quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Cap 3 (1ª parte)



O telemóvel tocou ruidosamente em cima da almofada do lado direito vazio da cama de Margarida. Estremunhada, alcançou-o com dificuldade e praguejou asneiras cabeludas antes de atender:
- Sim??
- Bom dia dorminhoca! Ainda estás na cama? - e aquela voz que lhe começava a ser familiar fê-la içar o tronco rápido demais, dando-lhe uma dor aguda na cabeça. Maldita cerveja artesanal...
- Claro que não! - mentiu ela - Que disparate, estava mesmo a sair de casa. Estás no meu escritório? - falou da forma mais natural possível, tentando disfarçar a rouquidão da garganta de quem acordara naquele exato momento.
- Sim, já estou a adiantar trabalho, e enquanto não chegas dou uma ajuda à Catarina a levar as tuas tralhas de cima da secretária. - disse.
- Catarina? Mas quem é essa tipa?  E porque é que anda a mexericar nas minhas coisas? - a lucidez mental voltara-lhe rapidamente, bem como a dor de cabeça que se lhe afundara mais internamente com os nervos.
- A funcionária que contrataram para te substituir enquanto estás ocupada comigo! - explicou ele bem disposto. - É bastante simpática, não te preocupes. - mais valia ter calado a matraca, pois agora havia uma Catarina a folhear os seus manuscritos e ainda por cima "era bastante simpática", característica que, vinda da boca de um homem, só poderia significar ser uma top model! Não percebia porque as qualidades físicas da fulana a estavam a enfurecer... mas a verdade é que Margarida sentia-se uma bomba pronta a explodir.
- Substituir? Mas desde quando? Que palermice vem a ser esta? - e desligou o telefonema sem notar que deixara pendurado o polícia, que certamente se encontrava a tentar perceber o que é que tinha dito de tão grave.
Era urgente chegar o mais rápido possível à empresa e pôr os pontos nos is com a sua chefe, que ultimamente andava déspota demais e colocava Margarida em situações humilhantes de ignorância e impotência. A sua paciência esgotava-se e uma Catarina qualquer estava aos risinhos afetados sentada na sua cadeira, partilhando um café com o seu gigante simpático! Não... não podia ter pensado aquilo... com UM gigante que até nem era assim TÃO simpático, corrigiu-se ela de forma autoritária. A questão ali não era ele, mas ela, Catarina, a usurpadora de carreiras.

Tal como havia imaginado, de dentro do seu escritório vinham gargalhadas sonoras, e foi com bastante esforço que Margarida não pontapeou a porta para as silenciar. Estalou os dedos por cima da sua cabeça, como que a repelir o seu mau génio, respirou fundo e entrou decidida.
- Bom dia! Desculpem interromper a fanfarronice, posso entrar? - lançou ela de forma mordaz.
-Ah, ainda bem que já chegaste! - Nuno fingiu não perceber o tom e avançou para ela cumprimentando-a alegremente com dois beijos, envolvendo a sua cintura com o braço, o que a fez estacar na agressão que tinha preparada para liquidar de vez com a intrometida. Aquilo era uma novidade… - Catarina, esta é a Margarida de quem lhe falava, a melhor editora da empresa! - acrescentou ele inteligentemente, colocando um balde de água fria no clima escaldante que subitamente tinha invadido o escritório.
A nova funcionária detetou uma energia cúmplice entre os dois e, desiludida lamentou interiormente ter estado quase uma hora a fazer-se descaradamente ao polícia, sentindo-se envergonhada e ligeiramente chateada por este não ter sugerido em nenhuma altura que era comprometido. Homens!
- Olá, sou a Catarina, fui contratada para a ajudar a manter o seu trabalho em dia. - e estendeu a mão de modo submisso, o que agradou visivelmente a Margarida, que não teve outra hipótese senão retribuir o cumprimento. - Já levei todos os manuscritos mais urgentes para a minha sala e vou deixá-los trabalhar. Até mais logo! - saiu do escritório deixando um cheiro agoniante a coco que iria ficar impregnado no ar durante semanas, lamentou Margarida.
- Simpática a rapariga, hein? - gracejou Nuno divertido, mantendo-se sorridente, mas não de um modo provocador. Umas horas com Margarida já tinham sido o suficiente para compreender em que momentos poderia brincar ou não.
- Sim, talvez, - desprezou ela o comentário. - não tem culpa de ter sido contratada, eu é que podia ter sido avisada primeiro. - confessou frustrada.

- Já tomaste o pequeno almoço? – perguntou Nuno e o clima da sala mudou, como se Catarina não tivesse existido - A mim caía-me bem um café e um cigarro antes de nos debruçarmos em coisas tristes. - referiu-se assim pela primeira vez, num tom sentimental, ao seu caso policial sem aparente resolução, o que a intrigou e deixou com as antenas no ar e dirigiram-se ao café do outro lado da rua para recompor o estômago e descontrair por meia hora antes de iniciar os trabalhos.

(direitos reservados, afsr)

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