sexta-feira, 24 de agosto de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 10 (2ª parte)




João conduziu devagar pela cidade, procurando organizar as ideias. Dizia a si mesmo que tudo aquilo que descobria era passado, um acontecimento terrível na vida de Marta, Isabel, corrigiu, mas passado. Ela reconstruira a sua vida, recriara-se, e vivia em paz atualmente, estava livre para seguir em frente, e João não a deixaria ir sozinha a partir dali, decidiu. Não gostava tanto de alguém desde que namorara com Isabel, e mesmo assim, desta vez era diferente, mais forte, se isso fosse possível. A mulher tinha sido a sua grande Paixão, este era definitivamente o seu Amor.
Dirigiu-se a casa dela, tinha de se certificar de que as obras já tinham começado. Queria que ela chegasse e pudesse ligar uma torneira da água quente. Esse era o seu objetivo até ao final da semana. Não via a hora de ver a sua reação ao perceber que nunca mais teria de lavar nada à mão, nem carregar água pela casa. Queria-a ver feliz.
- Filipe, meu amorzinho… - abraçou o cão com carinho, aliviada ao vê-lo são e salvo.
- Não te sujes toda de pelos de cão, Isabel! – ralhou a mãe aborrecida ao vê-la de gatas a beijar o animal.
- Vou tomar banho. – endireitou-se, deu um beijo na mãe e abraçou-a – Obrigada pelo dia maravilhoso. Vou guardar as minhas roupas novas na mala e dormir. – disse, mentindo relativamente ao dormir. Estava demasiado excitada para sequer considerar dormitar, quanto mais. Levou Filipe consigo, que saltitava sentindo a animação interior da dona. Entrou no quarto e trancou-se. Queria privacidade total, sem interrupções. Poisou tudo na cama e apressou-se a fazer um banho de espuma digno de uma estrela de cinema. Descontrairia um pouco antes de mandar o sms a João, pensou, precisava de pensar antes, como lhe diria tudo aquilo que estava a sentir, o que queria fazer dali em diante. Despiu-se, mas hesitou antes de entrar na banheira. Correu a pegar o telemóvel e levou-o consigo. Uma ideia ousada e maluca passou-lhe pela cabeça, não sabia se teria coragem de o fazer, mas sentia-se especialmente excitada. Mergulhou o corpo na água quente e perfumada, ajeitou a espuma convenientemente e fez uma série de fotos das suas pernas, em diferentes perspectivas, e posições trabalhadas. Queria conseguir uma imagem sugestiva o suficiente, mas não ordinária. Utilizou todos os filtros de edição de fotos disponíveis, ganhando cada vez mais coragem para o fazer, tal era o resultado cinematográfico que obtinha. Sabia que ao concretizar a sua ideia erótica já não haveria volta a dar, acabaria ali, naquela noite, a parvoíce do lesbianismo fictício. Estava apaixonada, e como lhe tinha dito a mãe, já se haviam passado cinco anos. Mesmo que Tiago ainda a ensombrasse mentalmente, tinha todo o direito de ser feliz, ou tentar, na pior das hipóteses. Era-lhe claro que João também se sentia atraído por ela, porquê adiar a felicidade que se adivinhava?

João sentava-se à mesa para jantar em casa de César e Elisabete, quando o telemóvel deu sinal de mensagem. Esperara eternidades em casa pelo sinal de “Marta” para continuarem a conversa, mas talvez ela ainda andasse a passear com a mãe por Espanha, concluiu, desistindo de aguardar. Teriam a noite toda para falar, se fosse preciso, queria muito dizer-lhe que não acreditava que ela não gostasse dele, esclarecer tudo, sem denunciar que já sabia parte da verdade sobre o seu passado, e tentar fazê-la contar o que se tinha passado.
Serviu-se de vinho, descontraidamente, e levava o copo à boca, quando abriu a mensagem dela e um soluço de espanto o fez engasgar-se e cuspir todo o líquido descontroladamente, sujando a superfície à sua frente, bem como a sua camisa branca.
- Querido? Estás bem? – Elisabete perguntou assustada.
- Hum, hum… - conseguiu dizer, tossindo o vinho que o entupira. Limpou-se o melhor que conseguiu, sentindo-se a corar com a ideia de estar em frente a dois amigos e a ver as pernas maravilhosas de “Marta” numa banheira de espuma, com a legenda “E deste tipo de pernas? Gostas?”. – Engasguei-me… Foi-me pro goto!
- Bebe um bocadinho de água… - sugeriu preocupada.
- Eu estou bem… - grunhiu com a voz rouca da irritação na garganta.
- E dizias tu há pouco que a tua paciente Sara já te pareceu mais animada? Eu tratei o filho mais velho aqui há uns anos, - explicava César sem dar importância ao ataque de tosse do amigo – era uma peste. O garoto era manipulador e ligeiramente cínico. Inventava cada coisa para conseguir o que queria…
- Hum, hum… - João queria muito disfarçar a sua excitação com a imagem que tinha no telemóvel, mas a conversa com os amigos iria ser demasiado difícil de acompanhar.
Pediu licença para se ir recompor e fugiu para a casa de banho, queria cinco minutos de privacidade para pensar o que lhe iria responder. Sentou-se na sanita fechada e olhou demoradamente a mensagem, com um sorriso apatetado no rosto. Se apenas umas pernas o deixavam assim, o que seria quando e se visse o resto… Escreveu várias hipóteses de resposta, mas todas lhe pareciam fúteis, ordinárias, rascas, era impossível dizer fosse o que fosse depois daquele choque, concluiu. Por fim concordou consigo mesmo, e remeteu-se a um “queres matar-me?!?!”. Esperava que ela entendesse o sentido de humor, escrever era sempre ingrato. Cada um lia com a entoação que a sua mente pretendia.
Voltou para a mesa e tentou dar atenção ao casal, e engolir alguma coisa do jantar caprichado de Elisabete. A sua fome era outra, e muito mais primitiva.

Isabel riu-se durante bastante tempo, como uma miúda histérica, sob o olhar surpreso do cão que nunca a tinha visto a mandar mensagens, e parecia não entender a que ou quem ela reagia daquela forma. O seu peito parecia rebentar de emoção, tinha sido corajosa ao enviar a foto, pensava, continuando debaixo de água, preguiçosa. Mas não ia parar por ali, decidiu. Iria provoca-lo até ele considerar meter-se no carro e conduzir até Castelo Branco. Claro que isso não poderia acontecer, mas saber que estava em sofrimento físico seria uma delícia. Aquilo era o melhor sexo tântrico que ela conhecia, a prolongação do desejo no imaginário.
Tinha uma ideia para outra foto, e tratou de caprichar na água, colocando ainda mais sais de banho e duplicando a quantidade de espuma. Colocou em câmara frontal o aparelho e fotografou-se várias vezes, sem mostrar a totalidade do rosto, se alguém que não eles os dois algum dia visse aquilo não conseguiria identificar a mulher assanhada que ali estava registada para todo o sempre. E a Marta nunca faria uma coisa daquelas, era demasiado envergonhada. A Isabel já era outra história… Conseguiu apanhar-se sugestivamente, quase totalmente nua, apenas com espuma “cirurgicamente” colocada nos pontos chave, e enviou sem remorsos, soltando novas gargalhadas com a legenda “Se sentires picadas no braço esquerdo, por favor, chama o INEM. És muito novo para morrer”.

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(imagem, internet)

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