segunda-feira, 27 de agosto de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 10 (3ª parte)




Elisabete contava como as aulas de yoga lhe faziam imensa falta, um dia sem praticar e já se sentia perra, explicando exaustivamente todas os benefícios que lhe trouxera aquele exercício regular. Olhou João com curiosidade e perguntou sem cerimónias:
- Não sentes falta da nossa professora?
- Ham? – a sua concentração estava nula, olhando furtivamente o telemóvel na esperança de receber mais uma notificação de mensagem, quando o som chegou e fê-lo corar como um garoto. Abriu a mensagem o mais discretamente possível e não se conteve, soltando alto e bom som – Cristo! – a cara passou de corada a brasa incandescente, obrigando-se a beber um gole de água, enquanto fechava o telemóvel a contragosto. Se não saísse dali depressa pensariam que era maluco, ou mal educado. – Sim, claro. Sinto falta das aulas… - respondeu depois de se desculpar pelo grito.
- Estás muito interessado nesse telefone. – gozou César, intrigado – Aconteceu alguma coisa de grave? – perguntou a fazer-se de sonso.
- Não, não… desculpem. Um amigo mandou-me uma mensagem. – disse, atrapalhando-se todo e respondendo rapidamente “Tinoniiiiiiii”. Tratou de comer mais um pouco e apressou-se a sair, inventando uma mentira sobre um pedido de ajuda de um conhecido que ficara avariado no trânsito.

Dirigiu-se a casa o mais depressa que conseguiu, queria ouvi-la e continuar a conversa num local sossegado, sem testemunhas. Felizmente vivia bem perto de César e Elisabete, e assim que fechou a porta de casa, largou tudo o que trazia nas mãos, ficando apenas com o telemóvel e esticando-se no sofá, a sorrir para o vazio. Isabel revelava-se, acabando com a distância logística que havia criado entre os dois, e João começava a entender porquê. A sua convivência com homens era mantida em banho-maria desde que se separara do filho da puta do ex-marido. Medo, sensatez, tudo aquilo era compreensível em alguém que sofrera na pele o tipo de agressões que ela vivera. Tinha estado sem ninguém, desejava João de forma egoísta e possessiva, à espera dele. Carregou no botão do telemóvel e foi prontamente atendido por uma voz arrastada e doce.
- Sim?
- Marta… não achas que já estás há muito tempo debaixo de água? – perguntou, fugindo-lhe a imaginação para Castelo Branco.
- Ainda nem me enrugaram os dedos… - lamentou-se, esticando-se mais um pouco na água já quase fria.
- Vamos, sai lá da banheira. Espero que tenhas levado uma toalha para perto de ti. Não te quero a andar por aí toda despida. – E engoliu em seco com a imagem que se desenhava nitidamente na sua mente, induzida pelas suas palavras.
- Mas que controlador… - gozou, erguendo-se devagar – Pronto, eu saio, Filipe, passa-me a toalha!
- Esse cão não sabe a sorte que tem… - lamentou-se.
- Sabe, sabe… Ele venera-me.
- Odeio-o. – rosnou brincalhão.
- Então? Como foi o resto do teu dia? – perguntou Marta mudando de tema.
- Uma chatice, até há vinte minutos atrás. – confessou naturalmente – Quando voltas?
- Ainda não sei.
- Eu quero a minha surpresa no meu dia de anos. – ordenou, deitando-se de barriga para cima no sofá, descontraído.
- Vou tentar. Irias gostar muito. – disse misteriosa.
- Mais que as mensagens de hoje? – esperava que sim.
- Acho que sim. Mas não sejas curioso. Não me contaste a tua surpresa, eu não conto a minha.
- É justo. Quando voltas? – perguntou metendo-se com ela novamente.
- Por mim ia agora, - confessou corando – mas tenho compromissos aqui até sexta. – explicou.
- Amanhã o que fazes depois das 19h30? – lançou meio receoso de que ela não o pudesse ou quisesse ver enquanto estivesse em casa dos pais. Castelo Branco era perto, poderia lá dar um salto e voltar depois do jantar.
- Ham? – não compreendia a pergunta.
- Se estiveres livre e quiseres, eu vou aí ter e jantamos. – sugeriu, sentindo as mãos a suar de nervos.
- Mas vinhas até aqui de propósito só para jantar? – perguntou surpreendida.
- Não ia aí “só para jantar”… ia para jantar contigo. – explicou, com a garganta seca.
- Eu gost… - começava a responder quando a campainha da porta de casa de João tocou, obrigando-o a interromper a conversa.
- Espera só um minuto. – dirigiu-se à porta, abrindo-a contrariado com aquela distração e ficando confuso com a visita – Nélia?
- Olá querido! – ronronou Nélia, engolindo o orgulho e sorrindo-lhe com algum escárnio – Acho que no sábado deixei no teu quarto os meus brincos! – entrou sem ser convidada e deu-lhe um beijo na bochecha, deixando-o perplexo à entrada de casa.
- Marta? – disse aflito para o telemóvel, receoso de que ela tivesse ouvido.
- Sim? – respondeu engolindo uma porção de saliva que lhe soube a fel.
- Desculpa, eu já te ligo. – apressou-se a dizer, nervoso com o tom de voz dela e consequente silêncio. – Ouviste? – perguntou ansioso.
- Sim, claro. Beijos. – desligou o telefone e largou-o para cima da cama. Mas seria possível que só acertava em homens com defeitos? Filipe sentiu a sua tristeza e saltou para o seu lado, enroscando-se nela. – Só tu é que não me desiludes.

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(imagem, internet)

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