Despediram-se já a tarde ia a meio, depois do
efeito do álcool estabilizar para conseguirem conduzir sem
problemas, e Marta ofereceu-se para um dia ajudar Janota a resolver o
problema de costas que o massacrava há alguns meses, deixando João
incomodado e mordido de ciúmes. Entraram os dois no jipe, seguidos
por Filipe, que se acomodou no banco traseiro, estrategicamente no
meio, para os observar com curiosidade. Olhava um e outro
alternadamente, à espera, de orelhas em pé.
- Gostei muito dos teus amigos. – iniciou
Marta, tentando quebrar o gelo que se sentia dentro do pequeno
veículo.
- Hum… - João olhava a janela amuado,
sentia-se péssimo, irritado, excitado, ciumento, e de mãos e pés
atados, sem possibilidade de resolver o seu problema.
- Desta semana a oito vou combinar com o Janota
e dar-lhe umas massagens… e já agora, porque é que lhe chamam
esse nome tão ridículo? Não fazes ideia de como ele tem aquelas
vértebras… Tudo torto. – continuou descontraída e ocupada com a
condução.
- Foi o Salvador que lhe deu a alcunha, já não
sei porquê. – respondeu secamente, esforçando-se por não a
olhar.
- O que tens? – questionou-o admirada com
tanto silêncio.
- Nada. – disse secamente.
- Ok. – decidiu calar-se e conduzir até
casa. Sabia perfeitamente porque ele estava amuado. Aquela situação
começava a tornar-se impraticável e insustentável. Talvez
visitasse os pais mais cedo do que tinha previsto. Seria bom para os
dois uns dias de afastamento, pois mesmo que doloroso, que tinha a
certeza que seria, era necessário. – Amanhã vou visitar os meus
pais a Castelo Branco, fico por lá uns dias, ainda não sei se volto
antes do fim de semana. – informou-o tentando não transparecer na
voz nenhuma altivez ou desdém, o que o deixaria irritado.
- Porquê? – perguntou chocado com aquela
ideia de estar sem a ver uma semana inteira.
- Porque tenho de os ver, e a viagem é longa e
cansativa, não gosto de ir e vir de repente. – esclareceu.
- Mas… não estás cá nem na sexta feira? –
perguntou quase em súplica, sentindo-se agoniado.
- Bem… - recordou-se do aniversário dele –
Vou tentar, mas não prometo.
- Ok, tu é que sabes. – o jipe parou naquele
momento junto do carro dele, estacionado num local fresco e seguro, e
João saiu com vontade de bater a porta com força. Respirou fundo,
deu meia volta ao jipe e colocou-se inclinado na janela do condutor,
sorrindo-lhe com esforço. – Desculpa, às vezes sou meio estúpido.
Quando voltares diz qualquer coisa, faz boa viagem. - beijou-lhe a
cara, demoradamente, deixando-a derretida no banco, sem forças para
reagir e disse adeus ao cão, acenando-lhe. – Adeus Filipe, até
pra semana. Toma bem conta dela.
O cão ficou em sonoros lamentos a olhá-lo a
dirigir-se para o carrão desportivo, mexendo-se freneticamente no
banco.
- Para com isso! – ralhou Marta, com os olhos
rasos de água. – Machos estúpidos, devia ter ficado com uma
cadela! Ou se calhar era pior, também se apaixonava por ele, e podia
facilmente lambê-lo quando quisesse, e depois tinha de a matar! –
berrou dizendo coisas sem nexo, a expulsar a tristeza e a raiva de
dentro de si, enquanto fazia de carro o restante caminho até casa,
bem devagar. Mas porque tinha a vida dela de ser tão cínica e
maldosa, lamentava-se a sentir-se miserável e cheia de
autocomiseração.
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(imagem, internet)
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