João conduziu devagar
pela cidade, procurando organizar as ideias. Dizia a si mesmo que
tudo aquilo que descobria era passado, um acontecimento terrível na
vida de Marta, Isabel, corrigiu, mas passado. Ela reconstruira a sua
vida, recriara-se, e vivia em paz atualmente, estava livre para
seguir em frente, e João não a deixaria ir sozinha a partir dali,
decidiu. Não gostava tanto de alguém desde que namorara com Isabel,
e mesmo assim, desta vez era diferente, mais forte, se isso fosse
possível. A mulher tinha sido a sua grande Paixão, este era
definitivamente o seu Amor.
Dirigiu-se a casa dela, tinha de se certificar
de que as obras já tinham começado. Queria que ela chegasse e
pudesse ligar uma torneira da água quente. Esse era o seu objetivo
até ao final da semana. Não via a hora de ver a sua reação ao
perceber que nunca mais teria de lavar nada à mão, nem carregar
água pela casa. Queria-a ver feliz.
- Filipe, meu amorzinho… -
abraçou o cão com carinho, aliviada ao vê-lo são e salvo.
- Não te sujes toda de pelos de cão, Isabel!
– ralhou a mãe aborrecida ao vê-la de gatas a beijar o animal.
- Vou tomar banho. – endireitou-se, deu um
beijo na mãe e abraçou-a – Obrigada pelo dia maravilhoso. Vou
guardar as minhas roupas novas na mala e dormir. – disse, mentindo
relativamente ao dormir. Estava demasiado excitada para sequer
considerar dormitar, quanto mais. Levou Filipe consigo, que saltitava
sentindo a animação interior da dona. Entrou no quarto e
trancou-se. Queria privacidade total, sem interrupções. Poisou tudo
na cama e apressou-se a fazer um banho de espuma digno de uma estrela
de cinema. Descontrairia um pouco antes de mandar o sms a João,
pensou, precisava de pensar antes, como lhe diria tudo aquilo que
estava a sentir, o que queria fazer dali em diante. Despiu-se, mas
hesitou antes de entrar na banheira. Correu a pegar o telemóvel e
levou-o consigo. Uma ideia ousada e maluca passou-lhe pela cabeça,
não sabia se teria coragem de o fazer, mas sentia-se especialmente
excitada. Mergulhou o corpo na água quente e perfumada, ajeitou a
espuma convenientemente e fez uma série de fotos das suas pernas, em
diferentes perspectivas, e posições trabalhadas. Queria conseguir
uma imagem sugestiva o suficiente, mas não ordinária. Utilizou
todos os filtros de edição de fotos disponíveis, ganhando cada vez
mais coragem para o fazer, tal era o resultado cinematográfico que
obtinha. Sabia que ao concretizar a sua ideia erótica já não
haveria volta a dar, acabaria ali, naquela noite, a parvoíce do
lesbianismo fictício. Estava apaixonada, e como lhe tinha dito a
mãe, já se haviam passado cinco anos. Mesmo que Tiago ainda a
ensombrasse mentalmente, tinha todo o direito de ser feliz, ou
tentar, na pior das hipóteses. Era-lhe claro que João também se
sentia atraído por ela, porquê adiar a felicidade que se
adivinhava?
João sentava-se à mesa para jantar em casa
de César e Elisabete, quando o telemóvel deu sinal de mensagem.
Esperara eternidades em casa pelo sinal de “Marta” para
continuarem a conversa, mas talvez ela ainda andasse a passear com a
mãe por Espanha, concluiu, desistindo de aguardar. Teriam a noite
toda para falar, se fosse preciso, queria muito dizer-lhe que não
acreditava que ela não gostasse dele, esclarecer tudo, sem denunciar
que já sabia parte da verdade sobre o seu passado, e tentar fazê-la
contar o que se tinha passado.
Serviu-se de vinho, descontraidamente, e
levava o copo à boca, quando abriu a mensagem dela e um soluço de
espanto o fez engasgar-se e cuspir todo o líquido
descontroladamente, sujando a superfície à sua frente, bem como a
sua camisa branca.
- Querido? Estás bem? – Elisabete perguntou
assustada.
- Hum, hum… - conseguiu dizer, tossindo o
vinho que o entupira. Limpou-se o melhor que conseguiu, sentindo-se a
corar com a ideia de estar em frente a dois amigos e a ver as pernas
maravilhosas de “Marta” numa banheira de espuma, com a legenda “E
deste tipo de pernas? Gostas?”. – Engasguei-me… Foi-me pro
goto!
- Bebe um bocadinho de água… - sugeriu
preocupada.
- Eu estou bem… - grunhiu com a voz rouca da
irritação na garganta.
- E dizias tu há pouco que a tua paciente
Sara já te pareceu mais animada? Eu tratei o filho mais velho aqui
há uns anos, - explicava César sem dar importância ao ataque de
tosse do amigo – era uma peste. O garoto era manipulador e
ligeiramente cínico. Inventava cada coisa para conseguir o que
queria…
- Hum, hum… - João queria muito disfarçar
a sua excitação com a imagem que tinha no telemóvel, mas a
conversa com os amigos iria ser demasiado difícil de acompanhar.
Pediu licença para se ir recompor e fugiu para
a casa de banho, queria cinco minutos de privacidade para pensar o
que lhe iria responder. Sentou-se na sanita fechada e olhou
demoradamente a mensagem, com um sorriso apatetado no rosto. Se
apenas umas pernas o deixavam assim, o que seria quando e se visse o
resto… Escreveu várias hipóteses de resposta, mas todas lhe
pareciam fúteis, ordinárias, rascas, era impossível dizer fosse o
que fosse depois daquele choque, concluiu. Por fim concordou consigo
mesmo, e remeteu-se a um “queres matar-me?!?!”. Esperava que ela
entendesse o sentido de humor, escrever era sempre ingrato. Cada um
lia com a entoação que a sua mente pretendia.
Voltou para a mesa e tentou dar atenção ao
casal, e engolir alguma coisa do jantar caprichado de Elisabete. A
sua fome era outra, e muito mais primitiva.
Isabel riu-se durante bastante tempo, como uma
miúda histérica, sob o olhar surpreso do cão que nunca a tinha
visto a mandar mensagens, e parecia não entender a que ou quem ela
reagia daquela forma. O seu peito parecia rebentar de emoção, tinha
sido corajosa ao enviar a foto, pensava, continuando debaixo de água,
preguiçosa. Mas não ia parar por ali, decidiu. Iria provoca-lo até
ele considerar meter-se no carro e conduzir até Castelo Branco.
Claro que isso não poderia acontecer, mas saber que estava em sofrimento
físico seria uma delícia. Aquilo era o melhor sexo tântrico que
ela conhecia, a prolongação do desejo no imaginário.
Tinha uma ideia para outra foto, e tratou de
caprichar na água, colocando ainda mais sais de banho e duplicando a
quantidade de espuma. Colocou em câmara frontal o aparelho e
fotografou-se várias vezes, sem mostrar a totalidade do rosto, se
alguém que não eles os dois algum dia visse aquilo não
conseguiria identificar a mulher assanhada que ali estava registada
para todo o sempre. E a Marta nunca faria uma coisa daquelas, era
demasiado envergonhada. A Isabel já era outra história… Conseguiu
apanhar-se sugestivamente, quase totalmente nua, apenas com espuma
“cirurgicamente” colocada nos pontos chave, e enviou sem
remorsos, soltando novas gargalhadas com a legenda “Se sentires
picadas no braço esquerdo, por favor, chama o INEM. És muito novo
para morrer”.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
Sem comentários:
Enviar um comentário