- Estou? João?,
posso saber onde andas?!
- Olá Isabel, boa
tarde, tudo bem? - ironizou, detestava aquela falta de educação da
namorada. - Estou quase a chegar a casa. Já falamos. - desligou sem
cerimónias, aborrecido. Isabel interrompia sempre os seus momentos
de transe e sonho acordado, enquanto ouvia algumas músicas no carro,
parecia que fazia de propósito, só para chatear. Ultimamente
deixava-se perder nas suas fantasias, entusiasmado com a satisfação
que retirava do trabalho no jardim. Só se sentia mais desanimado
quando era inevitável ir dormir ao apartamento. Tinha prometido ao
César que jantariam com ele e com a Lisa, e já estava ligeiramente
atrasado, perdera imenso tempo a organizar os produtos que levaria no
dia seguinte para a tal feira que o vizinho sugerira. Ainda não
tinha decidido se ia contar essa sua atividade comercial ao jantar,
talvez fosse melhor guardar para si mesmo, a namorada podia
estragar-lhe o sábado com uma birra qualquer. Mas de bom agrado
cancelaria todos os planos da noite para dormir na cama dela e
continuar a fingir que aquela era a sua casa e que a Marta voltaria
de uma breve ausência para visitar familiares. Ele não podia deixar
o jardim abandonado, então ficara, mas já estava cheio de saudades,
e a casa começava a ficar ligeiramente caótica sem ela, pó nas
estantes, roupa para lavar, tinha de ganhar coragem e arrumar tudo
antes que ela voltasse. Estacionou o carro e suspirou, desligando o
motor do veículo ao mesmo tempo que parava com o sonho agradável. -
Vamos lá, Dr João.
- Sim, claro, fico
a aguardar então, obrigado Santos. - desligou o telefonema sob o
olhar curioso da filha e acenou-lhe que se aproximasse. - Senta-te
Isabel. Desculpa só ter podido receber-te a esta hora, mas valores
mais altos de levantam.
- Boa tarde pai, o
que se passa? A Adelaide disse-me que queria falar comigo. - obedeceu
à ordem e colocou a sua melhor pose.
- Sabes quem era
ao telefone? - lançou, enquanto endireitava papéis que estavam na
sua frente espalhados na secretária, sem a olhar diretamente.
- Não pai, quem
era? - se não a olhava era porque a ia informar de algo que não
gostaria de ouvir. Já começava a ficar farta daquele paternalismo
do século passado e da postura obediente que tinha de manter. Como
sentia saudades da sua casa em Coimbra, quando era obrigada a conviver
com o Sr Dr Fontes Pereira e Melo.
- O Comandante Alberto Santos, na PSP de Coimbra. Um antigo conhecido meu do tempo
da faculdade. – esclareceu – Ele vai amanhã mesmo ver o que se
passa lá no sítio onde moras quando estás em Coimbra. Pelos vistos
anda lá um sujeito a apropriar-se da tua casa, usando-a como se
fosse dele. Recebi um telefonema do Sr Joaquim preocupado com a
situação. - enumerou com autoridade, como se o assunto estivesse
arrumado.
- Um sujeito? Mas
o Sr Joaquim sabe quem é? Como se chama? - por momentos temeu que o
Janota lá andasse a arranjar o jardim e que fosse prejudicado com a
impetuosidade do pai.
- João, mas
certamente é um nome falso. - rematou.
- Meu Deus... -
enlouqueceu de vez, pensou, sentindo as bochechas a aquecer e um
remoinho a crescer no estômago. - Mas o que disse exatamente o Sr
Joaquim? Como assim, a apropriar-se da minha casa? - gaguejou, a
tentar disfarçar o mais possível o seu choque.
- Anda para lá de
enxada na mão, de volta do jardim, mas o mais grave é que ele usa a
tua casa. Como entrou, não faço ideia, mas o Sr Joaquim garante que
ele dorme lá de vez em quando. Deve ser um daqueles parasitas
hippies, sem respeito pela propriedade alheia. Mas o Alberto já está
ao corrente de tudo, não te preocupes, amanhã cedo acaba a ousadia
do tipo. Depois tens de lá ir formalizar a queixa, e ver os
prejuízos, mas para já vamos ver se é apanhado em flagrante. -
explicou, olhando-a a terminar simbolicamente a conversa.
- Ham... pois,
claro, aguardemos então. Obrigada – levantou-se meia dormente e
saiu do escritório, sem saber o que fazer. O seu instinto dizia-lhe
que telefonasse ao João e esclarecesse aquilo tudo, mas a história
parecia-lhe tão excêntrica que lhe custava acreditar que fosse ele
a andar de enxada na mão. Podia ser uma grande coincidência, e o
maluco ter inventado o nome de João para calar o Sr Joaquim. Faria
uma figura de idiota se lhe ligasse e ele se risse daquela sugestão
apalermada de que andava a brincar aos jardineiros. Ele nem sequer
sabia distinguir uma erva daninha de uma flor... Caminhou sem
perceber até ao quarto, fechou a porta e pegou no telemóvel
desligado que mantinha na gaveta da mesa de cabeceira. Ligou-o e uma
série de notificações sonoras de tentativas de contacto e
mensagens escritas caíam sem parar. Janota encabeçava a lista dos
mais persistentes, para sua angústia e tinha de admitir, desilusão.
Devia-lhe um telefonema, mas João desistira dela, e era só nisso
que conseguia pensar.
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(imagem, internet)
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