teria de lidar com isso de forma
superior. Ah, e mudar-se para casa da mãe, lembrou-se angustiada.
Tal como previra, a sua entrada
na empresa animara a maioria dos homens. Sexy e de óculos escuros, Margarida
escondia a frágil rapariga destroçada, passando decidida pelos corredores, onde
todos os olhares se voltavam para ela.
Abriu a porta da sua sala,
entrou, fechou a porta e apercebeu-se de que vinha em apneia há demasiado
tempo. Teve uma tontura provocada pela falta de oxigénio, ou por não ter conseguido
comer nada, e procurou apoio na secretária, para evitar uma queda aparatosa.
Respirava calmamente, recuperando os sentidos, quando Catarina entrou no
escritório, sem pedir licença, e a viu naquela posição que sugeria algum mau
estar.
Afinal ela tinha visto o batom,
pensou triunfante. - Ó querida, eu peço desculpa, não queria que ficasses
assim, - escarneceu Catarina miando – deverias ter sabido de tudo de outra forma.. – tentando não
sorrir e manter um ar arrependido.
- Ham? Mas do que é que estás a
falar? – Margarida não tinha paciência para aquela parva logo de manhã, e num
dia difícil como aquele. – Senti-me tonta, apenas, mas está tudo bem, obrigada.
Recompôs-se e dirigiu-se à
secretária para começar o trabalho. Desde o ataque de Álvaro que Nuno retirara
toda a investigação da sua sala e Margarida assumira novamente o seu trabalho
de editora, remetendo Catarina para a função de paquete/assessora de edição, o
que tinha deixado a funcionária furiosa.
- Que olheiras horríveis! –
guinchou Catarina assim que Margarida retirou os óculos – Eu disse ao Nuno que
ele devia ia com calma. – lançou ela em desafio declarado.
- Tu disseste o quê, a Quem? –
Margarida esperava ter ouvido mal, segurou-se na mesa antes de ceder ao impulso
de a espancar, podia ser tudo um mal-entendido.
Catarina sentou-se, corajosa,
mostrando que não iria fugir e que estava decidida a enfrentá-la, o que
aumentou a raiva da “chefe”. Mas o prémio daquele confronto era um homem de
1,90m, musculado, atraente e que já pertencera a Margarida, pensou vingativa.
- Ontem o Nuno telefonou-me à
noite, estava chateado e queria conversar, – iniciou ela sentindo-se poderosa.
Margarida ouvia aquelas
palavras com zumbidos fortes dentro da cabeça, como se o cérebro reagisse
repulsivamente às confissões de Catarina.
– e fomos beber uma cerveja. Ele levou-me a
casa, e aconteceu. Desculpa. – tinha saído melhor do que ela pensara, ensaiara
um discurso mais longo, mas Margarida reagia bem ao resumo que inventara ali à
pressão, pensou.
- Saia imediatamente da minha
sala! – gritou com as forças que tinha no momento.
Margarida lutava internamente
para não a matar, ali mesmo. Não conseguia raciocinar e começava a ver tudo
vermelho, iria magoá-la se ela não desaparecesse da sua frente.
- Desculpa, não é nada contigo,
ele é que deixou de gostar de ti. – E levantou-se calmamente, mantendo a voz
submissa e fingida.
Margarida viu-a sair da sala e
fechar a porta em fragmentos de lucidez, como se a realidade estivesse a
combater a loucura. A garganta começava a fechar, sem controlo, e procurou a
bomba de asma freneticamente, sentindo picadas no peito. Entrou em pânico quando
se apercebeu que não trouxera a bomba com ela, caindo de joelhos. Iria morrer,
e Catarina ficaria feliz abraçada ao seu gigante, ouvia o seu demoniozinho
interior gritar.
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(imagem, internet)
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