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Meninas!? Cheguei! – Jorge entrou entusiasmado em casa. Adorava festas e a casa
cheia! Os últimos tempos tinham sido negros, o fantasma de Álvaro e todos os
segredos que o ligavam à sua família ressuscitavam velhas recordações, que
deviam estar enterradas, pensava ele, não havia nada de mais angustiante na
vida que recordar. Não era um homem insensível, bem pelo contrário, mas
preferia que nada daquilo o fizesse relembrar o passado triste da família
Santos.
Enterrava a cabeça na areia, como Ana lhe
dissera numa acalorada discussão. Jorge não apoiava a obsessão do irmão em
descobrir porque morrera tanta gente da família, ele aprendera a viver com a
dor e aceitara o destino de forma resignada, porque não conseguia o irmão
fazê-lo?... Jorge sabia parte desse motivo, o que lhe dava calafrios e por
vezes pesadelos, mas insistia em dominar os pensamentos, para se manter
mentalmente estável. Ana, por seu lado, defendia maternalmente Nuno, sofria com
a ideia de que o cunhado crescera sem pais, e desde os cinco anos tinha
adormecido sozinho, sem a mãe para o aconchegar de noite. Talvez fosse esse o
motivo porque Nuno se apegara de tal forma a Margarida, depois de uma juventude
problemática e revoltada, com comportamentos insensíveis relativamente às
centenas de namoradas que ia tendo sucessivamente. Margarida fazia lembrar a
mãe, que Nuno não conhecera como ele, era inteligente, decidida, forte, mas ao
mesmo tempo frágil, compreensiva, e bastante bonita. A mistura perfeita para
domar um gajo daqueles, constatava Jorge. A chegada daquela mulher à família
Santos trouxera algumas reviravoltas e emoções, mas só o facto de normalizar
Nuno e o fazer amochar, já lhe valia a sua admiração.
- Estamos aqui, na cozinha! –
respondeu Ana, animadíssima com a organização da festa. – Agora vai aqui chegar
e tentar meter o bedelho em tudo, vais ver! – sussurrava ela a Margarida que
absorvia aqueles momentos domésticos com gozo.
- Mas ainda não fizeram os folhadinhos?
Caramba, venho a pensar neles desde de manhã! – resmungou Jorge impaciente.
- Sai daqui, faz favor! Mas que
homem tão guloso. – Ana adorava aquele marido esfomeado, sempre tão intenso, em
todos os sentidos, pensava ela, sentindo-se atrevida.
- Margarida, já te mostraram os
álbuns de fotos da família? – Jorge tinha uma pequena vingança guardada para
Nuno – Não? Ah, não podes perder isto! Anda lá comigo para veres o Nuno obeso!
– sorria de orelha a orelha e Margarida ficou bastante interessada naquelas
revelações cómicas, seguindo-o animada.
Deixaram Ana entretida com os
folhados e foram até à sala de estar, o local onde Jorge perdia eternidades a
folhear antigos livros e recordações e onde resolvia sozinho a saudade de
outros tempos.
- Aqui estão os álbuns, vai-te
entretendo, esqueci-me do espumante no carro e daqui a nada ela vai
perguntar-me por ele e estou tramado! – saiu deixando-a sozinha com a família
Santos.
Manuela e Afonso pareciam felizes no
casamento, pensou, mas também, toda a gente parecia feliz nesse género de
fotos, concluía de forma prática. Se Nuno era filho de Álvaro, tinha de haver
uma explicação lógica, Manuela teria de ter um motivo muito forte para ter
traído o marido, justificava ela, não conseguia aceitar que aquela mulher fosse
simplesmente uma dissimulada.
Deveria ter sido uma bela cerimónia,
constatava, com classe e simplicidade, e o recente casal brilhava, tão
diferentes, mas que se completavam de uma forma natural, pelo menos
fisicamente, pensava Margarida. Manuela pequena, frágil, bela e com uma alegria
inocente e Afonso gigante, robusto, atraente e sorridente, como se esperava, só
que… Algo a fez voltar atrás na página do álbum, mas que raio!?! Afonso olhava
de esguelha para uma mulher e Manuela fitava-o com amargura. Estaria a ver bem?
O parvalhão mirava outras no dia do casamento? Margarida sentiu-se furiosa, e
não era nada com ela, pensou. Como é que alguém se casava sem ter um homem
devotado era uma questão que não conseguia compreender. Aquilo não poderia
agourar nada de bom no futuro dos dois… lamentou. Nas fotos seguintes, durante
o dia da festa de casamento a cena repetia-se umas quantas vezes, mas como é
que ninguém tinha visto aquilo? Será que ali todos sabiam que Afonso casara sem
amar Manuela? Seriam os filhos conscientes disso? Se Dinis olhasse para outra
mulher como Afonso, Margarida furar-lhe-ia os olhos imediatamente, não
permitiria que a mãe fosse enganada!
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(imagem, internet)
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