O
telemóvel tocou ruidosamente em cima da almofada do lado direito vazio da cama
de Margarida. Estremunhada, alcançou-o com dificuldade e praguejou asneiras
cabeludas antes de atender:
- Sim??
-
Bom dia dorminhoca! Ainda estás na cama? - e aquela voz que lhe começava a ser
familiar fê-la içar o tronco rápido demais, dando-lhe uma dor aguda na cabeça. Maldita cerveja artesanal...
-
Claro que não! - mentiu ela - Que disparate, estava mesmo a sair de casa. Estás
no meu escritório? - falou da forma mais natural possível, tentando disfarçar a
rouquidão da garganta de quem acordara naquele exato momento.
-
Sim, já estou a adiantar trabalho, e enquanto não chegas dou uma ajuda à
Catarina a levar as tuas tralhas de cima da secretária. - disse.
-
Catarina? Mas quem é essa tipa? E porque
é que anda a mexericar nas minhas coisas? - a lucidez mental voltara-lhe
rapidamente, bem como a dor de cabeça que se lhe afundara mais internamente com
os nervos.
- A
funcionária que contrataram para te substituir enquanto estás ocupada comigo! -
explicou ele bem disposto. - É bastante simpática, não te preocupes. - mais
valia ter calado a matraca, pois agora havia uma Catarina a folhear os seus
manuscritos e ainda por cima "era bastante simpática", característica
que, vinda da boca de um homem, só poderia significar ser uma top model! Não
percebia porque as qualidades físicas da fulana a estavam a enfurecer... mas a
verdade é que Margarida sentia-se uma bomba pronta a explodir.
-
Substituir? Mas desde quando? Que palermice vem a ser esta? - e desligou o
telefonema sem notar que deixara pendurado o polícia, que certamente se
encontrava a tentar perceber o que é que tinha dito de tão grave.
Era
urgente chegar o mais rápido possível à empresa e pôr os pontos nos is com a sua chefe, que ultimamente
andava déspota demais e colocava Margarida em situações humilhantes de
ignorância e impotência. A sua paciência esgotava-se e uma Catarina qualquer
estava aos risinhos afetados sentada na sua cadeira, partilhando um café com o
seu gigante simpático! Não... não podia ter pensado aquilo... com UM gigante
que até nem era assim TÃO simpático, corrigiu-se ela de forma autoritária. A
questão ali não era ele, mas ela, Catarina, a usurpadora de carreiras.
Tal
como havia imaginado, de dentro do seu escritório vinham gargalhadas sonoras, e
foi com bastante esforço que Margarida não pontapeou a porta para as silenciar.
Estalou os dedos por cima da sua cabeça, como que a repelir o seu mau génio,
respirou fundo e entrou decidida.
-
Bom dia! Desculpem interromper a fanfarronice, posso entrar? - lançou ela de
forma mordaz.
-Ah,
ainda bem que já chegaste! - Nuno fingiu não perceber o tom e avançou para ela
cumprimentando-a alegremente com dois beijos, envolvendo a sua cintura com o
braço, o que a fez estacar na agressão que tinha preparada para liquidar de vez
com a intrometida. Aquilo era uma novidade… - Catarina, esta é a Margarida de
quem lhe falava, a melhor editora da empresa! - acrescentou ele
inteligentemente, colocando um balde de água fria no clima escaldante que
subitamente tinha invadido o escritório.
A
nova funcionária detetou uma energia cúmplice entre os dois e, desiludida
lamentou interiormente ter estado quase uma hora a fazer-se descaradamente ao
polícia, sentindo-se envergonhada e ligeiramente chateada por este não ter
sugerido em nenhuma altura que era comprometido. Homens!
-
Olá, sou a Catarina, fui contratada para a ajudar a manter o seu trabalho em
dia. - e estendeu a mão de modo submisso, o que agradou visivelmente a
Margarida, que não teve outra hipótese senão retribuir o cumprimento. - Já
levei todos os manuscritos mais urgentes para a minha sala e vou deixá-los
trabalhar. Até mais logo! - saiu do escritório deixando um cheiro agoniante a
coco que iria ficar impregnado no ar durante semanas, lamentou Margarida.
-
Simpática a rapariga, hein? - gracejou Nuno divertido, mantendo-se sorridente,
mas não de um modo provocador. Umas horas com Margarida já tinham sido o
suficiente para compreender em que momentos poderia brincar ou não.
-
Sim, talvez, - desprezou ela o comentário. - não tem culpa de ter sido
contratada, eu é que podia ter sido avisada primeiro. - confessou frustrada.
- Já
tomaste o pequeno almoço? – perguntou Nuno e o clima da sala mudou, como se
Catarina não tivesse existido - A mim caía-me bem um café e um cigarro antes de
nos debruçarmos em coisas tristes. - referiu-se assim pela primeira vez, num
tom sentimental, ao seu caso policial sem aparente resolução, o que a intrigou
e deixou com as antenas no ar e dirigiram-se ao café do outro lado da rua para recompor
o estômago e descontrair por meia hora antes de iniciar os trabalhos.
(direitos reservados, afsr)
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