quarta-feira, 29 de agosto de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 11 (1ª parte)




João entrou em casa cabisbaixo e ainda mais maldisposto do que antes. Arrastara-se até ao “Pírulas”, na tentativa de desanuviar um pouco, mas a conversa com o segurança do bar ainda o perturbou mais. Janota não tinha nascido em Castelo Branco, mas por coincidência sabia quem era a família de Isabel, toda a gente ligada à cidade em questão os conhecia, e as novidades não eram animadoras, constatou João. O julgamento de Tiago, o ex-marido de Isabel, tinha sido o maior escândalo de sempre naquela cidade, comentado em todo o lado. O pai dela, então Diretor do serviço de Medicina Legal do Hospital, estava em processo de candidatura às eleições para a Câmara Municipal, e tinha sido afastado do processo de recolha de provas periciais para a acusação, ficando a chefiar o departamento um antigo colega de Tiago, diziam as más línguas, que tratou de ajudar o amigo, sem sequer disfarçar. Isabel tinha sido considerada “doida”, com um processo vazio de factos, e histórias mirabolantes de crimes que nunca foram provados. Acabou internada por ordem do juiz, por seis meses, aconselhado pelas perícias psiquiátricas de um outro conhecido do ex-marido. Quando o advogado dela conseguiu anular aquela crueldade, já o prazo passara e Isabel havia voltado para casa. O pai dela, pressionado pelo partido, que não tinha outra hipótese de candidato com possibilidades de vencer a eleição, nunca intervira em todo o processo. Ficara a ver de fora, e segundo alguns familiares de Janota, fora o culpado de Isabel ter sido negligenciada em julgamento, um traste, segundo a sua tia. Janota ouvira várias conversas sobre o caso na altura, e recordava-se de ter ficado chocado com o provincianismo que ainda se vivia em certos locais do interior do país. Lamentou honestamente que Marta fosse Isabel, disponibilizando-se para a ajudar, se algum dia fosse preciso, odiava machistas, e se pudesse, mostraria ao tal Tiago qual era a sensação de levar uns murros de alguém maior que ele.

Tentou novamente ligar-lhe, mas o telemóvel continuava desligado, no voice mail, ainda sem mensagem de voz personalizada. Mandou-lhe uma mensagem de boa noite, juntamente com um desabafo “Mais uma vez, desculpa. Vou ligar-te todos os dias, até me ouvires. Se precisares de mim, liga. Não desapareças, por favor.”
Olhou longamente o aparelho, sentindo-se miserável e perdido. Como poderia aquilo estar a acontecer-lhe? Aquela maluca entrar-lhe pela casa a dentro, mesmo na hora em que Marta abria a guarda e começava a deixá-lo entrar?
Engoliu um comprimido para dormir e ficou a torturar-se com as duas fotos que ela lhe mandara ao jantar. Adorava-a, e não só porque era perfeita e bonita. Tinha qualquer coisa de familiar dentro dela, que o preenchia e descontraía. Não sabia explicar o quê. Ainda nem sequer a abraçara e já sentia mais paixão que nos primeiros tempos com a mulher, Isabel. Era estranho que tivessem o mesmo nome, até confuso e perturbador, pensava. As duas mulheres de que tinha gostado… Lamentou-se por não ter sido o homem perfeito para a primeira, com quem a dada altura travara batalhas inglórias sobre tudo e nada, como se fossem inimigos de sangue e ele precisasse de a vencer, recusando-se simplesmente a ceder e a fazer-lhe as vontades. Poderia ter tido um casamento mais feliz, sem dramas, feito um filho, mas nunca o conseguira com ela. Simplesmente recusara-se a ser seu, por inteiro, e tinha a certeza de que isso também a tinha matado. Gostava de um dia confessar tudo aquilo a César, libertar-se da sua eterna culpa conjugal, respirar fundo com a absolvição profissional do amigo, talvez acabasse a carta e lha entregasse, mais dia menos dia iria fazê-lo. Sentia que só assim poderia começar com Marta, Isabel, corrigiu, sem fantasmas ou angústias. Desta vez seria todo dela, da sua Isabel.

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(imagem, internet)

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