quarta-feira, 10 de maio de 2017

"Safara" - Um conto Alentejano - Cap 1 (1ª parte)


- Quando é que tencionavas contar-me? – Rui estava furioso. A namorada tinha o péssimo hábito de fazer as coisas nas suas costas, passando por cima de tudo e todos, sem se questionar se estava correto ou não. Aquilo lá era forma de contar que se ia embora por quatro anos!!
- Desculpa, só recebi a confirmação ontem. Sabes que sempre quis ter o meu próprio consultório! É uma oportunidade única Rui!! – Teresa não percebia qual era o problema dele, não lhe ligava patavina há meses, agora de repente armava-se em ofendido…
- Claro, e eu sou o último a saber! – a vergonha de ter ficado com cara de parvo no jantar, que percebeu depois, ser uma festa de despedida, em frente a todos os amigos, deixava-o perdido de raiva.
- Se passasses mais tempo comigo não te espantavas tanto com os factos da minha vida que desconheces! – berrou Teresa. Estava a ficar saturada daquele piegas pomposo, sempre com cobranças e sem dar nada em troca. Era um perfeito egoísta, um egocêntrico. Pegou nas chaves do carro, saiu e bateu a porta com toda a força que tinha. Precisava de sair dali, já não lhe podia olhar para a cara.
Teresa sabia que não tinha sido propriamente delicada na forma como o informou da sua partida, mas o desprezo constante daquele namorado obrigava-a a nunca partilhar nada com ele em primeira mão. Se era para falar para o telefone, então ele que arranjasse uma telefonista, pensava ela enfurecida.
No dia seguinte ia pessoalmente dar-lhe uma notícia ainda mais fresca, Finito!



Não tinha sido fácil tomar aquela decisão, mudar-se para longe, para um local onde não conhecia ninguém. A avó nascera naquela Vila, ainda lá tinham uma casinha pequena, que Teresa ocuparia enquanto lá estivesse a trabalhar, mas ninguém os conhecia, os descendentes da Maria. Uma jovem corajosa que deixara a terra, a família, e partira para Lisboa, em busca do seu futuro. Tal como ela, pensava com ironia, só que Teresa fugia do seu futuro. O namoro frio e impessoal que Rui lhe impunha era desgastante, frustrante, e não fazia tenções de acabar casada com um respeitável senhor Doutor médico que a iria trair com todas as enfermeiras que conseguisse, concluía. Já tinha visto esse filme em casa, recusava-se a ser a protagonista da sequela. Quando recebeu o e-mail a confirmar a vaga num centro de saúde do Alentejo profundo não pensou duas vezes, pegou no telefone e ligou para a melhor amiga, suplicando-lhe que a obrigasse a ir. Não era tão corajosa como queria fazer parecer, e lamentaria toda a vida o seu infortúnio, se não desse aquele passo. Rosário berrara-lhe do outro lado, ameaçando-a de todos os horrores possíveis e imaginários, se não respondesse afirmativamente à oferta de emprego. Respirou fundo, carregou no botão “enviar” e chorou durante horas agarrada à almofada. Toda uma vida rodeada de milhares de pessoas, adrenalina, festas, amigos, espetáculos, lojas, praia, comida chinesa… tudo iria desaparecer durante quatro anos. Tentou animar-se com a perspetiva de que o contrato não era para toda a vida, afinal não ia para o corredor da morte, dizia a si mesma, eram só quatro anos na solitária… Depois tornaria a ver a luz, teria a sua liberdade de novo.

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(imagem,internet)

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