Salvador esforçava-se por animar João,
enchendo-lhe o copo gratuitamente e sugerindo-lhe diversas opções
de mulheres que por ali andavam. Qualquer uma delas gostaria de
receber a atenção de um aniversariante solitário, carente e
bonito, gozara-o, já prestes a desistir. Nélia surgiu à entrada da
sala, espampanante e vistosa e Salvador agradeceu aos céus aquela
aparição, talvez ela conseguisse animá-lo, pensou, sem saber dos
acontecimentos de segunda-feira.
-
Olha, chegou a tua amiga! – disse-lhe entusiasmado.
-
Onde? – voltou-se prontamente, a pensar que era de Marta que ele
falava, ficando automaticamente furioso ao ver Nélia a sorrir-lhe
descarada. – Eh pá, não chames a gaja. Não me apetece bater em
mulheres. – ameaçou, voltando-se novamente para o balcão e para a
sua bebida.
-
Estou a ver que correu mal a saída no sábado… olha, mas ela vem
aí! – avisou-o - Não faças cenas! Olá! Uma bebida por conta da
casa, aqui em homenagem ao aniversariante?
-
Olá! Então parabéns! – disse-lhe animada, contente por vê-lo
tão abatido no seu dia de anos.
João
não lhe respondeu, ignorando-a propositadamente, bebendo um gole da
sua bebida para se acalmar, detestava mulheres oferecidas e cínicas,
e aquela em particular, odiava-a. Olhou Salvador com censura e
levantava-se, quando Nélia lhe agarrou por um braço e se adiantou à
capacidade de reação de João, dando-lhe um beijo rápido nos
lábios, satisfeita.
-
A minha prenda! – explicou, soltando-o.
-
Mau timing… - disse Salvador, que olhava Marta à entrada da sala a
olhá-los sem expressão definida no rosto, enquanto parecia
conversar com Janota.
João
empalideceu, desorientado com aquela coincidência cruel, ficando
hipnotizado a observar Marta ao longe. Estava deslumbrante,
completamente diferente do habitual, e sorria para o Janota, que lhe
punha a mão nas costas, animado com alguma coisa que ela lhe
dissera. Os pés estavam colados ao chão, presos por alguma força
maquiavélica, que o impedia de a ir abraçar e arrancar de perto
daquele gigante atrevido. Marta deu dois beijos no segurança e
avançou na direção dele, sem revelar o que sentia, deixando-o cada
vez mais ansioso.
-
Olá! – cumprimentou os três, João, Salvador e Nélia. –
Parabéns! – inclinou-se para o cumprimentar e ele abraçou-a
automaticamente, deixando-a amolecida.
-
Tudo bem Marta? – perguntou Salvador tentando acabar com aquele
silêncio incomodativo.
Soltou-se
do abraço e tratou de esclarecer quem era aquela mulher que o
beijava na boca.
-
Tudo bem. – respondeu-lhe sorridente. Esticou a mão para se
apresentar à mulher, que lhe retribuiu o gesto. – Marta, a irmã
do João. – disparou, sem perceber de onde lhe surgira aquilo.
-
Olá, Nélia. Amiga do João. – explicou satisfeita.
João
agarrou no braço de Marta e puxou-a dali perdido de raiva com
aquela sequência de acontecimentos lunáticos.
-
Irmã? – perguntou-lhe alterado, assim que chegaram a um canto
isolado do bar.
-
Beijos na boca? – berrou-lhe de volta Marta, espetando-lhe o
indicador acusatório.
-
A tipa é doida. Eu estava a levantar-me dali para a evitar e ela
espetou-me um chocho. – explicou, chegando-se mais perto dela,
enfeitiçado com a beleza dela.
-
Sim, e também dormiu contigo no sábado sem tu quereres, agarrou-te,
coitadinho. – ironizou, afastando-se dele.
-
Não… - engoliu em seco – Mas foi um erro, não sei o que me deu…
- sabia, mas seria pouco educado dizer-lhe que tinha pensado nela o
tempo todo, teria certamente o efeito contrário ao desejado – Mas
não há nada entre mim e ela.
-
Apenas sexo.
-
Não, houve sexo. Já não vai haver mais. – exclamou.
-
Tudo bem. – suspirou enervada com aquela discussão inútil – Só
cá vim para te dar os parabéns e a tua prenda de anos. Não quero
saber com que dormes. – mentiu, sentindo-se prestes a chorar. Não
tinha sido aquele desfecho que tinha imaginado durante a viagem.
-
Queres saber sim. E eu não durmo com ninguém. – puxou-a na sua
direção, abraçando-a com força, sentindo todo o seu corpo
delicado esborrachado no seu.
-
Solta-me… - suplicou-lhe com a voz fraca. Queria abraçá-lo de
volta, retribuir aquela necessidade de o ter, mas aquela bisca
olhava-os demasiado curiosa para quem era uma companhia esporádica
de uma noite.
-
Não… Abraça-me. - ordenou-a – Senão beijo-te aqui à força.
-
A tua amiga está a olhar… e os irmãos não se beijam na boca. –
disse-lhe já a derreter nos seus braços.
-
Quem disse que te ia beijar na boca? – brincou ele, mais animado
com o efeito positivo do seu abraço.
-
Quer dizer, a ela, podes dar beijos na boc.. – começou a ralhar,
quando ele a silenciou beijando-a com paixão, elevando-a do chão,
em êxtase.
Marta pensou que fosse desmaiar, nunca tinha sido beijada daquela maneira,
como se tudo dependesse daquele momento. Sentia a cabeça a rodopiar,
quando João a poisou no chão, as pernas pareciam não obedecer,
moles e sem estabilidade. O que tinha acontecido ali, perguntava-se
confusa. Ele não a largou, continuando a abraçá-la, e olharam-se
durante uns segundos, meio embasbacados com o que sentiam.
-
Bolas… - disse João, ainda ofegante – Beijas bem. – brincou,
sentindo-se com as pernas frouxas, dormentes.
-
Tenho de ir. – mais um beijo daqueles e teria um aneurisma, pensou
divertida, mas se não fosse embora naquele momento iriam precipitar
tudo. Não eram crianças, mas Marta não queria pôr a carroça à
frente dos bois. Gostava demasiado dele para banalizar as coisas.
-
Mas… já? – estava confuso, agora que a tinha conseguido beijar,
quebrando o escudo que ela lhe levantara desde o primeiro dia, queria
ir embora?
-
Sim, tenho o Filipe no carro, deve estar em pânico com o movimento
da noite. Ele tem medo do escuro… - confessou, angustiada com o
olhar de desalento dele. Ela tinha de lhe mostrar que não era mais
uma Nélia. Queria que ele fosse seu, mas não numa ou duas noites.
-
Tudo bem, queres que vá contigo?
-
Podes levar-me até ao carro? Tenho lá a tua prenda. – disse-lhe,
deixando-o ainda mais desiludido.
-
Claro. – respondeu sem jeito. O que João queria era repetir aquele
beijo, de preferência pela noite dentro, não receber uma prenda…
mas não iria pressioná-la, afinal, a assombração da Nélia ainda
por ali pairava, e poderia regressar para estragar tudo novamente.
(direitos reservados, afsr)
(imagem, internet)
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