sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

"A Mala Vermelha" - Cap 24 (4ª parte)




- Qualquer que seja o motivo que te fez rejuvenescer assim, parabéns!, estás de facto com muito melhor aspecto! - exclamou César, colocando mais vinho no copo – Afinal conta lá, mata-nos a curiosidade, andas a fazer corrida? Pareces mais bronzeado, até mais tonificado! - acrescentou bem disposto.
- Não, nada disso, ando a fazer jardinagem. - respondeu, não adiantando muito mais e continuando a comer.
César e Lisa entreolharam-se perdidos, aquilo era uma novidade. Isabel também parecia espantada e isso ainda os intrigava mais.
- Jardinagem? - exclamou Lisa numa tentativa de continuar o tema e saber mais – Isso é muito interessante. E onde fazes tu jardinagem?
- Bem, isso é segredo, é o meu refúgio, se vos disser também vão querer ir para lá e acaba-se o meu sossego! - gracejou, fugindo à verdade que o fazia sentir-se desconfortável. Ninguém iria achar correto ele estar a invadir a casa da Marta sem autorização.
- E essa jardinagem dura dias e noites inteiras! - acrescentou Isabel, furiosa com as mentiras dele. Só podia andar com outra mulher, não havia outra explicação.
- Não sejas ciumenta, Isabel, - ironizou, ligeiramente picado com o rumo da conversa – sabes que só tenho olhos para ti. - concluiu, não esclarecendo a plateia sobre as noites que passava fora.
- Bem, e que tipo de jardinagem estamos a falar? - interrompeu César – Flores? Canteiros?
- Tudo! Agricultura também. César, acho que me vou virar para este ramo, descobri que tenho bastante jeito para a terra. Mas deixemos de falar de mim, como vão as aulas de yoga Lisa?
- Olha, uma porcaria, para ser sincera! A nova professora não sabe nada, é uma convencida, todos os dias leva um conjunto novo, super colado ao corpo... deve ser para nos fazer sentir bem... - bufou, ofendida.
- Querida, tu estás ótima! Não acredito que essa miúda tenha a tua forma! - elogiou César, sorrindo-lhe.
- A idade está a fazer de ti mentiroso... enfim!, - suspirou – não quero falar dessa "Sandra", que acho que é o nome dela. Já me basta as saudades que tenho da M... - calou-se repentinamente, chocada com a indiscrição que lhe ia saindo. - E sobremesa? Alguém quer? - levantou-se e começou a recolher os pratos, irritada consigo mesma.
- Eu vou-te ajudar. - João levantou-se e pegou na travessa do que restava da "Lasanha de 6ª feira à noite", e caminhou atrás de Lisa. Entrou na cozinha e ganhou coragem para continuar a conversa que realmente lhe interessava – Diz-me uma coisa, lá na escola de yoga não estão mesmo à espera que a Marta volte? Ela despediu-se?
Lisa poisou os pratos na bancada, aproximou-se dele e fez-lhe uma festa na cara, maternalmente. Era tão bonito ver o amor que eles sentiam um pelo outro, e ao mesmo tempo tão triste que o destino os estivesse sempre a boicotar, pensou, enternecida – Querido, não percas a esperança, eu sempre soube que se conhecesses a Marta a irias amar. Ela é adorável e tu também, e desculpa a franqueza, aquela rapariga não faz o teu género, porque continuas a viver com ela?
- Ela não tem família, se a mandar embora de minha casa fica no olho da rua... nós dormimos em quartos separados, não há nada entre nós, nem tenho vontade de que isso aconteça. - esclareceu – Mas então foste tu que nos apresentaste? A mim e à Marta?
- Bem, o César vai-me matar se souber que estou a contar-te coisas... - encostou ligeiramente a porta – mas não, vocês conheceram-se por casualidade lá na clínica onde tu trabalhavas.
- Ah, porque ela era lá enfermeira, certo?
- Hum... não, porque ela fazia lá voluntariado na altura e cruzaram-se um dia.
- Mais uma mentira na história... - lamentou-se – Então e onde entras tu nisto tudo?
- Eu fiz um jantar aqui em casa e convidei-a, tu já vinhas cá todas as sextas-feiras, e deu logo para perceber que estavam caidinhos um pelo outro. - sorriu sonhadoramente.
- Então e a Isabel? Eu não namorava já com ela? - tudo o que lhe iam dizendo fazia sentido, menos aquela namorada, parecia deslocada na sua história.
- Pois, tu conhecias a "isabel" das tuas noitadas, acho que tinham alguma intimidade, mas isso não interessa nada, não entendes? Tudo é factual, são só factos. Aquilo que a tua amnésia tirou, também pode ser visto como positivo. Concentra-te no que vais sentido e acredita nisso. Se esta rapariga não te diz nada, não tens obrigação nenhuma em viver com ela. Resolve isso, a Marta vai voltar, eu tenho quase a certeza, e se não voltar, metes-te no carro e vais buscá-la! Mas acaba esta farsa primeiro. - deu-lhe as mãos em apoio moral, sentindo-se aliviada e esperançosa. - Agora é melhor pegares nessas taças e ires para a mesa, para não levantarmos suspeitas. - piscou-lhe o olho e tratou de desenformar o pudim de ovos.
- Obrigada Lisa.
- Porquê?
- Por seres sincera comigo. - acrescentou – Não sei se consigo fazer tudo o que me sugeriste assim de repente... não quero que a Isabel passe dificuldades, mas vou tentar encontrar uma solução para ela. Mal ou bem, tem sido a minha companhia, e não fugiu para lado nenhum quando eu precisei. Há sempre esta dúvida aqui dentro, sabes?, porque fugiu a Marta? Isso não é amor, é cobardia. - saiu da cozinha e Lisa ficou angustiada com aqueles raciocínios. Era óbvio que sem se lembrar de tudo não iria perdoar o abandono súbito da verdadeira Isabel. César tinha razão, meterem-se na memória dele era pior, ou ele se recordava de tudo de repente, ou tinham de respeitar o rumo atual das coisas.

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(imagem, internet)

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