Elisabete contava como as
aulas de yoga lhe faziam imensa falta, um dia sem praticar e já se
sentia perra, explicando exaustivamente todas os benefícios que lhe
trouxera aquele exercício regular. Olhou João com curiosidade e
perguntou sem cerimónias:
- Não sentes falta da nossa professora?
- Ham? – a sua concentração estava nula,
olhando furtivamente o telemóvel na esperança de receber mais uma
notificação de mensagem, quando o som chegou e fê-lo corar como um
garoto. Abriu a mensagem o mais discretamente possível e não se
conteve, soltando alto e bom som – Cristo! – a cara passou de
corada a brasa incandescente, obrigando-se a beber um gole de água,
enquanto fechava o telemóvel a contragosto. Se não saísse dali
depressa pensariam que era maluco, ou mal educado. – Sim, claro.
Sinto falta das aulas… - respondeu depois de se desculpar pelo
grito.
- Estás muito interessado nesse telefone. –
gozou César, intrigado – Aconteceu alguma coisa de grave? –
perguntou a fazer-se de sonso.
- Não, não… desculpem. Um amigo mandou-me
uma mensagem. – disse, atrapalhando-se todo e respondendo
rapidamente “Tinoniiiiiiii”. Tratou de comer mais um pouco e
apressou-se a sair, inventando uma mentira sobre um pedido de ajuda
de um conhecido que ficara avariado no trânsito.
Dirigiu-se a casa o mais depressa que
conseguiu, queria ouvi-la e continuar a conversa num local sossegado,
sem testemunhas. Felizmente vivia bem perto de César e Elisabete, e
assim que fechou a porta de casa, largou tudo o que trazia nas mãos,
ficando apenas com o telemóvel e esticando-se no sofá, a sorrir
para o vazio. Isabel revelava-se, acabando com a distância
logística que havia criado entre os dois, e João começava a
entender porquê. A sua convivência com homens era mantida em
banho-maria desde que se separara do filho da puta do
ex-marido. Medo, sensatez, tudo aquilo era compreensível em alguém
que sofrera na pele o tipo de agressões que ela vivera. Tinha estado
sem ninguém, desejava João de forma egoísta e possessiva, à
espera dele. Carregou no botão do telemóvel e foi prontamente
atendido por uma voz arrastada e doce.
- Sim?
- Marta… não achas que já estás há muito
tempo debaixo de água? – perguntou, fugindo-lhe a imaginação
para Castelo Branco.
- Ainda nem me enrugaram os dedos… -
lamentou-se, esticando-se mais um pouco na água já quase fria.
- Vamos, sai lá da banheira. Espero que
tenhas levado uma toalha para perto de ti. Não te quero a andar por
aí toda despida. – E engoliu em seco com a imagem que se desenhava
nitidamente na sua mente, induzida pelas suas palavras.
- Mas que controlador… - gozou, erguendo-se
devagar – Pronto, eu saio, Filipe, passa-me a toalha!
- Esse cão não sabe a sorte que tem… -
lamentou-se.
- Sabe, sabe… Ele venera-me.
- Odeio-o. – rosnou brincalhão.
- Então? Como foi o resto do teu dia? –
perguntou Marta mudando de tema.
- Uma chatice, até há vinte minutos atrás.
– confessou naturalmente – Quando voltas?
- Ainda não sei.
- Eu quero a minha surpresa no meu dia de
anos. – ordenou, deitando-se de barriga para cima no sofá,
descontraído.
- Vou tentar. Irias gostar muito. – disse
misteriosa.
- Mais que as mensagens de hoje? – esperava
que sim.
- Acho que sim. Mas não sejas curioso. Não
me contaste a tua surpresa, eu não conto a minha.
- É justo. Quando voltas? – perguntou
metendo-se com ela novamente.
- Por mim ia agora, - confessou corando –
mas tenho compromissos aqui até sexta. – explicou.
- Amanhã o que fazes depois das 19h30? –
lançou meio receoso de que ela não o pudesse ou quisesse ver
enquanto estivesse em casa dos pais. Castelo Branco era perto,
poderia lá dar um salto e voltar depois do jantar.
- Ham? – não compreendia a pergunta.
- Se estiveres livre e quiseres, eu vou aí
ter e jantamos. – sugeriu, sentindo as mãos a suar de nervos.
- Mas vinhas até aqui de propósito só para
jantar? – perguntou surpreendida.
- Não ia aí “só para jantar”… ia para
jantar contigo. – explicou, com a garganta seca.
- Eu gost… - começava a responder quando a
campainha da porta de casa de João tocou, obrigando-o a interromper
a conversa.
- Espera só um minuto. – dirigiu-se à
porta, abrindo-a contrariado com aquela distração e ficando confuso
com a visita – Nélia?
- Olá querido! – ronronou Nélia, engolindo
o orgulho e sorrindo-lhe com algum escárnio – Acho que no sábado
deixei no teu quarto os meus brincos! – entrou sem ser convidada e
deu-lhe um beijo na bochecha, deixando-o perplexo à entrada de casa.
- Marta? – disse aflito para o telemóvel,
receoso de que ela tivesse ouvido.
- Sim? – respondeu engolindo uma porção de
saliva que lhe soube a fel.
- Desculpa, eu já te ligo. – apressou-se a
dizer, nervoso com o tom de voz dela e consequente silêncio. –
Ouviste? – perguntou ansioso.
- Sim, claro. Beijos. – desligou o telefone
e largou-o para cima da cama. Mas seria possível que só acertava
em homens com defeitos? Filipe sentiu a sua tristeza e saltou para o
seu lado, enroscando-se nela. – Só tu é que não me desiludes.
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(imagem, internet)
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