quarta-feira, 10 de maio de 2017

"Margarida, o Bom e o Mau Gigante" - Final (parte 2)



Não entendia porque a chuva tinha de estar presente em todos os funerais a que tinha assistido. Quando Dinis se foi, ficara horas encharcada a olhar o monte de terra revolvida que sepultava o seu primeiro grande amor. A água lavara as lágrimas do seu rosto, mas nunca conseguiu tirar a mágoa profunda do peito.
            Nuno fitava a última morada de Álvaro sem emoção, dividido entre o alívio de ver um louco assassino enterrado, e a dor de ter descoberto que o chefe era o seu pai verdadeiro, e não Afonso. Havia algo de muito irónico naquilo tudo. Vivera desde os cinco anos sem pais, sentindo-se abandonado, quando descobre que afinal não era órfão, tem de o matar.
       - Nuno, vamos? – Margarida suspeitava que ele se revolvia com pensamentos tristes, e estava na hora de colocar uma pedra em cima daquilo tudo.
            - Sim, vamos. – disse conformado.

            Encaminharam-se calmamente para o carro, que Nuno odiava conduzir. Desde que destruíra o jipe tinham de se deslocar no carro dela, e os joelhos mal cabiam entre o banco e o volante, provocando risos em Margarida que suplicava que ele a deixasse conduzir.
            - Então? Como te sentes? – perguntou Margarida preocupada.
            - Com vontade de dar um passeio. – respondeu enigmaticamente.
            - Ok, posso guiar eu? – ainda tinha esperança que ele cedesse uma vez que fosse.
            - Podes, desde que não confundas mais uma vez a primeira com a marcha-atrás! – gozou ele com a pouca aptidão de Margarida em utilizar a caixa de velocidades.
            - Engraçadinho… - esforçava-se por não rir alto, um cemitério era um local pouco próprio para risadas, pensava ela.




            Margarida acordou com uma forte dor abdominal que a fez soar o alerta vermelho e despertar imediatamente.
            - Acorda!! – berrou, provocando um salto automático em Nuno que estava ferrado, abraçado a ela.
            - É agora? – esperava há meses por aquele momento, ansioso por ver a carinha dele ou dela… Durante toda a gravidez Margarida não quis saber se era menina ou menino, por um motivo misterioso que ninguém compreendia.
            - Ai meu Deus, é bom que tenhas tirado muitas fotos minhas para depois mostrares ao bebé! Se isto for mais doloroso ainda vou pedir aos céus que me levem!! – gritava ela descontrolada, aterrorizada com o momento do parto.
            - Ah ah, medricas! – Nuno adorava aquele sentido de humor, mas pelo sim pelo não, benzeu-se de costas para ela, Deus não podia levá-la a sério, aquilo era só medo!

            Entraram apressados pelas urgências da maternidade, e Margarida fizera toda a viagem zangada com ele, enumerando todas as ocasiões em que lhe tentara explicar que a mãe Natureza também cometia enganos, ela não era fisicamente apta para parir, tinha a certeza absoluta! Nuno conduzia sorridente, como se não a ouvisse e dava-lhe beijos ocasionais na mão que gesticulava nervosa.
            - Vou ter contigo à sala de partos! Amo-te! – Nuno acenou adeus e correu em direção à entrada dos pais, que já tinham visitado, numa das últimas consultas com a obstetra que teimara em mostrar a sala da “tortura” (como Margarida definira) como passeio pedagógico.
            - É bom que sim! Era só o que faltava, abandonares-me agora! – berrou ela furiosa, levando as enfermeiras a um ataque de riso.

            - Anda lá! Está quase! – Nuno induzia Margarida a esforçar-se mais um pouco, agora que já via a cabeça do bebé a aparecer. Espreitou mais uma vez e aquela imagem ensanguentada revolveu-lhe o estômago. Precisava vomitar, via tudo branco, e quando deu por si, estava deitado numa maca num quarto ao lado que se encontrava vazio.
            - Porra! Nunca mais me perdoa… - temeu, recompondo-se e procurando pela sala de partos onde Margarida tinha ficado sozinha.
            - É aqui senhor inspetor! – uma enfermeira chamava-o sorridente.
            - Querida? – disse receoso antes de entrar, colocando apenas a cabeça dentro da sala.
            - Já estás melhorzinho? – rosnou ela, olhando-o com ironia.
            - Desculpa, senti-me mal… - confessou. – Então? Onde está o bebé? – a ansiedade saía-lhe por todos os poros.
            - Aqui está! – a enfermeira dirigia-se ao casal com um pequeno embrulho.
            Nuno esticou os braços, nervoso, chegara o momento. Um filho.
            - Não! – gritou Margarida – Não lhe dê a bebé! Ele vai torcer-lhe o pescoço! – soltou, esperara vários meses por aquela vingança!
            - Credo! – a enfermeira estacou, sem perceber se aquilo era a sério ou se apenas uma brincadeira, de muito mau gosto.
            - É uma menina? – disse ele exultante.
            - Sim, mas livra-te de a magoares! – respondeu Margarida, satisfeita.
            A enfermeira olhava-a assustada, sem saber o que fazer, esperando uma ordem da mãe.
            - Ó por favor, dê-me lá a miúda! Não vê que a mãe está a brincar? – Nuno queria pegar-lhe e cheirá-la.
            - Tem a certeza? – perguntou a enfermeira a Margarida, segurando firmemente a bebé.
            - Margarida! Diz-lhe que estavas a brincar! – Nuno suplicava para que ela acabasse com a sua ansiedade. Até num momento daqueles a mulher era difícil!
            - Tudo bem, senhora enfermeira. – já tinha prolongado a piada tempo suficiente.
            Nuno pegou gentilmente na bebé, ficando extraordinariamente grande com aquele pequeno embrulho no colo.
            - Acho que se devia chamar Manuela. – disse Margarida.

            - Sim, acho que tem cara disso. – baixou-se, colocando a bebé junto da mãe, e beijou as duas.

FIM
Verão 2014

(direitos reservados, afsr)
(imagem internet)

Sem comentários:

Enviar um comentário