O interior do café estava apinhado de
gente, e os dois escolheram uma mesa na esplanada para almoçarem. O outono já
começava a aparecer, mas aquela tarde soalheira convidava ao ar livre. A
conversa girava ainda nos conhecimentos musicais de cada um, entre garfadas de
salada mediterrânica e goles de cerveja, bebida a que Margarida começava a
habituar-se, agora que era uma detetive em estágio, e partilhavam, entusiasmados,
da mesma convicção de que na atualidade já não se fazia nada de novo na música.
Pediram café e Margarida acendia um
cigarro quando teve a estranha sensação de estarem a ser observados. Já havia
reparado que aquele homem de meia-idade continuava indeciso sobre qual o
autocarro a apanhar, pois continuava sentado no banco da paragem e não pôde
deixar de notar que mantinha um livro aberto sem nunca mudar de página, mas não
partilhou a sua suspeita com Nuno. Simplesmente não queria estragar aquele
momento denunciando as suas paranóias constantes.
Voltaram ao escritório perto das 16h00, e
Nuno voltou a encarnar no polícia, bem como a tensão muscular do seu pescoço e
o olhar sem brilho. Margarida começava a odiar aquela sala, o que nunca
imaginou que acontecesse um dia. Aquele era o seu santuário, onde esquecia a
realidade e mergulhava nas histórias dos outros, umas boas, outras nem por
isso.
Nuno tinha feito um trabalho
minucioso nos últimos anos, recolhendo informações detalhadas dos passos de
cada uma das vítimas no último mês das suas vidas. Era de facto espantoso como
ele conseguira reunir tanta informação de um passado tão longínquo. Os seus
familiares tinham falecido há vários anos, e os pais em particular, há 25,
assassinados de forma violenta.
Começaram por improvisar na única
parede vazia da sala um esquema das vítimas com a foto, nome, idade à altura da
morte, profissão e último local onde foram vistos.
Margarida começava a ganhar
intimidade com aqueles familiares desaparecidos, e conseguia perceber onde Nuno
fora buscar os genes abençoados que o transformaram naquele homem alto, robusto
e tinha de confessar, atraente.
Manuela, a mãe deste era uma mulher
de 34 anos, extremamente bonita, de cabelos loiros lisos, olhos verdes e uma
elegância de fazer inveja para quem já tinha tido 3 filhos. Era médica nos HUC,
dermatologista na unidade de queimados, uma profissão que Margarida dispensaria
de bom grado. O marido, Afonso, tinha 40 anos e tinha sido inspetor da polícia
judiciária desde os 23. Alto, robusto, embora estivesse visivelmente mais
acabado que Nuno naquela foto. Tinha um olhar cansado e intenso, como se
carregasse com ele um peso mórbido de um segredo. Margarida sentiu por ele uma
forte curiosidade que mais tarde procuraria satisfazer. A irmã de Nuno, Sara
era a junção perfeita do primeiro casal, alta, loira, atraente, com os olhos
envelhecidos do pai e o sorriso bondoso da mãe, tinha 37 anos. Paulo, o marido,
fazia lembrar um viking, com cabelo desgrenhado arruivado, barba e cara alegre.
Parecia deslocado daquela família amaldiçoada que Margarida observava nas
fotos. Algo de estranho pairava por cima de pai, mãe e filha, mas Paulo não
parecia notar.
Eram
muitas as sensações e teorias que passavam na cabeça de Margarida, que se
sentara no chão de pernas cruzadas a olhar para o quadro amador.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
Sem comentários:
Enviar um comentário