terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Peralta, uma Lenda reinventada

(Esta história surgiu-me em 2012, depois de ler sobre a Lenda da Princesa Peralta da Lousã. Uma versão minha dos factos, com muita magia à mistura. Esta história aqui apresentada é o original da história que deu origem a uma versão adaptada e mais resumida e que foi utilizada num bailado.)



No alto de uma torre escondida, no sopé de uma Serra cheia de grandiosos castanheiros, vivia Peralta, a mais misteriosa e bela Princesa alguma vez conhecida. Seu pai, o Emir Arunce, valente e destemido, receava apenas uma coisa na vida, perder a sua pequena jóia árabe, tantas vezes ameaçada nos sucessivos combates em que este poderoso homem lutava. Desde bebé que a pequena Peralta acompanhava seu pai nas conquistas e aventuras, ao colo de aias dedicadas, que por debaixo de véus e colares, escondiam as suas verdadeiras identidades. O Rei Emir, obrigado a fugir do seu reino quente e dourado, foi encaminhado por estas fantásticas ajudantes para um pequeno Castelo escondido num recanto encantado de uma Serra Beirã, de uma beleza simples, mas profunda, o local perfeito para uma menina tão preciosa crescer em segurança.
Os inimigos do Emir eram vários e terríveis, gentes de outras terras, mágicos invejosos, reis e cavaleiros, mas as principais ameaças vinham de uma família de dez irmãs, muito feias e desajeitadas, que cobiçavam o Palácio Real e que, aliadas ao génio Cáifas, tinham expulso a família Arunce do seu Reino, era ainda Peralta um bebé. Ao Rei, não tinha restado outra hipótese senão pegar na sua pequena jóia secreta e fugir para um local seguro, tão seguro, que todos na terra dourada se esqueceram de que um dia tinha existido um Rei valente e bom e a sua pequena filha.
Passados 16 anos, na Serra da Lousã, a vida corria leve e harmoniosa para a comitiva que acompanhara o Rei na sua fuga a Caífas. A Princesa era bela, gentil e doce, como seu pai. Passava os dias a caminhar pelos trilhos da floresta, convivendo com animais curiosos e deliciando seu pai com castanhas doces e framboesas selvagens que colhia durante os passeios. Sentia no entanto vontade de conhecer outros locais, parecia-lhe que o verde da paisagem lhe era estranho e pouco natural. Nos seus sonhos, corria por uma imensidão de quentes dunas, de areia fina e delicada.
Um dia, contou os seus sonhos às confidentes Aias, e estas, assustadas pelas visões tão reais da sua terra natal, correram a avisar o Rei: Peralta era um ser do deserto, sonhava com as suas paisagens. O Emir, destroçado pela hipótese de ver Peralta morrer às mãos de Cáifas e das irmãs feiosas, decidiu casar a filha, trazendo um Príncipe de terras vizinhas, na esperança de ocupar a mente da bela árabe sonhadora.
Caifás, o génio do mal, que ocupara o poder desde a fuga do Emir Arunce, ao saber que Peralta começara a descobrir a verdade e seu pai a tentava distrair com um casamento, decidiu enviar para a terra verde um jovem tão belo, quanto terrível, disfarçado de Príncipe. O seu plano era enganar o Emir e fazer com que Peralta fosse raptada e trazida pelo jovem, para o deserto, onde a esperaria o seu trágico fim, a morte.
Peralta revoltou-se contra as intenções de seu pai. Não queria saber de casamento, o seu sonho era partir à aventura, ver novos locais e encontrar uma terra dourada e quente. Estava decidida, fingiria que concordava com as intenções do pai, e no dia antes do casamento, fugiria pelos trilhos que tão bem conhecia, iria viver o seu sonho dourado.
Ao chegar a véspera do casamento, o belo jovem enviado por Caifás chegou ao Castelo, rodeado de presentes e empregados, numa comitiva impressionante de cores e magia hipnotizante. A Princesa temeu por momentos que o seu coração vacilasse perante aquele Príncipe tão belo. Ele era na realidade um feitiço, uma visão enganadora, feita para conquistar tudo e todos…

Nessa noite, perturbada e confusa, Peralta saiu do Castelo, levando apenas um manto e uma espada, alguma coisa forte a fazia fugir dali, e ela queria saber o quê! Correu durante horas, na escuridão, ajudada pelos animais e pelo seu coração, que sempre a levara para caminhos estranhos, mas acertados. Já tinha caminhado vários quilómetros quando de repente, ouviu um barulho que se tornava cada vez mais forte e familiar. As Aias surgiram no escuro da noite, vindas de lado nenhum, fazendo a Princesa estremecer de excitação, pois estava agora desfeita a suspeita que sempre lhe tinha assombrado os pensamentos: vivia rodeada de fadas verdadeiras!! Mas no meio de toda aquela alegria momentânea, adivinhavam-se acontecimentos trágicos, os semblantes das suas confidentes eram pesados e não conseguiam esconder o medo. Peralta ficou a saber de toda a história secreta que envolvia a sua infância, do local dourado e quente de onde tinha vindo, das viagens perigosas que seu pai tinha ingressado para a proteger de um velho inimigo, Caifás. Ouviu tudo em silêncio, pensativa, com aquela expressão tão própria de quem sabe já o que deve ser feito, e acabado o discurso das Aias pegou na espada e percebeu porque a tinha trazido: estava chegada a hora de acabar com sombras antigas e libertar a sua família das perseguições que a atormentavam.
De regresso ao Castelo da Lousã, Peralta correu como se asas tivesse, o fogo da coragem que sentia era bem conhecido das Aias, pois tinha herdado de seu pai, o Rei Arunce, e nada a iria parar, não fosse uma sensação de estranheza e surpresa ao ver um castanheiro carregado de castanhas, e logo naquela altura do ano, em que aquela espécie ficava totalmente despida de folhagem e de frutos…. Parou de repente, deu várias voltas ao fenómeno e quando se aproximava da árvore para a observar melhor, ouviu claramente a voz de alguém a pedir socorro, como se por detrás do rijo tronco se encontrasse um prisioneiro. Como poderia ser? Estaria louca? Não tinha ainda dormido nada nessa noite, mas estava convicta de que não era um sonho, beliscou-se várias vezes, esfregou os olhos e aproximou-se uma vez mais, agora com o coração a bater bem forte de emoção! A voz era nítida, alguém sabia que ela ali estava e pedia-lhe ajuda. Sem saber o que fazer, Peralta pensava em voz alta, tentava comunicar com a voz, obter respostas, mas não conseguia descobrir uma forma de ajudar quem quer que fosse que ali estava. Sentou-se aos pés da árvore, desanimada com o seu fracasso, já cansada, pois era já quase de dia, ouviam-se os primeiros pássaros e sons da manhã…. Os raios de sol começavam agora a invadir as clareiras da floresta, quando de repente, uma luz incidiu na espada brilhante, ofuscando o olhar da Princesa, que percebeu nesse instante que a Espada que trazia com ela poderia ser a solução para salvar o prisioneiro. Com toda a força que tinha, começou a desferir golpes no tronco, e a cada tentativa, a voz ficava mais nítida e clara, era o som de um homem. Quase exausta, depois de algum tempo a tentar partir o tronco, finalmente se começavam a ver as vestes da pessoa encarcerada, que pareciam tão bonitas como as dela, de tecidos ricos e cores reais. De dentro do tronco saíram braços, pés, pernas, e todo o resto de madeira foi caindo aos poucos de cima de um jovem sorridente e belo! Ainda bastante abalada com aquele salvamento fantástico, a Princesa não tinha reacção para fazer perguntas, ficara a olhar, sem emitir qualquer som, para o “renascido” rapaz. Ele, porém, tinha muito para contar, procurava o Castelo da Lousã há várias semanas, perdera-se na floresta e estava desesperado pois vinha para conhecer a Princesa Peralta com quem se iria casar. Esta ficou em choque, sem revelar a sua identidade, ainda confusa com tudo aquilo, sem saber se aquele homem era ou não de confiança ou algum inimigo prestes a acabar com a sua vida. O Princípe do Norte, era assim que se apresentara, contou ainda que no meio da sua jornada, fora atacado por um ser estranho, de vestes estrangeiras, um homem meio Humano, meio génio, que o prendeu naquele castanheiro, de onde receou nunca mais sair vivo… Cheio de raiva pelo fracasso da sua missão em busca da Princesa e do Castelo, mas bastante agradecido à estranha que o salvara, o Príncipe perguntou a Peralta se podia ajudá-la em alguma coisa, como recompensa pela sua coragem e determinação em tirá-lo da árvore. Peralta sorriu, cheia de esperança e disse que sim, precisava que ele a acompanhasse ao Castelo, onde se encontravam o Rei Arunce, seu pai e uma comitiva de inimigos que tinham vindo no seu alcance, para a matar.
O Príncipe aceitou, confuso, chamou o seu cavalo fiel com um assobio e montaram os dois, atravessando a floresta que acordava naquela manhã de Verão. A meio do caminho, o cavalo parou bruscamente, o jovem voltou-se para Peralta, com um ar incrédulo de quem tinha finalmente percebido o que acontecera… Era ela, a rapariga que o salvara era a Princesa Peralta, filha do Rei Arunce, que vivia no Castelo da Serra da Lousã, destino que o esperava há algum tempo. Olharam-se durante algum tempo, admirando a força do destino que os juntara, e sentindo um Amor crescer dentro dos seus corações. Estavam agora certos de que juntos, unidos naquela força maior, conseguiriam salvar o Rei e vencer o inimigo Caifás e as suas ajudantes maléficas.
Ao avistar o Castelo, o Príncipe ficou maravilhado com aquela paisagem verde e mágica onde Peralta vivera durante dezasseis anos… um local digno da sua beleza exótica e real.
Entraram em silêncio nas muralhas de xisto, receosos do que iriam encontrar lá dentro. Sabiam que aquele génio era muito poderoso, mas não havia outra hipótese, tinham de o enfrentar! Ao entrar no Salão Nobre, de mãos dadas, o Rei almoçava com a comitiva estrangeira de perigosos traidores disfarçados de aliados do Norte. A Princesa contou ao pai quem vinha com ela, o que tinha visto na floresta, quem eram os convidados inesperados e declarou guerra aos visitantes surpreendidos. Caídas as máscaras, já não havia necessidade de continuar a fingir, soltaram-se uivos e sons macabros, imagens medonhas surgiram nos corpos anteriormente presentes. O Rei Arunce reconhecia-os a todos, pegou na sua espada e convocou as forças do Bem, chamando as fadas para a batalha. Estava na hora de terminar com décadas de medos e fugas, a luta inevitável tinha começado e só a vitória poderia ser o desfecho! Surpreendentemente, Peralta desferiu o golpe mortal a Caifás, no momento em que este se preparava para acabar com a vida do Rei Arunce. O génio gritou de dor e todos cessaram de lutar, ficando espantados a admirar o brilho que a espada da princesa emitia, como que uma força mágica a penetrar o peito do carrasco. As dez irmãs que vinham em auxílio de Caifás, ficaram cegas com a luz forte que a arma emitia, ficando desorientadas e deixando-se prender, enquanto gritavam de dor ao sentir os olhos queimar. Estava terminada a batalha. O Bem vencera o Mal, acabava de eliminar a maldição de um Reino dourado nas mãos de uma improvável heroína, Peralta, a doce jovem herdeira desse trono.

Passados alguns dias, o Castelo da Lousã era enfeitado de flores e bandeirinhas coloridas, ouvia-se música e risos, e uma grande festa era preparada dentro das suas muralhas. O Casamento real de Peralta e o Príncipe do Norte tinha início nessa manhã, num dia de muito sol e calor, bem ao gosto da princesa. Foi uma festa lindíssima, com muita alegria e quando já todos os convidados tinham regressado às suas casas, o Rei Arunce decidiu revelar o seu Presente de Casamento: iria oferecer a Peralta o trono da terra dourada. Lá, iria viver com o Príncipe no local dos seus sonhos, reinar com justiça, bondade e coragem, tal como seu pai um dia tinha feito. Partiram no dia seguinte, com toda a comitiva real, deixando para trás um pedaço dos seus corações num Castelo pequenino, situado num local mágico, de uma beleza pura e simples, para sempre relembrado como o Castelo do Rei Arunce e de sua filha Peralta!

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