Registou com emoção o
primeiro contacto no seu novo telemóvel, depois de alguns anos de
“abstinência” telefónica regular, com o nome de João M,
guardando o número pessoal dele nos favoritos. Ficou uns momentos a
contemplar aquele nome, tão longe e tão perto, à distância de um
toque, quando foi acordada do seu transe pela voz da mãe que
finalmente escolhera o fato ideal.
- Isabelinha, vamos? – perguntou animada com
a próxima tarefa maternal, vestir decentemente a sua menina.
- Mãe… estou cansada. Vamos voltar para
casa. – suplicou, escondendo o aparelho na mala, depois de se ter
livrado da caixa, instruções e papeladas inúteis.
- Nem penses. Vais fazer-me este gosto. –
agarrou-lhe num braço e encaminhou-se para a loja perfeita.
- Mas por favor, só um vestido, pode ser?
- Menina, primeiro experimentas, depois
falamos. – rematou, sem dar hipótese a discussão.
Entraram na loja sofisticada, sendo
prontamente rodeadas de assistentes de compras, que educadamente se
disponibilizaram para as ajudar. Mariana instruiu as raparigas,
explicando o tipo de roupa que pretendia para a filha, e uma azáfama
de tecidos, peças, mulheres e nervos agarraram em Isabel, levando-a
para os provadores. Dezenas de hipóteses diferentes lhe foram
apresentadas, sendo que a maioria nem sequer passava pela sua
primeira avaliação, rejeitando qualquer tecido espampanante ou
metalizado. Depois de muito vestir e despir, um simples conjunto
preto lhe assentou como uma luva, revelando todas as suas curvas bem
feitas e pernas esguias, transformando a Marta em Isabel
instantaneamente. Uma antiga conhecida a olhava de frente, rodando
com ela no espelho, trazendo-lhe a memória de como um dia tinha sido
feliz na pele dela, antes de Tiago. Aquela mulher bonita e moderna
irradiava confiança na sua figura, e seria o par perfeito para João,
o Dr., constatou corando.
- Meu amor! Estás linda! Esse tens de levar!
– exclamou a mãe entusiasmada.
- Não sei… gosto dele, de facto. –
confessou, mirando-se mais uma vez de todos os ângulos – Mas ia
usar isto quando? – uma ideia surgiu-lhe na mente, o aniversário
de João seria uma boa ocasião, mas não se sentia capaz de se
transmutar à frente dele. Só lhe tinha mostrado a Marta, yogi,
simples, e lésbica, pensou angustiada. Como poderia aparecer-lhe à
frente com aquela versão feminina de si mesma?
- Uma mulher precisa de ter uma coisa destas
no guarda-roupa! – sentenciou Mariana – Levas este e todos os
outros que separei por ti.
Isabel olhou o monte de roupas que as
funcionárias seguravam satisfeitas e resignou-se. Talvez fosse boa
ideia ter uma alternativa à sua disposição.
- Dr., sente-se bem? Quer que chame um médico?
– perguntou Diana aflita ao entrar no gabinete e ver o patrão a
desfalecer na secretária, pálido e ofegante.
- Cancele as consultas da tarde. Tenho de ir
para casa. – levantou-se cambaleante, agarrou nas suas coisas e
saiu, sem notar que a sala o observava curiosa.
Arrastou-se até à garagem, esforçando-se
por respirar devagar, entrou no carro e deixou-se ficar uns minutos
no silêncio do espaço escurecido. Precisava de se acalmar, tirar
aquelas frases da cabeça, vê-la de carne e osso e certificar-se de
que estava bem. A ideia de que ela voltara sozinha para o local onde
tudo aquilo se tinha passado, e que ele lá pudesse estar, punha-o em
pânico. Estava demasiado longe para poder ajudá-la, para a
proteger, lamentou-se.
O telemóvel tocou, e João agarrou-o
prontamente, olhando o número com indicativo espanhol espantado. Não
conhecia ninguém em Espanha.
- Estou?
- Olá.
- Marta? – um aperto na barriga obrigou-o a
contorcer-se e poisar a cabeça no volante.
- O que foi? O que se passa? – perguntou
nervosa com a voz perturbada de João.
- Nada, desculpa. – disfarçou,
endireitando-se e esforçando-se em colocar a voz num tom o mais
natural possível. – Estás bem?
- Sim. Vim a Cáceres com a minha mãe, ela
adora vir aqui fazer compras… consegui agora fugir dela, disse-lhe
que ia à casa de banho. – explicou.
- E já compraste alguma coisa para ti? –
empatava a conversa à medida que fazia os exercícios abdominais do
yoga para retomar a respiração normal.
- Por acaso já… - confessou envergonhada
com a visão do vestido curto e revelador – Algumas roupas… e
este telemóvel.
- Ah, finalmente… é este o teu número?
- Sim… podes gravar, eu já gravei o teu.
- Nos favoritos? – perguntou mais animado.
- És o único nos contactos, e nos favoritos.
– a cara esquentou-lhe de tal forma que olhou em volta receosa de
que alguém notasse que estava encavacada.
- Acho bem. – reagiu brincalhão – Eu
também te vou gravar nos favoritos. Não és a única, desculpa, mas
a principal. – uma dormência boa invadia-lhe o peito, deixando-o
cada vez mais recuperado.
- Agora podes ligar-me sempre que quiseres. Se
te apetecer, claro. – apressou-se a acrescentar, envergonhada com a
sua insinuação.
- Nem sabes como me apetece… volta… -
disse-lhe ousado. Não queria mais fingir nada. Precisava de a ter,
bem perto de si, longe das incertezas e perigos.
- Também tenho uma surpresa para ti… -
sentia-se a escorregar pelo pequeno sofá do corredor, amolecida com
aquela voz sensual do outro lado do telefone.
- Volta… - pediu novamente.
- Tenho de ir. Daqui a uns dias já te posso
mostrar o que é. Mas agora a minha mãe vem aí. Liga-me.
- Quando estiveres sozinha no quarto manda-me
uma mensagem. Eu ligo.
- Beijos.
Isabel apressou-se a desligar o telefonema,
guardando o aparelho na mala, sentindo-se uma criminosa, a cometer
alguma ilegalidade. A cara fervia-lhe da excitação , há muito
tempo que não vivia aquelas emoções nem sentia borboletas na
barriga. Talvez fosse vestir a roupa ousada mais cedo que o que
imaginara. Isso era quase certo.
- Vamos?
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
Sem comentários:
Enviar um comentário