quinta-feira, 30 de agosto de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 11 (2ª parte)




Nélia entrou em casa de João uma hora antes que o horário normal da tia. Convencera-a a ficar na cama, depois de uma noite de febre e mau estar, comprometendo-se a substituí-la no seu trabalho, da forma mais discreta possível. A sua verdadeira intenção nem sequer era encontra-lo acordado, muito menos preparar-lhe o pequeno almoço, apenas tentar concluir a sua vingança. Ninguém tinha o direito de a tratar como uma prostituta, e se o plano de conseguir seduzir o psiquiatra já não seria viável, pelo menos ele não se ficaria a rir quando se recordasse daquela noite. Certificou-se de que João dormia, e tal como a tia a tinha informado, levaria bastante tempo a acordar, efeito das drogas que tomava. Despiu-se da cintura para cima e, com todo o cuidado, deitou-se ao seu lado, fotografando-os de várias perspetivas, sempre com o cuidado de não lhe tocar. Saiu do quarto rapidamente, vestiu-se no hall de entrada e saiu, fechando a porta. Agora era esperar pelo momento certo, pensou vitoriosa.


- Estou sim? – respondeu Adelaide, atendendo o telefone a pedido de Isabel, que temia que João ligasse de manhã a tentar desculpar-se.
- Bom dia, fala o Dr João Marques, liguei ontem para falar com a menina Isabel, ela está? – sentia-se nervoso, prestes a ter de engolir um comprimido para se acalmar.
- Ela não está… - disse Adelaide a corar com a mentira, com Isabel nas suas costas a força-la a enganar o pobre homem, que tinha uma voz tão triste.
- Quando ela chegar, poderia dizer-lhe que liguei? – sabia perfeitamente que Marta não o queria ouvir nos próximos dias. Mas não a deixaria esquecê-lo. Ligaria ao final do dia, depois novamente de manhã, e se começasse a perder a paciência, meter-se-ia no carro e bater-lhe-ia à porta.
- Com certeza, darei o recado, pode ficar descansado. Bom dia. – apressou-se a desligar, olhando duramente a sua menina. Não gostava de mentiras nem de lérias.
- Desculpa, Dazinha, mas não quero falar com ele. – explicou, abraçando-a, enquanto se encaminhavam para a cozinha para tomar o pequeno-almoço.
- Que disparate, sinceramente. Se já se viu, Isabelinha, andar a fugir do rapaz. Falas com ele, resolves as coisas e não me obrigas a mentir mais. – sentenciou, pouco convencida de que Isabel lhe fosse obedecer.
- Não me apetece. - amuou, fazendo beicinho sem se aperceber, como se ainda fosse criança.
- Café? – perguntou de forma prática, enchendo-lhe a caneca e olhando-a novamente com censura, sentando-se de seguida na sua frente. – Querida, tens 29 anos, quase 30, já não és nenhuma garota! Eu sei que me vais dizer que hoje em dia as mulheres não precisam de casar para serem felizes, sim, são todas muito independentes, eu já sei isso! – esbracejou dramaticamente - Mas, quando uma mulher gosta de um homem, e ele dela, acontece algo muito mais importante, nasce um par. E um par, como dizia a minha avó, são um mais um que dão dois, e um sem o outro não valem nada. Se já “emparelhaste” com este moço, não vais ficar bem sozinha. - levantou-se e saiu, para orientar a sua vida doméstica preenchida. Adelaide nunca tinha “emparelhado” com ninguém, desde muito nova que servia em casas de gente rica, ocupara-se sempre dos outros, sem lamentar o seu fado. Deus não a tinha feito para ter par, e Ele lá sabia o que fazia. Mas a Isabelinha era uma romântica, desde pequenina que falava de amor com os seus príncipes imaginários. Nunca seria feliz em número ímpar. Era uma vida difícil, solitária, que nem todas as pessoas conseguiam suportar. Todas as alegrias da vida, os sofrimentos, as dores, viviam-se no quarto e para as paredes. O cão Filipe era prova dessa dependência, era um substituto de uma companhia que Isabel precisava para ser feliz.
Adelaide não conhecia o tal Dr. João, mas conhecia a sua menina. Se ela não queria atender o telefone, algo se tinha passado, e o ciúme era o culpado. Podia apostar um dos seus cordões de ouro em como o problema era o orgulho “Fontes Pereira e Castro”.


Enviou-lhe mais uma mensagem, o telemóvel continuava desligado, mas a necessidade de comunicar com ela, nem que fosse em monólogo, obrigava-o a escrever. “Olá bom dia. Vou hoje tratar do resto da tua surpresa. Mesmo que não me queiras ver mais, espero que fique pronta até voltares. Beijos”. Engoliu em seco, maldisposto com a hipótese de ela se recusar a continuar a amizade dos dois. Só esperava que ligasse o telefone e lhe desse uma oportunidade de falarem, afinal, ele era Psiquiatra, tinha de ter maneira de a fazer ouvir, ou não…

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(imagem, internet)

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