segunda-feira, 3 de setembro de 2018

"A Mala Vermelha" - Cap 11 (4ª parte)





Salvador esforçava-se por animar João, enchendo-lhe o copo gratuitamente e sugerindo-lhe diversas opções de mulheres que por ali andavam. Qualquer uma delas gostaria de receber a atenção de um aniversariante solitário, carente e bonito, gozara-o, já prestes a desistir. Nélia surgiu à entrada da sala, espampanante e vistosa e Salvador agradeceu aos céus aquela aparição, talvez ela conseguisse animá-lo, pensou, sem saber dos acontecimentos de segunda-feira.
- Olha, chegou a tua amiga! – disse-lhe entusiasmado.
- Onde? – voltou-se prontamente, a pensar que era de Marta que ele falava, ficando automaticamente furioso ao ver Nélia a sorrir-lhe descarada. – Eh pá, não chames a gaja. Não me apetece bater em mulheres. – ameaçou, voltando-se novamente para o balcão e para a sua bebida.
- Estou a ver que correu mal a saída no sábado… olha, mas ela vem aí! – avisou-o - Não faças cenas! Olá! Uma bebida por conta da casa, aqui em homenagem ao aniversariante?
- Olá! Então parabéns! – disse-lhe animada, contente por vê-lo tão abatido no seu dia de anos.
João não lhe respondeu, ignorando-a propositadamente, bebendo um gole da sua bebida para se acalmar, detestava mulheres oferecidas e cínicas, e aquela em particular, odiava-a. Olhou Salvador com censura e levantava-se, quando Nélia lhe agarrou por um braço e se adiantou à capacidade de reação de João, dando-lhe um beijo rápido nos lábios, satisfeita.
- A minha prenda! – explicou, soltando-o.
- Mau timing… - disse Salvador, que olhava Marta à entrada da sala a olhá-los sem expressão definida no rosto, enquanto parecia conversar com Janota.
João empalideceu, desorientado com aquela coincidência cruel, ficando hipnotizado a observar Marta ao longe. Estava deslumbrante, completamente diferente do habitual, e sorria para o Janota, que lhe punha a mão nas costas, animado com alguma coisa que ela lhe dissera. Os pés estavam colados ao chão, presos por alguma força maquiavélica, que o impedia de a ir abraçar e arrancar de perto daquele gigante atrevido. Marta deu dois beijos no segurança e avançou na direção dele, sem revelar o que sentia, deixando-o cada vez mais ansioso.
- Olá! – cumprimentou os três, João, Salvador e Nélia. – Parabéns! – inclinou-se para o cumprimentar e ele abraçou-a automaticamente, deixando-a amolecida.
- Tudo bem Marta? – perguntou Salvador tentando acabar com aquele silêncio incomodativo.
Soltou-se do abraço e tratou de esclarecer quem era aquela mulher que o beijava na boca.
- Tudo bem. – respondeu-lhe sorridente. Esticou a mão para se apresentar à mulher, que lhe retribuiu o gesto. – Marta, a irmã do João. – disparou, sem perceber de onde lhe surgira aquilo.
- Olá, Nélia. Amiga do João. – explicou satisfeita.
João agarrou no braço de Marta e puxou-a dali perdido de raiva com aquela sequência de acontecimentos lunáticos.
- Irmã? – perguntou-lhe alterado, assim que chegaram a um canto isolado do bar.
- Beijos na boca? – berrou-lhe de volta Marta, espetando-lhe o indicador acusatório.
- A tipa é doida. Eu estava a levantar-me dali para a evitar e ela espetou-me um chocho. – explicou, chegando-se mais perto dela, enfeitiçado com a beleza dela.
- Sim, e também dormiu contigo no sábado sem tu quereres, agarrou-te, coitadinho. – ironizou, afastando-se dele.
- Não… - engoliu em seco – Mas foi um erro, não sei o que me deu… - sabia, mas seria pouco educado dizer-lhe que tinha pensado nela o tempo todo, teria certamente o efeito contrário ao desejado – Mas não há nada entre mim e ela.
- Apenas sexo.
- Não, houve sexo. Já não vai haver mais. – exclamou.
- Tudo bem. – suspirou enervada com aquela discussão inútil – Só cá vim para te dar os parabéns e a tua prenda de anos. Não quero saber com que dormes. – mentiu, sentindo-se prestes a chorar. Não tinha sido aquele desfecho que tinha imaginado durante a viagem.
- Queres saber sim. E eu não durmo com ninguém. – puxou-a na sua direção, abraçando-a com força, sentindo todo o seu corpo delicado esborrachado no seu.
- Solta-me… - suplicou-lhe com a voz fraca. Queria abraçá-lo de volta, retribuir aquela necessidade de o ter, mas aquela bisca olhava-os demasiado curiosa para quem era uma companhia esporádica de uma noite.
- Não… Abraça-me. - ordenou-a – Senão beijo-te aqui à força.
- A tua amiga está a olhar… e os irmãos não se beijam na boca. – disse-lhe já a derreter nos seus braços.
- Quem disse que te ia beijar na boca? – brincou ele, mais animado com o efeito positivo do seu abraço.
- Quer dizer, a ela, podes dar beijos na boc.. – começou a ralhar, quando ele a silenciou beijando-a com paixão, elevando-a do chão, em êxtase.
Marta pensou que fosse desmaiar, nunca tinha sido beijada daquela maneira, como se tudo dependesse daquele momento. Sentia a cabeça a rodopiar, quando João a poisou no chão, as pernas pareciam não obedecer, moles e sem estabilidade. O que tinha acontecido ali, perguntava-se confusa. Ele não a largou, continuando a abraçá-la, e olharam-se durante uns segundos, meio embasbacados com o que sentiam.
- Bolas… - disse João, ainda ofegante – Beijas bem. – brincou, sentindo-se com as pernas frouxas, dormentes.
- Tenho de ir. – mais um beijo daqueles e teria um aneurisma, pensou divertida, mas se não fosse embora naquele momento iriam precipitar tudo. Não eram crianças, mas Marta não queria pôr a carroça à frente dos bois. Gostava demasiado dele para banalizar as coisas.
- Mas… já? – estava confuso, agora que a tinha conseguido beijar, quebrando o escudo que ela lhe levantara desde o primeiro dia, queria ir embora?
- Sim, tenho o Filipe no carro, deve estar em pânico com o movimento da noite. Ele tem medo do escuro… - confessou, angustiada com o olhar de desalento dele. Ela tinha de lhe mostrar que não era mais uma Nélia. Queria que ele fosse seu, mas não numa ou duas noites.
- Tudo bem, queres que vá contigo?
- Podes levar-me até ao carro? Tenho lá a tua prenda. – disse-lhe, deixando-o ainda mais desiludido.
- Claro. – respondeu sem jeito. O que João queria era repetir aquele beijo, de preferência pela noite dentro, não receber uma prenda… mas não iria pressioná-la, afinal, a assombração da Nélia ainda por ali pairava, e poderia regressar para estragar tudo novamente.

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(imagem, internet)

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