quarta-feira, 19 de abril de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 12 (1ª parte)

             


- Meninas!? Cheguei! – Jorge entrou entusiasmado em casa. Adorava festas e a casa cheia! Os últimos tempos tinham sido negros, o fantasma de Álvaro e todos os segredos que o ligavam à sua família ressuscitavam velhas recordações, que deviam estar enterradas, pensava ele, não havia nada de mais angustiante na vida que recordar. Não era um homem insensível, bem pelo contrário, mas preferia que nada daquilo o fizesse relembrar o passado triste da família Santos.
Enterrava a cabeça na areia, como Ana lhe dissera numa acalorada discussão. Jorge não apoiava a obsessão do irmão em descobrir porque morrera tanta gente da família, ele aprendera a viver com a dor e aceitara o destino de forma resignada, porque não conseguia o irmão fazê-lo?... Jorge sabia parte desse motivo, o que lhe dava calafrios e por vezes pesadelos, mas insistia em dominar os pensamentos, para se manter mentalmente estável. Ana, por seu lado, defendia maternalmente Nuno, sofria com a ideia de que o cunhado crescera sem pais, e desde os cinco anos tinha adormecido sozinho, sem a mãe para o aconchegar de noite. Talvez fosse esse o motivo porque Nuno se apegara de tal forma a Margarida, depois de uma juventude problemática e revoltada, com comportamentos insensíveis relativamente às centenas de namoradas que ia tendo sucessivamente. Margarida fazia lembrar a mãe, que Nuno não conhecera como ele, era inteligente, decidida, forte, mas ao mesmo tempo frágil, compreensiva, e bastante bonita. A mistura perfeita para domar um gajo daqueles, constatava Jorge. A chegada daquela mulher à família Santos trouxera algumas reviravoltas e emoções, mas só o facto de normalizar Nuno e o fazer amochar, já lhe valia a sua admiração.
            - Estamos aqui, na cozinha! – respondeu Ana, animadíssima com a organização da festa. – Agora vai aqui chegar e tentar meter o bedelho em tudo, vais ver! – sussurrava ela a Margarida que absorvia aqueles momentos domésticos com gozo.
            - Mas ainda não fizeram os folhadinhos? Caramba, venho a pensar neles desde de manhã! – resmungou Jorge impaciente.
            - Sai daqui, faz favor! Mas que homem tão guloso. – Ana adorava aquele marido esfomeado, sempre tão intenso, em todos os sentidos, pensava ela, sentindo-se atrevida.
            - Margarida, já te mostraram os álbuns de fotos da família? – Jorge tinha uma pequena vingança guardada para Nuno – Não? Ah, não podes perder isto! Anda lá comigo para veres o Nuno obeso! – sorria de orelha a orelha e Margarida ficou bastante interessada naquelas revelações cómicas, seguindo-o animada.
            Deixaram Ana entretida com os folhados e foram até à sala de estar, o local onde Jorge perdia eternidades a folhear antigos livros e recordações e onde resolvia sozinho a saudade de outros tempos.

            - Aqui estão os álbuns, vai-te entretendo, esqueci-me do espumante no carro e daqui a nada ela vai perguntar-me por ele e estou tramado! – saiu deixando-a sozinha com a família Santos.

 Havia fotos por todas as paredes, em retratos nas estantes e uma dúzia de álbuns. Animou-se com aquela investigação amadora e sentou-se confortavelmente numa das poltronas, escolhendo o álbum mais antigo, para dar uma sequência cronológica às fotos e poder perceber que tipo de gente era aquela, pensou com carinho.
            Manuela e Afonso pareciam felizes no casamento, pensou, mas também, toda a gente parecia feliz nesse género de fotos, concluía de forma prática. Se Nuno era filho de Álvaro, tinha de haver uma explicação lógica, Manuela teria de ter um motivo muito forte para ter traído o marido, justificava ela, não conseguia aceitar que aquela mulher fosse simplesmente uma dissimulada.
Deveria ter sido uma bela cerimónia, constatava, com classe e simplicidade, e o recente casal brilhava, tão diferentes, mas que se completavam de uma forma natural, pelo menos fisicamente, pensava Margarida. Manuela pequena, frágil, bela e com uma alegria inocente e Afonso gigante, robusto, atraente e sorridente, como se esperava, só que… Algo a fez voltar atrás na página do álbum, mas que raio!?! Afonso olhava de esguelha para uma mulher e Manuela fitava-o com amargura. Estaria a ver bem? O parvalhão mirava outras no dia do casamento? Margarida sentiu-se furiosa, e não era nada com ela, pensou. Como é que alguém se casava sem ter um homem devotado era uma questão que não conseguia compreender. Aquilo não poderia agourar nada de bom no futuro dos dois… lamentou. Nas fotos seguintes, durante o dia da festa de casamento a cena repetia-se umas quantas vezes, mas como é que ninguém tinha visto aquilo? Será que ali todos sabiam que Afonso casara sem amar Manuela? Seriam os filhos conscientes disso? Se Dinis olhasse para outra mulher como Afonso, Margarida furar-lhe-ia os olhos imediatamente, não permitiria que a mãe fosse enganada!

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