- Bom dia! - acenou
ao sorridente vizinho que todos os dias passava pelo portão da
quinta no que parecia a João ser uma mistura de curiosidade,
desconfiança e passeio higiénico. Trazia consigo um cão grande à
trela, talvez para não se sentir tão desprotegido, já tinha uma
certa idade, e todos os dias se demorava um pouco mais na passada,
atrasando-se propositadamente, a ganhar coragem de esticar a conversa
com aquele jardineiro empenhado. João sabia que aquilo era de
loucos, estar a tratar de um jardim de uma casa abandonada, viver lá
dentro como se tudo lhe pertencesse, mas a sua vida não era normal
em nenhum sentido, aquele era só mais um pormenor excêntrico. E
fazia-lhe bem, não queria voltar para o apartamento, lá
aborrecia-se. Ainda não tinha aparecido a polícia, por isso,
mantinha-se descansado e internamente absolvido.
- Essas courgetes
tem crescido que é uma maravilha! - comentou o velho, sorrindo-lhe e
estacando do outro lado da grade à espera de conversa.
- Pois estão!
Crescem com uma rapidez, se as regar bem, então... não quer levar
umas? Já não sei o que fazer a tanta courgete... - sorriu,
esfregando a testa com as costas da mão.
- Também lá
tenho, obrigado. Sabe o que podia fazer? Todos os sábados há um
mercado livre de agricultura biológica no Jardim Botânico. Porque
não vai lá despachar isto tudo? Não deve ser só courgetes que
este terreno dá a mais... - sugeriu.
- Isso é uma
excelente ideia! - exclamou, poisando as mãos no cabo da enxada e
sentindo-se animado com aquela sugestão. Detestava a ideia de deitar
fora toda aquela abundância. - Talvez vá lá amanhã, há aqui
tanta coisa que se vai estragar daqui a uns dias... - pensou em voz
alta, olhando em redor. - Obrigada pela sugestão.... Sr...?
- Joaquim. -
esticou a mão por dentro da grade a formalizar aquela apresentação
e à espera de um nome de volta.
- João, prazer. -
respondeu, satisfazendo a curiosidade do "seu" vizinho.
- Bem, então bom
trabalho! - acenou em despedida – Vamos, Fiel! - continuou a sua
caminhada matinal, ligeiramente aliviado por não sentir má
impressão do rapaz. Talvez fosse um empregado da menina Isabel,
embora achasse difícil que um jardineiro viesse trabalhar de BMW, e
não um qualquer, um carrão demasiado vistoso, coisa para custar o
valor de uma casa... E mais que as posses do rapaz, o que realmente o
intrigava era o facto de que muitas vezes se apercebera de que ele
pernoitava ali. Conhecia a casa, só tinha um quarto, dormiria ele no
quarto da patroa? Era um mistério cada vez mais complicado. O melhor
seria tirar as suas dúvidas diretamente com os Fonte Pereira e Melo,
não queria ser cúmplice de nada.
- Isabelinha, o
seu pai pediu para avisar de que quer falar consigo, no escritório.
- murmurou gravemente Adelaide, como se o local da conversa fosse o
presságio de algo muito sério.
- Obrigada
Dazinha. Sabe do que se trata? - perguntou, terminando o café
aromático que a consolava daquele frio de fim de outono de Castelo
Branco.
- É claro que
não! - explicou, retomando as suas tarefas na cozinha, sob o olhar
da sua menina que finalmente recuperara o apetite e comia satisfeita
o pequeno almoço caprichado. - Apenas recebeu um telefonema de
Coimbra, eu atendi e passei-lhe a chamada. - olhou-a discretamente,
sabia que aquele pormenor a iria incomodar. - Era o seu vizinho, o Sr
Joaquim. Deve ser alguma coisa sobre a sua casa. Não se preocupe.
- Afinal sabias
qualquer coisita. - gracejou, sorrindo-lhe provocadoramente. -
Obrigada, estava maravilhoso o café. - deu-lhe um beijo de fugida e
respirou fundo para ir enfrentar a tal conversa. O pai era sempre
muito reservado e raramente desperdiçava tempo, se a chamara teria
com certeza um bom motivo. Quantas vezes tinha desejado ser filha de
alguém mais simples e acessível, menos importante e ocupado. Só
lhe sobravam sempre as conversas difíceis ou os raspanetes.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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