- Qualquer que seja
o motivo que te fez rejuvenescer assim, parabéns!, estás de facto
com muito melhor aspecto! - exclamou César, colocando mais vinho no
copo – Afinal conta lá, mata-nos a curiosidade, andas a fazer
corrida? Pareces mais bronzeado, até mais tonificado! - acrescentou
bem disposto.
- Não, nada
disso, ando a fazer jardinagem. - respondeu, não adiantando muito
mais e continuando a comer.
César e Lisa
entreolharam-se perdidos, aquilo era uma novidade. Isabel também
parecia espantada e isso ainda os intrigava mais.
- Jardinagem? -
exclamou Lisa numa tentativa de continuar o tema e saber mais –
Isso é muito interessante. E onde fazes tu jardinagem?
- Bem, isso é
segredo, é o meu refúgio, se vos disser também vão querer ir para
lá e acaba-se o meu sossego! - gracejou, fugindo à verdade que o
fazia sentir-se desconfortável. Ninguém iria achar correto ele
estar a invadir a casa da Marta sem autorização.
- E essa
jardinagem dura dias e noites inteiras! - acrescentou Isabel, furiosa
com as mentiras dele. Só podia andar com outra mulher, não havia
outra explicação.
- Não sejas
ciumenta, Isabel, - ironizou, ligeiramente picado com o rumo da
conversa – sabes que só tenho olhos para ti. - concluiu, não
esclarecendo a plateia sobre as noites que passava fora.
- Bem, e que tipo
de jardinagem estamos a falar? - interrompeu César – Flores?
Canteiros?
- Tudo!
Agricultura também. César, acho que me vou virar para este ramo,
descobri que tenho bastante jeito para a terra. Mas deixemos de falar
de mim, como vão as aulas de yoga Lisa?
- Olha, uma
porcaria, para ser sincera! A nova professora não sabe nada, é uma
convencida, todos os dias leva um conjunto novo, super colado ao
corpo... deve ser para nos fazer sentir bem... - bufou, ofendida.
- Querida, tu
estás ótima! Não acredito que essa miúda tenha a tua forma! -
elogiou César, sorrindo-lhe.
- A idade está a
fazer de ti mentiroso... enfim!, - suspirou – não quero falar
dessa "Sandra", que acho que é o nome dela. Já me basta
as saudades que tenho da M... - calou-se repentinamente, chocada com
a indiscrição que lhe ia saindo. - E sobremesa? Alguém quer? -
levantou-se e começou a recolher os pratos, irritada consigo mesma.
- Eu vou-te
ajudar. - João levantou-se e pegou na travessa do que restava da
"Lasanha de 6ª feira à noite", e caminhou atrás de Lisa.
Entrou na cozinha e ganhou coragem para continuar a conversa que
realmente lhe interessava – Diz-me uma coisa, lá na escola de yoga
não estão mesmo à espera que a Marta volte? Ela despediu-se?
Lisa poisou os
pratos na bancada, aproximou-se dele e fez-lhe uma festa na cara,
maternalmente. Era tão bonito ver o amor que eles sentiam um pelo
outro, e ao mesmo tempo tão triste que o destino os estivesse sempre
a boicotar, pensou, enternecida – Querido, não percas a esperança,
eu sempre soube que se conhecesses a Marta a irias amar. Ela é
adorável e tu também, e desculpa a franqueza, aquela rapariga não
faz o teu género, porque continuas a viver com ela?
- Ela não tem
família, se a mandar embora de minha casa fica no olho da rua... nós
dormimos em quartos separados, não há nada entre nós, nem tenho
vontade de que isso aconteça. - esclareceu – Mas então foste tu
que nos apresentaste? A mim e à Marta?
- Bem, o César
vai-me matar se souber que estou a contar-te coisas... - encostou
ligeiramente a porta – mas não, vocês conheceram-se por
casualidade lá na clínica onde tu trabalhavas.
- Ah, porque ela
era lá enfermeira, certo?
- Hum... não,
porque ela fazia lá voluntariado na altura e cruzaram-se um dia.
- Mais uma mentira
na história... - lamentou-se – Então e onde entras tu nisto tudo?
- Eu fiz um jantar
aqui em casa e convidei-a, tu já vinhas cá todas as sextas-feiras,
e deu logo para perceber que estavam caidinhos um pelo outro. -
sorriu sonhadoramente.
- Então e a
Isabel? Eu não namorava já com ela? - tudo o que lhe iam dizendo
fazia sentido, menos aquela namorada, parecia deslocada na sua
história.
- Pois, tu
conhecias a "isabel" das tuas noitadas, acho que tinham
alguma intimidade, mas isso não interessa nada, não entendes? Tudo
é factual, são só factos. Aquilo que a tua amnésia tirou, também
pode ser visto como positivo. Concentra-te no que vais sentido e
acredita nisso. Se esta rapariga não te diz nada, não tens
obrigação nenhuma em viver com ela. Resolve isso, a Marta vai
voltar, eu tenho quase a certeza, e se não voltar, metes-te no carro
e vais buscá-la! Mas acaba esta farsa primeiro. - deu-lhe as mãos
em apoio moral, sentindo-se aliviada e esperançosa. - Agora é
melhor pegares nessas taças e ires para a mesa, para não levantarmos
suspeitas. - piscou-lhe o olho e tratou de desenformar o pudim de
ovos.
- Obrigada Lisa.
- Porquê?
- Por seres
sincera comigo. - acrescentou – Não sei se consigo fazer tudo o
que me sugeriste assim de repente... não quero que a Isabel passe
dificuldades, mas vou tentar encontrar uma solução para ela. Mal ou
bem, tem sido a minha companhia, e não fugiu para lado nenhum quando
eu precisei. Há sempre esta dúvida aqui dentro, sabes?, porque
fugiu a Marta? Isso não é amor, é cobardia. - saiu da cozinha e
Lisa ficou angustiada com aqueles raciocínios. Era óbvio que sem se
lembrar de tudo não iria perdoar o abandono súbito da verdadeira
Isabel. César tinha razão, meterem-se na memória dele era pior, ou
ele se recordava de tudo de repente, ou tinham de respeitar o rumo
atual das coisas.
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(imagem, internet)
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