quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 24 (6ª parte)





Então era assim que se sentiam os presos..., pensou, amargurado com a sensação de não saber o que iria acontecer. Por muito que pensasse, não compreendia porque ela tinha feito queixa de si à polícia. Era óbvio, mesmo na sua cabeça, que o seu comportamento era excêntrico, mas não se sentia criminoso, afinal só tratava do jardim, e da casa... sim, dormira lá um par de vezes, mas sem intenção de invadir nada, apenas se sentia bem ali, e inconscientemente desculpava-se por estar a ocupar a cama dela. Pensara várias vezes na hipótese de ela voltar de repente a Coimbra e o encontrar a babar a sua almofada... mas isso só o divertia, nunca pensou que fosse crime. Imaginara uma mulher que não existia, uma relação e intimidade que não eram a realidade. A realidade era aquela cela, aquele silêncio, o cheiro a bebedeiras mal curadas e cigarros. Estava na altura de aceitar a sua miserável condição de amnésico insatisfeito com a vida e resolver o que era possível resolver. Esquecer a quinta da Marta, talvez pudesse vender o seu apartamento e comprar para si mesmo uma casa com espaço, terreno, as suas próprias enxadas e regadores. Ainda não sabia o que fazer com a namorada, duvidava que ela quisesse viver ao estilo fazendeiro, mas isso seria um ponto de viragem, uma possível solução para aquela vida que não lhe dizia nada.
- João, o que aconteceu? - Isabel apareceu repentinamente terminando abruptamente as suas teorias, visivelmente preocupada, o que o alegrou.
- Bem, acho que o meu trabalho de jardinagem não era propriamente legal... - explicou encavacado. Levantou-se e aceitou a mão que entrava fraternalmente pelas grades, era boa aquela sensação de que alguém se importava com ele.
- Mas já te disseram mais alguma coisa? Vais ficar aqui muito tempo? O Dr César está a conversar com o Comandante, acho que se conhecem, não te preocupes.
- Obrigada... e desculpa. - confessou, sentindo uma necessidade estranha de a abraçar.
- Querido, o que importa agora é que saias daqui. - Aquela prisão tinha-a sobressaltado mais do que imaginara. Para além dos problemas logísticos que certamente teria com o namorado longe e apenas contactável em horas e dias determinados, tinha ficado preocupada com ele. Podia ser uma porcaria de homem, mas era tudo o que tinha.
- Ainda não veio aqui ninguém falar comigo, sinceramente não faço ideia do que se vai passar... - esticou-se o mais que conseguiu e espremeu-se contra as grades, abraçando-a, consolando a sua amargura e medo. Isabel parecia diferente, mais doce e confortável com ele. Seria o facto de estar preso e vulnerável que a amolecia? Talvez, ela era uma mulher difícil, pouco carinhosa e distante, e aquele abraço era uma boa surpresa.
- Se quiseres vou lá falar com o guarda. Alguém tem de nos dizer alguma coisa! - Aquele momento cúmplice tinha de ser fechado com chave de ouro, pensou. Se não aproveitasse a vulnerabilidade dele ali, preso e amedrontado, perderia uma oportunidade brilhante de o conseguir agarrar emocionalmente. Olhou-o bem perto, não seria um sacrifício assim tão grande beijá-lo, passou-lhe a mão nos cabelos carinhosamente e ficou à espera que ele o fizesse. Estava na cara que ele a desejava naquele momento, e tal como ela pensara, João deu-lhe o beijo possível no meio das grades frias. Um beijo que podia amolece-la e transformar as suas intenções, pensou angustiada. Tentou libertar-se gentilmente, mas ele queria mais, sentiu, deixando-se levar. Conseguia perceber porque a outra tonta o amava, ele era irresistível quando estava empenhado em alguma coisa. Seria difícil pará-lo, se não estivessem barrados e talvez fosse isso o que a estivesse a excitar. Um calor começava a invadi-la, amolecendo-lhe os membros, que começavam a pender dormentes, enquanto João assumia a dominância, beijando-a com demasiada vontade. Não podia perder o controlo daquilo, pensou, logo perdendo o raciocínio outra vez. Queria-o preso a si, sem dúvida, mas sem gostar dele. Aquilo é que não podia estar a acontecer... separou-se ligeiramente dele a ofegar, engolindo em seco e fugindo com o olhar. João pegou-lhe gentilmente no queixo e tornou a apertá-la contra si, obrigando-a a esticar o momento. Não queria olhá-lo, era demasiado bonito assim apaixonado por si. Pela primeira vez sentira-se amada e era intenso.
- Então?... porque é que estás a chorar? - limpou-lhe uma lágrima que caía devagar pela cara de Isabel.
- Por nada... - fungou, tentando separar-se e fugir daqueles braços.
- Não te preocupes... não torno a magoar-te, prometo. - sentiu aquelas palavras verdadeiramente, beijando-a novamente. Aquela cumplicidade aquecia-lhe o peito quase tanto como quando abraçara Marta. Podia ser feliz, decidiu.

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(imagem, internet)

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