sexta-feira, 31 de agosto de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 11 (3ª parte)




- Estou grávida… - tremiam-lhe as mãos, nervosa com aquela descoberta. – Grávida? – Tiago sorriu com a boca, sem modificar o olhar, parecendo feliz com aquele contratempo na vida de dois jovens universitários – Abraçou-a, como se toda a vida tivesse esperado por aquele filho, libertando um pouco Isabel da sua ansiedade e culpa. – E agora? O que vamos fazer? – perguntou-lhe, mais animada com a solidariedade do namorado. – Casamos! – um arrepio percorreu-a, sem perceber porquê, mas ter um filho solteira seria impraticável na sua família, e não se sentia com coragem para abortar. – Temos de falar com os meus pais… - informou-o, tentando sorrir com a perspectiva de futuro tão diferente do que tinha imaginado. – Claro, hoje vou lá e falamos. Agora tenho de ir. – beijou-a rapidamente e dirigiu-se para a sua próxima aula. Isabel ficou a olhá-lo, angustiada, Tiago era seu namorado há alguns anos, tinha sido o seu primeiro homem, mas se lhe pedisse casamento depois de terminarem os cursos, sem filhos pelo meio, tinha a certeza de que diria que não, pelo menos num primeiro impulso.”



- Isabelinha! – Mariana chamou a filha, que olhava para fora da janela absorta com os seus pensamentos.
- Sim, mãe.
- A Adelaide disse-me que o tal Psiquiatra tem ligado todos os dias e que tu não atendes… Mas afinal o que se anda a passar? – perguntou preocupada.
- Sim, ele tem telefonado, mas eu não tenho a certeza do que quero. – confessou.
- És capaz de me traduzir isso em miúdos? – ironizou, já a perder a paciência com a atitude instrospectiva da filha desde o início da semana.
- Quando voltámos de Cáceres eu estive ao telemóvel com ele, - começou a explicar, sem jeito – mas depois uma mulher qualquer bateu-lhe à porta e disse umas coisas… olhe, não se mace com isso. Acho que os homens são todos iguais, não vale a pena…
- Mas o que foi que ela disse? – insistiu sem dar hipótese.
- Disse que tinha lá deixado “no sábado” os brincos… - sussurrou deprimida – Entende? É uma mulher qualquer que tem intimidade para lá ir bater à porta reaver objetos pessoais ao quarto dele. Não é preciso pensar muito para descobrir o que estiveram os dois a fazer…
- Mas vocês namoram? – perguntou escandalizada.
- Não, somos amigos.
- Amigos? Mas porquê só amigos?
- Porque quando o conheci e ele me veio pedir aulas de yoga inventei uma mentira para ele não ficar com ideias sobre nós dois, para me prevenir de avanços da sua parte. – disse corando – Não queria envolver-me com ninguém e manter a coisa profissional.
- E o que foi que lhe disseste? – perguntou cada vez mais confusa.
- Que… - sentia-se escarlate com aquele interrogatório - … era lésbica. – disse quase em surdina.
- Ó meu Santo Agostinho! – exclamou horrorizada com aquelas ideias malucas da filha. – Mas que disparate. Já estou a ver tudo! O rapaz anda apaixonado, não o pode dizer, porque tu inventaste uma mentira horrorosa dessas, e tu agora também gostas dele e não sabes como resolver a questão! – bradou à filha que se encolheu com o tom de desagrado da mãe.
- Pois, é mais ou menos isso… Mas ele não deve gostar de mim como eu dele! – reagiu – Se leva mulheres para dormir com ele, depois de estar comigo… E sinceramente, eu não quero problemas nem desilusões, quero voltar a viver em paz, como estava antes de ele aparecer.
- Mas Isabelinha, o rapaz telefona cá para casa duas vezes por dia, leva sempre uma tampa da Adelaide, que já anda furiosa contigo porque diz que ele é um querido e tem pena do rapaz, se não te quisesse bem, ia ter com a tal outra dos brincos e não se andava a envergonhar. Se ligares o telemóvel, vais ver as chamadas perdidas que lá tens… O que é que queres mais? Pelo menos ouve o que ele tem a dizer, caramba. E se é tudo um mal entendido? Já pensaste nisso? Andas aí emburrada, quase nem comes, e podes estar a ser injusta!
- Pode ser… - comentou, pouco convencida. Sentia-se especialmente miserável porque João fazia anos naquele dia, e tinha-lhe pedido que ela voltasse nessa data, antes da “Nélia”. Mas o fel que sentia quando pensava naquele nome terrível e feio tirava-lhe a coragem para fazer o que o seu coração pedia.
- Liga o telemóvel, porque se ele telefona mais uma vez sequer aqui para casa, fica ciente de que sou eu que vou falar com ele, e esclareço essa história da mulher! – ameaçou-a, enquanto se afastava possessa com a atitude da filha.
- Não teria coragem… - sabia que sim, que a mãe seria senhora para o fazer. Encaminhou-se para o quarto, ligou o telemóvel e sentou-se na beira da cama com o olhar de Filipe a suplicar-lhe que lhe telefonasse. – És um traidor… Se te dessem a escolher ficavas a viver com ele, não é? – reclamou com o cão.
O aparelho ligou, e uns segundos depois, dezenas de mensagens entravam para a caixa, duas e três por dia, constatou, bem como outras tantas chamadas perdidas. Abriu as mensagens de texto primeiro, uma a uma, lendo-as com a barriga a dar um nó. Ele era terrivelmente romântico e espirituoso, e parecia não querer desistir dela, o que a comoveu. Era preciso ser muito teimoso e auto-confiante para lidar daquela forma com o silêncio dela durante aquela semana de amuo. Leonino duma figa… lamentou-se, bufando de frustração perante a insistência em conversar. Desligou novamente o aparelho e começou a reunir as suas coisas. Se ele queria falar, então ela iria ouvi-lo, mas pessoalmente, e vestida com o conjunto preto. Nada de Marta hippie e boazinha, quem o iria enfrentar seria a Isabel. Preparou um banho, a roupa, organizou tudo para sair depois da hora de jantar em direção a Coimbra, mais concretamente, ao “Pírulas”. Chegaria lá a uma hora mais que perfeita para surpreender um aniversariante mulherengo, já teria bebido um pouco, deveria estar animado, com mulheres ao colo, a fazerem-lhe a festa! Ela entraria de pernas à mostra e acabaria ali o problema, pedir-lhe-ia que não voltasse à sua casa, nem a procurasse para aulas, individuais ou de grupo. Com toda a certeza que ele desistiria de a perturbar. Depois, antes de sair do bar vitoriosa, dar-lhe-ia a sua prenda de anos, um livro de Sexo Tântrico de nível avançado, para ele aprender! E que lhe fizesse bom proveito!
Terminou a sua maquilhagem, pegou nas malas e desceu, cheia de ânimo, deixando todos de boca aberta e ligeiramente aparvalhados com a ida repentina para Coimbra, a uma hora daquelas.
- Mas Isabelinha, não podes voltar só amanhã, durante o dia? – suplicou a mãe, a sentir-se culpada pela decisão drástica da filha depois do discurso de defesa do rapaz de Coimbra.
- Ele hoje faz anos. Tenho uma prenda para lhe entregar. – explicou, beijando-a em jeito de despedida. – Eu volto no próximo mês, prometo! Abraçou Adelaide, que ficara em choque com a ida repentina de Isabel, e pediu que se despedisse por ela do pai, que ainda não chegara da Assembleia Municipal.
- Vai com cuidado… - pediram as duas mulheres, dizendo adeus da porta.
- Eu já tenho telemóvel! – disse-lhes a sorrir, entrando no jipe.
- Não nos deste o teu número… - reclamou Mariana, já ela tinha arrancado.

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(imagem, internet)

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